COMING UP | Elite
Podem largar o peito de Elite! A quinta temporada conseguiu reanimar a série, que regressa com uma sequência mais atraente e cativante, conseguindo trazer um pouco daquilo que tornou os primeiros anos memoráveis. Na prática, toda a temporada funciona de uma forma excelente, com eventos que realmente nos empolgam e dramas que nos despertam o interesse, enquanto os seus erros se prendem maioritariamente com a ausência de tempo para as suas personagens. A quinta temporada ganha vantagem das baixas expectativas que a anterior nos deixou e, pelo menos desta vez, não nos deixou com soluções às três pancadas e mistérios vazios. Falamos disto é muito mais em mais um Coming Up dedicado a Elite, fica connosco porque desta vez há muito por dizer!
Entre os fãs, é quase um consenso que a quarta parte de Elite é aquela que menos criatividade teve, entre finais mal amanhados e personagens construídas a murro, Elite estava como um navio à deriva, prestes a encalhar num iceberg e levando de arrasto as personagens que já nos tinham tocado e pelas quais torcíamos.
A quinta temporada consegue fazer inversão de marcha e mesmo sem se livrar totalmente de um possível naufrágio parece ter um mapa mais viável para se voltar a encontrar com a sua essência. Com várias imperfeições e alguns arcos a mais para o tempo que tem, esta nova leva de episódios além de mais segura no ritmo e na história tem mais alma e não se amarra demasiado a núcleos secundários. Tem intriga, tem os conflitos típicos de Elite, mas melhora por saber colocar os holofotes nos personagens com mais sumo.
Mas vamos por partes, e pelo lado menos positivo deste retorno. Esta season peca por excesso. E não, não estamos a falar do erotismo nem das drogas, mas sim de personagens. Neste momento, Elite tem demasiadas personagens com dramas importantes e interessantes para desenvolver, mas pouco tempo de ecrã para os encaixar a todos e lhes dar o espaço que necessitam.
Os criadores ainda tentam condensar tudo dentro dos cinquenta minutos de episódio, mas muitas das vezes essa correria faz com que alguns dos assuntos que a série traz para a mesa fiquem retratados apenas à superfície e que alguns dos integrantes do elenco principal passem uma temporada inteira sem saírem do mesmo ponto. Omar e Rebe que o digam, uma vez que do início ao fim desta quinta parte andam num loop infinito dentro dos seus dramas depressivos sem conseguirem passar uma única mensagem.
Já percebemos que a série seguirá um percurso similar aos sucessos adolescentes da nossa infância, com o elenco a renovar-se de ano para ano, mas essa transição está a ser feita sem um respeito real pelas personagens que já garantiram o afeto do público. A cada nova temporada aparecem mais cinco ou seis personagens que fazem mirrar o pouco espaço que as anteriores já tinham dentro de um casting demasiado grande para o número e tempo de episódios.
E se na anterior ainda conseguiram continuar a dar algum destaque a Samuel, Guzmán, Ander e outros que tais, nestes novos capítulos sentimos claramente que há personagens que pouco ou nada têm a acrescentar e que o seu tempo em Elite já passou, além de nos darem a entender que tudo o que possa vir de pessoas como Omar e Rebe será apenas mais do mesmo.
E esse acaba por ser um erro da construção do texto, porque Rebe, por exemplo, é uma rapariga cheia de potencial, que nunca teve um aproveitamento bom na narrativa. O público apaixonou-se muito mais pela interpretação de Cláudia Salas, do que propriamente pelas ações de Rebe dentro da trama, visto que ela foi constantemente relegada para arcos secundários e atirada para um romance enfadonho com Mencía no momento em que pela sua antiguidade dentro da história poderia até ser um estímulo para continuar a cativar o público.
Samuel, entre todos, ainda é aquele que melhor conseguiu assegurar a sua posição na série, envolto sempre nos dramas centrais, mas temporada após temporada só conseguimos vê-lo a repetir os mesmos erros, os mesmos comportamentos e sempre no papel de vítima, adjetivo que de resto casa muito pouco com a personalidade obstinada da personagem.
