COMING UP | Fantastic Beasts: The Secrets of Dumbledore
Num mundo altamente politizado em que as dicotomias de opinião dominam a ordem do dia, a nova aventura do mundo bruxo aceita o risco e tenta fazer espelho dessa narrativa da vida real na sequência de Fantastic Beasts. É uma escolha arrojada, mas que acaba por ajudar a trama a tornar-se na melhor obra desta franquia. Mesmo passando apenas pela superfície do que é o legado de Harry Potter, consegue, desta vez, trazer fan services mais coerentes, num argumento que tem uma direção, que sabe a que ponto quer chegar, ao contrário dos seus antecessores que pareciam perder-se na riqueza do universo de J.K. Rowling e aprofundavam personagens de arcos secundários para depois não lhes entregarem um papel com real destaque.
Sem muitos twists, e até correndo o risco de se tornar numa história mais neutra, The Secrets of Dumbledore consegue fazer-nos voltar a acreditar que a saga Fantastic Beasts ainda pode dar certo, enquanto vai acrescentando ao cânone de Harry Potter dados novos que realmente fazem sentido com tudo aquilo que aprendemos anteriormente.
Não é uma obra de referência, mas Secrets of Dumbledore traz mais coerência, atuações com um maior entendimento dos personagens e, sobretudo, mais foco. A experiência continua a não ser tão prazerosa quanto aquilo que um verdadeiro fã de Harry Potter gostaria, mas mesmo assim é uma película que justifica pagar bilhete. Falamos disto e de muito mais em mais uma edição do Coming Up, onde destacamos o regresso a um universo que é parte da infância da maioria de nós.
A saga Harry Potter marcou uma geração e isso não é segredo para ninguém. Contudo, esse laço afetivo tornou tudo muito mais marcante, ao ponto dos mínimos detalhes não passarem tão despercebidos como seria de esperar. A nossa ligação é tão intima que qualquer erro ou falta de acerto em Fantastic Beasts é elevado ao expoente máximo, quase ao ponto de ridicularizar todo o trabalho que os autores depositaram no filme.
Apesar de todos os fãs terem essa consciência, esta nova franquia parece ter olhado para esse problema com medo. O que se sente, mesmo neste terceiro capitulo que é francamente mais bem amarrado que os anteriores, é que quem desenvolve as longas-metragens de Fantastic Beasts olha para a saga do jovem bruxo como uma espécie de Santo Graal, uma realidade quase intocável.
No segundo filme, a confiança extrema que depositaram no projeto levou a que cometessem erros grosseiros, como é o caso da inclusão de Minerva McGonnagall fora de época. Agora, neste terceiro, a sensação que os autores nos deixam é que ficaram um tanto ou quanto acanhados e com isso a sua criatividade acabou limitando-os a seguir parâmetros que levassem àquilo que já era cânone.
É certo que Fantastic Beasts é uma prequela que tem de obedecer às regras já impostas pelo futuro da saga, mas neste capitulo essas regras acabam por sufocar a capacidade de elevar a fasquia e de entregar twists mais cativantes e que acabassem por tirar a história de um ponto neutro.
Porque sim, a ideia que Secrets of Dumbledore nos deixa é de que não há nada de muito relevante, que os dados que adicionam acabam por ser apenas conexões entre o ponto A e o B. Este é o claro exemplo de uma história que sofreu bastante com os ecos do público, e que nos leva a questionar se a falta de uma promoção massiva como aconteceu nos seus antecessores já não seria um fruto do medo instaurado pelo que aconteceu no segundo filme da franquia.
Medo do cancelamento geral? Se esta leitura estiver correta explica bem o porquê de se terem apressado a criar uma solução para o problema que eles próprios criaram quando nos apresentaram a identidade secreta de Credence, desvendando um segredo gigante num terceiro projeto de uma saga que pretende ter cinco filmes e relegando essa revelação grandiosa para o passado de um personagem que não tem grande background nos livros, evitando assim dar aso a mais críticas. A jogada foi inteligente mas será que é assim tão interessante quando poderia ser?
