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Contos Bastardos • "Sabes o que é uma pagela?"

Sabes o que é uma pagela?

No glossário diz que é uma página pequenita, uma prestação ou uma folha de papel com uma oração e um santinho. A quantidade de diminutivos presentes na frase anterior já nos deixa de sobreaviso: para precisar de um rácio de eufemismo que invade até as folhas da fortaleza do Dicionário Básico da Língua Portuguesa, é porque traz água no bico.

Pagela lembra remela. Rima com mortadela e apalpadela.
Desculpem a falta de maturidade linguística.
A lista de rimas não tem grandes melhorias: favela, moela, salmonela. Pausa para a trivela.
Alberto Caeiro escreveu que um dia de chuva é tão belo como um dia de Sol, ambos existem - cada um como é.
Se não há dias feios, há palavras feias?

Puritanos de boca ou de cordas vocais vão já levantar a mão para falar dos palavrões.
Se tiramos o significado a merda e a sentamos ao lado de perda, as duas numa sala vazia, nuazinhas como vieram ao mundo, qual delas merece censura?
Despidas de conceito e de preconceito por consequência, não sabemos a qual meter pimenta na língua e a qual dar o ombro amigo. A reprovação e a dor com uma consoante fininha de fronteira, a provar que a beleza não está só nos olhos de quem a lê mas também nos dedos de quem a escreve, na língua de quem a diz, nos ouvidos de quem com ela é confrontado.

No dia em que aprendi o que é uma pagela, só me puxou à realidade um barulho estranho: o som dos sinos que batem sem haver missa. Um cemitério cheio não é local para palavrões, mas esta página pequenita é a recordação eterna de que, feias ou não, há palavras que não tenho pressa em aprender-lhes o significado.