Samuel é, de todos os elementos do elenco antigo, aquele que menos acrescenta, que menor diferença faz e por isso o seu suposto desaparecimento até seria um motivo de alegria. Depois desta temporada, então, a paciência para os enredos de Samuel terminou. Já vimos, já revimos e já chega a ser constrangedor vê-lo mais uma vez envolto na culpa de um assassinato.
Mas será que não há nenhum polícia ali capaz de o encostar contra a parede e o colocar como culpado em todos os casos de homicídio anteriores na hora em que ele decide arcar com as culpas pela morte de Armando? É que se ninguém pensou nisso o trabalho da polícia de Elite é ainda mais tosco do que pensávamos.
A quarta temporada mudou um pouco o paradigma das histórias de Elite, com um protagonismo claro entregue nas mãos de Ari, Samuel e Guzmán, um triângulo amoroso com pouca química que foi um dos fatores que ajudou a tornar essa season ainda mais insípida. Agora há uma clara transferência de protagonismo, que chega em boa hora e leva a série para discussões diferentes.
Mas antes de falarmos de Iván e Patrick, vale a pena referir que em boa hora retiraram o destaque maior à pouco carismática Ari, que tenta ser uma wannabe de Lucrécia e Carla mas fica a milhas de distância das duas quer em personalidade quer em carinho do público. Não há como não ter um certo ódio a esta personagem que parece ter sentimentos ocos que de cena para cena se tornam mais incoerentes e a transformam numa pirralha mimada muito mais imatura que quase todos os outros personagens que orbitam à sua volta.
De resto, neste ponto, nota-se uma discrepância entre os elementos das primeiras três temporadas e os mais recentes que parecem vir com predefinições que os colocam em caixas fechados, há poucas clivagens, poucas atitudes que nos espantem por completo.
Mesmo seguindo essa tendência de personagens com uma construção pré-feita, os novos elementos da quinta temporada conseguem ser um pouco mais cativantes que o trio de irmãos que foi apresentado na quarta temporada. Isadora e Iván foram duas adições memoráveis e parte do brilho desta nova temporada deve-se, em muito, à frescura de assuntos que trouxeram.
Elite sempre foi uma série que gostou de trabalhar os excessos, o extremo, é o erotismo, e esses três pilares são a essência destes dois novos personagens que vêm despidos de preconceitos, de limitações e que acabam por estar um pouco mais próximos daquilo que eram os elementos originais de Elite.
Vemos em Isadora um pouco de Lucrécia e de Carla, ela tem tudo aquilo que faltou a Ari, e de sobra apresenta um arco com várias mensagens importantes sobre o consumo de drogas que podem funcionar como um gatilho para alguns mas que acabam por explorar o consumo de um ângulo em que a personagem não é uma completa vítima e não veste esse papel.
É uma abordagem diferente que pode trazer boas histórias na próxima temporada e que merecia ter tido um pouco mais espaço nesta.
Já Iván é o miúdo rico e bem disposto que lembra em alguns momentos Ander mas sem o seu lado depressivo e a sua excitação desmedida. Além disso traz uma abordagem interessante sobre a bissexualidade sem a rotular e apresenta um amor independente do género de uma forma que Elite nunca tinha trabalho antes, e diga-se que Elite já tinha arrojado bastante neste tema.
Em parte o contexto até pode fazer lembrar um pouco o enredo de Polo na primeira temporada, mas parece que a escrita aqui está um pouco mais livre e desapegada do convencional, tornando o personagem mais próximo do público e da realidade.
As suas dúvidas servem ainda como acelerador do ritmo da narrativa e mesmo nos momentos em que tem comportamentos tóxicos, acabamos por conseguir ver o outro lado da moeda e calçar um pouco os seus sapatos. É uma leitura muito próxima da realidade de quem já por alguma vez questionou a sua sexualidade e ganha ainda mais impacto por estar escrita com uma espécie de fundo de verdade.