Ao contrário dos seus antecessores, as referências à saga mãe são muito mais subtis, mas acabaram por gerar bonitas homenagens a elementos marcantes de vários títulos da franquia Harry Potter - como a referência a Deathley Hallows, Chamber of Secrets ou Philosopher’s Stone no momento em que o grupo principal está a ser perseguido.
Porém, apesar destes easter eggs estarem bastante bem colocados, há algo que falta neste terceiro filme: um momento em que a magia realmente invada o ecrã. A ação vai-se desenrolando com pequenos apontamentos mágicos, que são bonitos, mas sentimos falta de confrontos, dos momentos das luzes vibrantes que saem das varinhas. Temos dois grandes momentos, um com Lally e Jacob no Ministério da Magia Alemão e outro no final na luta entre Dumbledore e Grindelwald - vale mencionar que é uma das mais bonitas e bem coreografadas de todo este universo bruxo nos cinemas - mas ficamos por aí. Sentimos falta da magia que nos faz esboçar um sorriso ao de leve por nos levar a viajar no tempo até à nossa infância quando vibrávamos com os confrontos do bem e do mal em Harry Potter.
Saindo dessa critica maior, há que louvar o arcabouço dos criadores em continuarem a conseguir dar significado ao título Fantastic Beasts. Aqui, a referência às criaturas tem um impacto real no tema central da obra e acaba por tornar mais interessante as interações com os animais da maleta de Newt. É um dos pontos mais positivos deste The Secrets of Dumbledore, por finalmente entregar um significado maior à utilização das criaturas mágicas para lá do facto de Newt ser o protagonista da história. Num momento em que essa ligação já parecia roçar o forçado, parece que agora acertaram finalmente no tom.
Mas referimos lá no início que esta era uma obra politizada. Pois bem, a discussão a que todos assistimos na vida real está agora no seio do mundo bruxo com um paralelismo entre a Direita e a Esquerda que é adaptado àquela realidade, mas que não deixa de estar bem presente. Além de construir essa conexão entre o nosso mundo e a história do filme, há um dado interessantíssimo que enriquece o texto: nenhum dos lados está completamente ciente do que é a democracia na sua essência.
Se por um lado temos um Grindelwald que quer incutir as suas ideias pouco convencionais, dos velhos costumes e ideias que estão intrinsecamente ligadas com a ditadura nazista, por outro temos um Dumbledore, que apesar de ter em linhas gerais um visão muito mais humana do melhor para o mundo, acaba por entender a candidatura de Grindelwald como uma afronta e um facilitismo.
Ou seja, o próprio Dumbledore, que defende a liberdade, tem uma ideia enviesada sobre o que é, por exemplo, a liberdade de expressão. É certo que os seus ideais estão mil vezes mais corretos que os do seu “adversário”, mas isso justifica tudo? Estará a sua posição assim tão correta? Ou será que o politicamente correto não consegue entender que a democracia defende que todos têm direito a ser visto e ouvidos da mesma forma cabendo ao eleitorado tirar as suas próprias conclusões? Esta é uma discussão antiga, mas é bom ver como o filme consegue transpor tudo isto para esta intriga, e como não se coíbe de entregar nuances a Dumbledore, ao invés de o tornar num herói romântico.
E tudo isso estaria perfeito, não fosse o final estragar um pouco essa construção imaculada com um momento que lembra em muito aquilo a que assistimos em Game of Thrones com Tyrion a entregar o Iron Throne a Bran, por achar que não havia ninguém mais indicado. Ora, esse belo momento que rendeu milhares de memes e que até hoje é contestado pelo público tem aqui um paralelo interessante com a criatura que faz vénias aos corações puros a curvar-se perante Dumbledore dentro de uma multidão onde estão, por exemplo, Jacob Kowalski ou Newt Scamander.
Talvez devêssemos lembrar os argumentistas que os verdadeiros fãs de Harry Potter sabem que Dumbledore é um excelente estratega, que não se importa com os sacrifícios que faz pelo caminho em prol da sua verdade.
