COMING UP | Love, Victor - 3ª temporada
Há muitas histórias de amor que dão boas séries adolescentes. Chega até a haver de sobra. Mas poucas têm a importância e relevância de Love, Victor. Na sua despedida, Love, Victor continua a ser uma aula aberta sobre civismo, sobre aceitação e sobre como o futuro de tantos e tantos jovens deveria ser. Mesmo que numa versão de retrato perfeito, a trama ainda toca pontos interessantes, ainda sabe sobressair dentro do clichê e sobretudo sabe dar aos seus personagens a beleza de serem humanos com defeitos, escolhas e mudanças de humor. É a verdade tal como ela deve ser contada sem cair no exagero dramático, é a vida tal como ela é sem esquecer a pitada de mágica que dá esperança a quem assiste a série e se revê nos seus protagonistas. Love, Victor é importante, e despede-se cedo demais e com demasiado por contar.
Numa temporada que contrasta com o cenário perfeito que os argumentistas desenharam até então, Love, Victor parece correr contra o tempo com medo de abraçar a maturidade e complexidade de ter protagonistas adultos deixando-nos órfãos numa sequência de episódios que levanta muitas discussões e nos tenta ludibriar num falso final em aberto que mesmo realista não nos arrebata.
Porque no fim de contas, Love, Victor é o tipo de série que abriu caminhos importantes e não esperamos dela nada menos que algo que nos abraçasse com todo o vigor. É sobre o bom, o ótimo e o menos bom desta season que te falamos nesta nova edição do Coming Up, fica connosco!
Sabemos que para um adolescente qualquer percalço parece o fim da linha, e sabemos que cada detalhe ganha uma importância desmedida. Seja um sorriso, uma mensagem, uma frase, há uma série de elementos que nos fazem desesperar quando passamos por esta fase.
Mas, Love, Victor apesar de, também, colocar esse lado teenager na sua trama acaba por falar de assuntos um pouco mais sérios e aproveita-se dessa impulsividade para trazer para a mesa discussões que são transversais a todas as idades.
No ponto em que a série encerrou a segunda temporada, Victor deparava-se com o velho clichê de ter de escolher entre dois amores, no mais clássico triângulo amoroso das histórias adolescentes. Mas não era apenas isso. Despedimo-nos da season anterior com um Benji que enfrentava problemas de adição, com um Rahim que começava a dar os primeiros passos para viver uma vida completa e feliz, uma Lake que estava prestes a descobrir algo mais sobre ela, e Isabel e Armando prontos a perceberem que no final das contas são mais felizes juntos.
Muito sumo e muitos temas para explorar numa pré-anunciada última temporada que além de já trazer esse peso de ter de encerrar algo ainda teria de o fazer num número mais reduzido de episódios. E é aqui que começam os problemas de Love, Victor.
Duas temporadas depois os personagens cresceram, ganharam voz, contexto e consistência, já não são meras marionetas nas mãos dos autores, e para nós público que já criamos uma relação familiar com quase todos eles a exigência estava lá em cima depois de na segunda temporada nos terem conseguido conquistar com um ritmo ainda melhor que o da primeira e arcos ainda mais interessantes e surpreendentes sem parecer que os membros deste universo estavam a ser usados.
Na terceira parte Love, Victor parece ter tanta pressa para conseguir condensar tudo aquilo que ainda tem para contar que acabamos num contrarrelógio que esvazia os temas sem os aprofundar e que torna algumas das atitudes dos seus personagens despropositadas por não lhes darem tempo de assimilar tudo o que acontece à sua volta.
Logo à partida, no primeiro episódio, ficamos com a sensação de que este fim pré-anunciado vai mudar bastante a dinâmica da série quando terminamos um capítulo com Benji a dizer que vai internar-se na reabilitação e no seguinte percebemos que o tempo em que ele esteve internado já passou e que ele está prestes a voltar.
Um salto temporal que despe a importância da ação do personagem e que acaba por castrar um pouco a influência que isso poderia ter na vida de Victor. Claro que este é um ponto de partida importante para o que vamos ver de seguida, mas a sensação de que estavam a tentar acelerar o tempo para não perderem espaço de ecrã manteve-se.
E esse acelerar de eventos não é um exclusivo de Benji e Victor. Felix e Pilar veem o seu arco avançar e recuar constantemente numa espiral de situações onde tudo corre mal sem que os dois personagens tenham realmente um segundo para sentirem os seus problemas.
É certo que na adolescência os dramas amorosos são sempre bastante exacerbados e irrefletidos, mas em relação a estes dois, tanto um como outro têm a bagagem suficiente para serem um pouco mais maduros e relevarem alguns problemas, ou pelo menos, seriam suficientemente inteligentes para não tomarem o chorrilho de decisões impulsivas que os manteve com constantes idas e vindas.
A dada altura parece que os argumentistas já tinham perdido o controlo e já não sabiam bem o que fazer com o dilema de Pilar com Mando e atirou uma solução bem Deus Ex Machina para fazer com que tudo ficasse bem, ou para entregar um fecho de ciclo minimamente decente, mas bem acelerado.
Benji e Victor passaram a sua temporada final distantes, com poucos diálogos e a seguirem caminhos de crescimento importantes, mas opostos demais para aquilo que o público esperava ver numa última temporada. Benji teve muitos dilemas, mas a falta de tempo para dedicar ao personagem fez com que esses problemas que o acompanhavam fossem apenas breves referências.