Finalmente personagens com profundidade, já temíamos que essa criatividade se tivesse esgotado no terceiro ano da série.
Iván chega para assegurar logo de raiz um dos principais papéis desta temporada e siga-se que a Netflix anda cheia de sorte no campo dos pares românticos porque ainda agora saímos de Bridgerton em que a tensão entre Kate e Anthony pulsava para fora do ecrã, e já temos uma outra dupla sensação que consegue desde a primeira cena fazer-nos torcer para que o seu romance chegue a um bom porto.
É uma entrega completa ao homoerotismo, mas que é feito com pinças e sem resvalar para um completo clichê romantismo ou para os excessos que Ander e Omar já representaram anteriormente.
Patrick ganhou profundidade enquanto se embrenhava com a narrativa de Iván, e de repente passou de alguém sem lugar na história para um protagonista sobre o qual queremos saber mais. E há aqui um dado curioso porque apesar de Ari e Patrick ambos se envolverem com Iván e ganharem destaque com isso apenas Patrick conseguiu aproveitar esse destaque para nos apresentar mais nuances suas e fazer-nos até mudar um pouco a nossa opinião sobre as suas atitudes altamente irresponsáveis.
Continuamos a encará-lo como um miúdo mimado, porque todos na família de Benjamín o são, continua a ser egocêntrico e egoísta, mas pelo menos já vemos algo de bom a vir dali, algo coerente. Há um claro seguimento do rumo que deram ao personagem na sua História Breve, depois de perceberem que o desperdiçaram na quarta temporada.
E convenhamos que mesmo que Manu Rios não seja um ator por aí além, já conseguimos sentir que as nuances que deram ao personagem o fizeram entregar uma atuação mais carismática, nota-se evolução sobretudo nos seus diálogos com Iván e Cruz, onde sentimos que há verdade ali.
Já que mencionamos Cruz, Carloto Cotta fez um bom uso da sua experiência em Diamantino e conseguiu trazer grande parte dos seus trejeitos no filme para este personagem sem os tornar num cópia exata. Apesar disso, sentimos falta de ter uma exploração maior de Cruz além de o utilizarem como um pai paspalho.
Pode vir Rebelde, Blood & Water, Outer Banks, One Of Us Is Lying e outras que tais, o que é certo é que dentro dos dramas adolescentes que exploram o lado mais excessivo desta faixa etária Elite ainda consegue ser a melhor opção.
E mesmo a repetição na construção da narrativa que segue o modelo da malograda How to get away with Murder consegue fazer essa repetição soar de uma forma muito mais credível. É uma fórmula cansada? É. Disso não há qualquer dúvida, até porque Elite teria capacidade para ter uma nova temporada sem a muleta do mistério, mas visto que querem continuar a abraçar esse esquema pelo menos que o façam de uma forma interessante como aconteceu na quinta temporada.
Só é pena que nesta passagem de tempo a série tenha perdido a capacidade de se desprender dos personagens. Passamos de mortes épicas como a de Marina e Polo para fake deaths de Ari e Samuel, que nos fazem sentir que brincaram um pouco com as nossas emoções.
Talvez faça falta uma quebra completa com o passado, uma despedida, honrosa por favor, dos elementos do elenco adulto que já estão claramente a mais. Mas algo digno e não um empurrão como fizeram com Guzmán e Ander na anterior.
À parte destas sugestões, Elite ressurgiu e consegue agora voltar a empolgar-nos na sua espiral de crimes, enquanto nos deixa a desejar por ver mais de Iván e Patrick e por ver como ficará Ari dentro deste triângulo amoroso dado que empatia e compaixão não é propriamente o forte do personagem.
Que mantenham este ritmo e que saibam dar mais espaço a cada núcleo, porque há muitas coisas boas que se perdem neste amontoado de personagens. É deixar ir e construir de novo. Que venha a sexta e mais histórias breves!
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