Mesmo com um Dumbledore enviesado, Jude Law consegue entregar uma interpretação mágica, e sim, esta palavra é um aproveitamento da essência deste filme, mas reflete bem a capacidade que ele teve de encontrar um espaço no meio termo do compromisso entre o que é a sua visão de Dumbledore, o que é o Dumbledore e o seu background nos livros, trazendo ainda pequenas lembranças da versão de Michael Gambon nos últimos filmes de Harry Potter.
Sentimos muito mais a essência do Dumbledore que já conhecemos neste terceiro filme que no anterior. Parece ter existido mais tempo para que Jude Law conhecesse o seu personagem e isso rende-lhe uma atuação que é memorável e se torna rapidamente numa das melhores partes desta película. A par com a sua contracena com Mads Mikkelsen, que finalmente nos entrega o Grindelwald que nós realmente queríamos.
Longe dos floreados de Johnny Depp, que pela sua caracterização nos lembrava constantemente que estávamos perante um obra de ficção e que impedia que nos conectássemos e fôssemos emergidos por aquela realidade, Mikkelsen é simplesmente incrível na sua simplicidade e verdade que faz tudo transparecer como algo tão fluído e natural que nos cativa desde o primeiro minuto. E ainda desperta uma discussão interessante e relevante.
Na versão de Depp, o Grindelwald que vemos na história é um homem puramente mau, perdido na sua vaidade e com um coração de gelo que o impede de ver a realidade do que está à sua volta. Agora, na atuação de Mikkelsen, vemos todas as nuances que estavam descritas nos livros sempre que o personagem era mencionado e que tinham sido perdidas. Com Mikkelsen, entendemos que ele realmente acredita que está a fazer o que acha que é mais correto, que ele tem consciência das suas atitudes mas que na sua mente distorcida tudo é em prol daquilo que ele convictamente acredita que está certo. A versão de Mikkelsen tem mais valores, tem mais consciência, e tem mais de humano, é um ganho gigante, um típico caso que justifica o ditado: “Há males que vêm por bem”.
Mesmo com muito mais acertos que os antecessores, The Secrets of Dumbledore ainda não se consegue descolar da ideia de que esta franquia é uma fan fiction extremamente bem escrita mas com a falta de experiência de um autor que saiba manejar os arcos de uma forma mais cinematográfica. Tem ali detalhes interessantes da franquia basilar, mas faltou-lhe saber explorar outros lados do extenso e rico mundo bruxo de forma a que os eventos futuros que acompanhamos em Harry Potter não acabassem por envenenar a criatividade. Se o objetivo era agradar, desta vez essa vontade foi cumprida, mas convenhamos que a margem de erro era mínima tendo em conta que tudo foi neutro.
Mesmo assim, consegue voltar a fazer-nos acreditar que o futuro ainda pode trazer algo de grandioso, um duelo impactante entre Dumbledore e Grindelwald que realmente justifique o título deles como dois dos maiores feiticeiros de todos os tempos, porque até então, o background que existe dos dois personagens tem feito esse trabalho pelos autores. Nos ecrãs, vemos que são capazes de arrastar multidões mas em concreto não assistimos a nada mais que a fama deles.
Nesta terceira longa-metragem a franquia já cortou com o arco do romance, relegando Tina para longe da ação principal, mas talvez num quarto título seja hora de começar a cortar com mais arcos, para que possam construir uma história mais fluída sem que se sinta necessidade de apresentar e expor o que está a acontecer com um elevado número de personagens que nem são tão relevantes assim.
Está a voltar a entrar nos eixos, mas de uma forma geral parece ser tarde demais, o que é um pena, por desperdiçarem a oportunidade de acrescentarem mais fãs a um universo com mensagens tão importantes como o de Harry Potter.
Será que é uma luta perdida? Esperemos que o quarto filme consiga super este e redimir a franquia de um passado turbulento e amedrontado pelos fãs canibais.
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