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COMING UP | Heartstopper

Heartstopper é a série que precisávamos sem saber. De um modo gentil a nova aposta da Netflix conta uma história de amor que serve de manual para os jovens dos dias de hoje. É um romance reinventado? Não, até nem há nada de novo nos clichês da construção da história de amor dos protagonistas, mas é exatamente isso que faz a série ser tão bonita por nos conseguir levar para sítios felizes. 

E isto numa série em que de forma improvável todos os personagens vivem vidas com dilemas sérios e importantes mas onde as coisas que realmente importam dão certo. Emocional, bonito, esta produção é o algodão doce das tramas juvenis que nos deixa com um sorriso de encanto.

Em Heartstopper contam-nos a história de dois rapazes que em fase de descoberta se apaixonam, numa narrativa vivida que sabe encantar-nos e tocar-nos com a sua leitura da realidade conseguindo converter até os mais céticos sobre este tipo de séries teenagers e fazê-los voltarem a sentir as borboletas na barriga típicas da idade. 

Heartstopper leva-nos a viajar no tempo com pontos de identificação fáceis para quem já explorou e descobriu a sua sexualidade sem fazer do tema algo pesado e relatando os desenvolvimentos do relacionamento entre Nick e Charlie de uma forma natural, bonita e até educativa. 

Na mesma comunhão de público de Young RoyalsHeartstopper é leve, bonito e deixa-nos com um sorriso terno. Mesmo no seu jeito claramente teenager que obriga a um texto percetível, Heartstopper é o tipo de narrativa que consegue tocar as emoções de várias idades e revela uma imagem do mundo um pouco mais otimista. 

Tal como nos livros, Heartstopper prova mais uma vez que não é uma trama unidimensional é que para lá dos clichês do par romântico que alicerçam a narrativa, esta é sobretudo uma série que pretende retratar a descoberta da sexualidade de uma forma bonita e sobretudo percetível para toda a gente em linha com o que acontece com Love, Victor e Sex Education. Numa leitura cujo o paralelo mais próximo poderá ser The Fosters, mas com menos drama.


Mas aqui há um foco especial num público que precisa deste tipo de conteúdo para se entender e para entender o mundo à sua volta e como a diversidade e a liberdade de serem quem são é algo extremamente importante e decisivo para a convivência em sociedade. 


E o que é assim tão diferente? Bom, primeiro a forma como a relação de Nick e Charlie surge é o companheirismo verídico dos amigos que depois ganham outros contornos. A troca de mensagens dos dois poderia ser uma transcrição exata do que acontece no início de uma relação amorosa, num cuidado extrema do texto em tornar o momento bonito sem perder o brilho do realismo. Depois, a partir daí, temos todas as dúvidas e questões habituais quando alguém ainda está na fase da descoberta até que chegamos ao ponto em que Nick encontra alguém com quem se pode abrir e falar sobre as suas inquietações, uma espécie de farol que o ajuda a perceber que o que se passa dentro dele é normal. 


Além disso, e num caminho que casa muito bem com a atualidade, a série coloca Nick a encontrar vídeos onde outras pessoas, como ele, expõem a sua situação de forma a ajudar os outros. 


Chega a ser irónico, porque aquilo que acontece com o personagem na série depois de assistir aos vídeos de quem já passou por este processo acaba por ser um reflexo sobre o quão importante Heartstopper pode ser na vida de um jovem real que tal como Nick esteja a passar por uma fase de questionamento que o fazem colocar tudo em perspetiva.



Sem dramas desnecessários, sem twists mirabolantes, a realidade está toda ali encaixada sem perder a gentileza e calma com que as coisas são contadas. Do bullying ao questionamento e à rejeição e aprovação, a série passa por todas essas fases com o devido cuidado e calma, conseguindo de uma forma formidável dar contexto e conteúdo aos seus personagens e aprofundar pontos tão importantes e interessantes em apenas oito episódios de meia hora. 


O ritmo está no compasso certo e é um dos grandes ganhos da série que fazem com que Heartstopper não perca a essência que tem na versão literária, onde tudo fluiu com uma normalidade bonita. 


Dos livros passa essa fluidez e passam também os desenhos e a cor que ajudam e muito a entendermos exatamente como cada personagem se sente. É talvez uma das melhores adaptações literárias da Netflix nos últimos anos, numa transcrição quase total que nota-se claramente que tem dedo da autora original, e que além de manter a história praticamente intacta sem sucumbir às supostas necessidades televisivas mantém também os personagens praticamente intocáveis num casting que respeita os adolescentes ao colocar atores que, de facto, tenham a idade que representam. 


Com isso geram identificação por se apresentem com características mais "normais" e realista que fujam da bolha estereotipada. Pode ser um simples apontamento para respeitar o fandom mas se pensarmos de uma forma educativa ter atores com características físicas ou ideologias que realmente são representativas da realidade ajuda ainda mais a que Heartstopper se torne numa obra que consiga mudar mentalidades, que consiga falar com o seu público alvo, que não seja apenas mais uma série bonitinha que nos enche o olho. 


Porque convenhamos que com tudo aquilo a que se propõe Heartstopper é, sem dúvida, muito mais que isso.


Mas já que falamos do casal principal e do casting, é interessante refletir que os dois não são o estereotipo do casal protagonista de uma sobriedade teenager


À primeira vista os dois nem aparentam ter uma química que nos fascine, e até nos soam como desconexos. Mas bastam três episódios para estarmos rendidos e a torcer por eles e sem querer a série acaba de nos dar mais uma lição sobre não julgarmos. 


