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Contos Bastardos • "Heathcliff, sou eu, a Cathy, voltei para casa"

Heathcliff, sou eu, a Cathy, voltei para casa.

Está tanto frio, deixa-me entrar pela janela.

Abre uma fresta para sentires o meu perfume a roseiras silvestres, que te enche de nostalgia e sonhos com um passado glorioso e feliz.

Quero entrar e falar-te, estive tanto tempo sozinha que me esqueci de como é ser desejada.

Preciso que me mostres, que me leves de volta aos tempos áureos em que cantávamos alto as nossas vitórias e com as tuas mãos pintavas os meus lábios de vermelho cor de sangue.

Realizaste os meus sonhos e eu fiz-te acreditar que eram os teus também, que o resto era poeira e cinzas. Pisámos flores para plantarmos as nossas, as que mais gostas - não sei como aceitas viver num mundo com tanta flora, árvores tão feias, abaixo os carvalhos e os ciprestes e tílias, o mundo está à nossa frente para que juntos o possamos minar de bétulas, meu querido.

Tens de me deixar entrar. Fomos tão felizes.

Deixaste-te influenciar por quem me chamava fria e cruel, traíste-me, foste fraco de espírito. Acusaram-me de atrocidades, correram comigo à Primeira e à Segunda, chamaram-me criminosa, assassina, destruidora de lares. Encheram-te de ideias utópicas de paz mole e insípida, amordaçaram-te e domesticaram-te como se faz a um cão vadio.

Voltei e a escolha é tua. Abre-me a janela ou a porta, vamos acordar os vizinhos com este desejo louco que não cabe entre fronteiras.

Moscovo é gelado todo o ano, mas os invernos trazem ao de cima o pior de cada um.

Deixa-me entrar, Heathcliff. Trago a ganância, a sede de poder, o arsenal para despertar o pavio húmido e adormecido de um império. Já sonho acordada com as sirenes a avisarem os infiéis que chegámos. Chama-me tua e o mundo pode voltar a curvar-se perante nós.
 
Texto: Sónia Costa
Ilustração: Filipa Contente