Contos Bastardos • "A história mais arrepiante de sempre"
A história mais arrepiante de sempre
Talvez
não seja mais arrepiante de sempre, mas é a que consigo escrever hoje -
isto porque, além de ser uma história arrepiante, tem também aquele
suplemento que vemos no início dos filmes de terror mais comerciais. As
quatro palavras que, de tão usadas, quase se tornaram uma banalidade: baseado em factos reais.
A minha história arrepiante (sim, com pronome possessivo, deixem-me, a uma neta orfã permite-se tudo, pelo menos nos dois dias úteis depois de perder a avó) não é mais do que um diário de bordo.
Se ainda na outra semana vos contei como o meu Chico, ansião pilar de família, tinha perdido um amigo, é com pesar que adiciono uma perda à lista extensa de vazios que vão aparecendo na vida dele. Desta vez, a companheira de uma vida.
Três filhos em comum e uma neta, bodas de já-se-perdeu-a-conta-ao-metal-precioso, todas as palavras e todos os silêncios do mundo.
Não quero puxar pela manga nem estender-vos o lenço, mas a vida tem destas coincidências filhas-da-mãe-ou-da-avó. Não consigo escrever outro tema. Não mo permitem estes dedos, cansados de apertar as costas do meu avô, de limpar as lágrimas da minha mãe, de acudir aos telefonemas dos meus infinitos tios.
O meu Chico diz que viver é fácil, difícil é saber viver. Com noventa anos de aprendizagem, tenho a certeza que é, de todos nós, quem o sabe melhor.
Mas tem de reaprender, de hoje em diante. Cada manhã uma lição - na cama vazia, na luz apagada quando chega a casa da fazenda, na mesa tão grande, na panela de sopa que agora chega para o almoço e para o jantar.
Como diria a minha avó, se aqui estivesse nesta segunda-feira: vida macaca.
A minha história arrepiante (sim, com pronome possessivo, deixem-me, a uma neta orfã permite-se tudo, pelo menos nos dois dias úteis depois de perder a avó) não é mais do que um diário de bordo.
Se ainda na outra semana vos contei como o meu Chico, ansião pilar de família, tinha perdido um amigo, é com pesar que adiciono uma perda à lista extensa de vazios que vão aparecendo na vida dele. Desta vez, a companheira de uma vida.
Três filhos em comum e uma neta, bodas de já-se-perdeu-a-conta-ao-metal-precioso, todas as palavras e todos os silêncios do mundo.
Não quero puxar pela manga nem estender-vos o lenço, mas a vida tem destas coincidências filhas-da-mãe-ou-da-avó. Não consigo escrever outro tema. Não mo permitem estes dedos, cansados de apertar as costas do meu avô, de limpar as lágrimas da minha mãe, de acudir aos telefonemas dos meus infinitos tios.
O meu Chico diz que viver é fácil, difícil é saber viver. Com noventa anos de aprendizagem, tenho a certeza que é, de todos nós, quem o sabe melhor.
Mas tem de reaprender, de hoje em diante. Cada manhã uma lição - na cama vazia, na luz apagada quando chega a casa da fazenda, na mesa tão grande, na panela de sopa que agora chega para o almoço e para o jantar.
Como diria a minha avó, se aqui estivesse nesta segunda-feira: vida macaca.
Texto: Sónia Costa
Ilustração: Filipa Contente
Ilustração: Filipa Contente
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