Estamos tão habituados, até pela própria Netflix, a que os protagonistas sejam um casal quase instantâneo que nos esquecemos que na vida real não há pessoas pré-formatados para ficarem bem juntos em quadros de família, mas sem nos darmos conta à medida que nos vamos habituando a vê-los juntos já não os conseguimos imaginar de outra forma e acabam por passar de uma conjugação estranha para um par perfeito. É o que acontece aqui, com Nick e Charlie a poderem facilmente ser os nossos amigos de secundário. 


E saindo do núcleo central para falarmos de Tao, Harry e Ben é interessantíssimo ver uma série com episódios tão curtos e que é, no papel, um simples drama adolescente, desenvolver os seus personagens de uma forma tão coesa. 


Tao encaixa perfeitamente naquilo que muitos jovens desta nova geração sentem. A globalização ajuda a que tenhamos mais mundo dentro do nosso mundo, e oferece-nos a liberdade de podermos ser diferentes. Contudo, a sociedade ainda está a aprender a lidar com essa diferença, porque nem todos andam ao mesmo ritmo, e talvez seja isso que faça de Tao um rapaz com alguma revolta dentro dele, mas ao mesmo tempo com uma forte noção de companheirismo e amizade precisamente por ter a consciência de que a amizade é uma arma fundamental na luta contra os bullys


E é aqui que entra Harry, aquele que provavelmente é o personagem mais estereotipado na série, mas que cumpre a sua função sem parecer um elemento demasiado forçado. Em contraponto, Ben é um dos vilões mais ricos da série, com nuances interessantes que abrem caminho para temas importantes numa possível segunda temporada e além de servir de vértice do triângulo principal ainda dá uma outra perspetiva sobre como lidar com a descoberta da sua sexualidade. 


A série, de resto, aborda o espectro completo, não colocando apenas em cima de Nick e Charlie a responsabilidade dos temas, deixando todo este debate espartilhado por Tara, Ben e Elle de uma forma coerente e respeitadora.



Charlie é muito semelhante a Simon de Young Royals, mas consegue ser melhor explorado aqui suportado por uma atuação interessante de Joe Locke que veste a pele da personagem dos livros como se tivesse sido escrita propositadamente para ele. 


Se fizermos o exercício de ler a obra de Alice Oseman enquanto pensamos na interpretação do ator percebemos que há ali uma conexão quase mágica entre os dois que acaba por valorizar ainda mais a qualidade da série. 


O elenco, de facto, é todo ele muito bom para os padrões a que estamos habituados em séries adolescentes. Não há destaques negativos e ainda conseguimos criar uma empatia gigante com Nick em todas as cenas em que o vemos ao lado da sua mãe, interpretada pela infalível Olívia Colman. 


Apesar de sabermos que os episódios não são gravados em separado, acaba por ser interessante ver a evolução das interpretações do primeiro para o último capítulo. A relação fora de trabalho entre Joe Locke e Kit Connor deve ter evoluído porque a forma como eles comunicam sem falar nos últimos três capítulos é algo muito bonito de se ver e acaba por ser curioso porque em Love, Victor o par protagonista passa pelo mesmo percurso e torna tudo muito mais vívido. 


O facto dessa proximidade nos saltar à vista só faz crescer a empatia que já tínhamos e ajuda-nos a tornar-nos mais próximos dos dramas que eles estão a viver e quando damos conta já os conhecemos tão bem que conseguimos colocar-nos no lugar deles, com a série a agarrar-nos de uma forma inesperada sem perder a leveza e nos obrigar a viver os problemas dos seus personagens.


A Netflix está a construir um verdadeiro manual para a sociedade de amanhã e está a fazê-lo com a noção de que a adolescência não é apenas uma fase, mas sim várias fases cruciais no desenvolvimento pessoal de todos nós, com o respeito necessário para conseguir comunicar de forma clara com aquilo que um público de 14 anos deve saber e com o que um adolescente de 17 ou 18 já vai querer experimentar. 


Heartstopper está par a par com Never Ever I Ever no pódio de melhores projetos pensados para a primeira faixa etária, com a representatividade necessária para colocar jovens e adultos a pensarem sobre o respeito mútuo e a olharem para o outro com um pouco menos de julgamentos. E as duas comunicam de uma forma muito semelhante, sem perderem o tom leve, divertido, e deixando as mensagens supostamente mais pesadas pelo seu impacto real como algo natural. 


É a tal gentileza de que falávamos no início deste Coming Up, tudo em Heartstopper é feito com o cuidado de ser bonito, leve, mas consciente da sua importância e com respeito pelas personagens que têm em mãos e que podem ser uma ajuda fundamental para aqueles que passam por dilemas semelhantes. 


Do primeiro ao último episódio esta é uma viagem que se faz rápido mas que nos deixa de coração cheio, com personagens que nos deixam a querer ver mais numa narrativa que faz uso do clichê mas que consegue usar isso a seu favor para tornar a série mais leve. 


É um mérito gigante da Netflix e uma surpresa agradável pela sua proximidade com os livros e é, sem dúvida, um daqueles projetos que quando começamos a ver conseguimos abstrair-nos do que se passa no dia a dia no segundo em que nos deixamos mergulhar na bonita fotografia, na criatividade de conseguir manter elementos tão característicos dos livros e nos personagens bem interpretados e sumarentos. 


A segunda temporada não está confirmada mas seria um crime deixar de parte um projeto que ainda tem tanto para ensinar. Que a Netflix nos oiça!