O personagem passa de principal a secundário num estalar de dedos e de repente toda a carga dramática com assuntos relevantes e sérios que precisam de ser debatidos sobretudo junto do público-alvo da série é soterrada com dilemas amorosos.
E é pena, porque apesar da proposta principal da série ser dedicada ao amor, Love, Victor fez um percurso em que se tornou mais do que isso, e faltou-lhe esse lado mais abrangente e educativo para outras áreas além do amor.
Benji precisava, claramente, de mais uma temporada, soube a pouco a sua presença aqui, e caso tivéssemos uma quarta leva de capítulos é mais que certo que esse seria o grande ponto de viragem do personagem, em que ele finalmente ia ter um maior conhecimento sobre ele mesmo, ia ultrapassar a sua depressão, e poderia ser um exemplo para tantos jovens. Enfim, uma oportunidade desperdiçada.
A falta de tempo dedicado a Benji deveu-se em muito ao facto de mesmo sendo esta a última temporada da série, os autores arriscaram e introduziram novos personagens. E esta é uma questão delicada, porque apesar de personagens como Nick terem roubado a atenção, temos de reconhecer que são necessários para manter a história de Love, Victor mais próxima da realidade.
Convenhamos que até agora Love, Victor nos tinha oferecido um cenário mais ou menos encantador. Com uma discussão ou um problema aqui e ali, mas apesar disso tudo estava demasiado cor-de-rosa.
Nestes novos episódios, Victor passa pelo seu primeiro grande desgosto amoroso e é confrontado com a realidade, vendo-se obrigado a seguir e frente. E como é impossível não nos identificarmos um pouco.
Victor parte então para uma nova fase da sua vida, aproveitando a vida como nunca tinha feito antes e ao mesmo tempo que se aventura vai percebendo um pouco mais sobre o que ele realmente quer. A personalidade do personagem é reformada à nossa frente num arco necessário, que era indispensável para manter o realismo da série, mas que poderia e deveria ter ficado como uma trama de uma season intermédia e não numa sequência final.
À parte disso e falando no realismo da série vamos avançar para o final, onde tudo parece dar certo, mas há alguns pontos interessantes sobre os quais é importante falar. Benji e Victor terminam a série com um longo beijo e com a promessa de que vão tentar, mesmo sem saberem em que é que esta nova oportunidade vai dar.
Não foi um total “felizes para sempre”, mas foi um final digno e coerente com aquilo que vimos até aqui. Love, Victor é um romance bonito e atual, com uma voz ativa, mas nunca se escudou nisso para se transformar num clichê (apesar de também ter alguns, mas qual é a vida que não tem um bom clichê?), e por isso todo o diálogo de despedida dos dois personagens foi realista o suficiente com o momento em que os dois estavam, se isto fosse um documentário, aquele seria o encerramento perfeito.
Porque nunca podemos vender a ideia do “final feliz” quando ainda há tanto para viver, quando os dois ainda são tão jovens, e já passaram por tantas reviravoltas nas suas vidas. Apesar de ser um final em aberto, aqui não podemos queixar-nos que a série nos tenha traído.
Faltou mais? Faltou. Love, Victor tem uma construção que não cabe em apenas três temporadas de vinte minutos. Tem demasiada importância, demasiados arcos interessantes, para ser recortada por falta de tempo, que foi o que aconteceu.
O momento final de Benji e Victor é perfeito se pensarmos que a vida deles continua e que esse falso final em aberto é apenas uma forma da série nos dizer que não há respostas definitivas na vida, sobretudo no que toca ao amor. Contudo, deixa-nos com um manancial imenso de coisas que gostaríamos de ver na vida destes dois rapazes, ainda para mais agora que finalmente podem viver o seu amor tranquilamente depois de uma temporada completamente distantes.
A série, seguindo até as idades dos seus personagens principais estava pronta para passar para um nova fase, para conversar com o Young Adult. Ou seja, a história estava a um passo de ser ainda mais interessante e esta finalização abrupta, que esventrou os temas mais pesados, soou quase como um grito de medo dos argumentistas. Como se tivessem receio de se aventurarem mais, o que é completamente antagónico com aquilo que fizeram no arranque de Love, Victor em que construíram um universo cheio de nuances, que não terminava no debate sobre a sexualidade de Victor.
Mas apesar de tudo isto, a terceira temporada de Love, Victor é má? Não, de todo. O aspeto menos positivo desta temporada prende-se com o facto desta ser a última vez que passamos os olhos na vida destes personagens e de isso nos toldar por completo a nossa perceção sobre o destino que lhes deram, além claro de ter influenciado a rapidez com que desenvolveram os dramas deles.
Love, Victor tinha material para pelo menos duas temporadas, caso o tempo de cada ação fosse devidamente respeitado. Porém, ignorando isso, o humor continua a ser excelente, a família Salazar é um prato cheio que nos comove e diverte sem parecer forçado. Os jovens atores são um exemplo de como um casting pode moldar as personagens de uma forma incrível, tornando-os inesquecíveis, como são os casos de Victor, Benji, Pilar, Felix, Lake e até Rahim.
Continua a ser uma história obrigatória para se ver em família, mas podia ser muito mais. No fundo é o mesmo que acontece com The Fosters, por exemplo, tem tudo para ser muito mais, mas cortam-lhes as pernas sem que as deixem ganhar asas antes.
É um final pouco digno para algo tão bom. Será que podemos ter esperanças que ainda revertam a situação? Vá lá Disney, para vocês não há impossíveis, aliás foi com a própria Disney que aprendemos isso.
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