Header Ads

COMING UP | West Side Story

Fofo, divertido e com a pitada de drama certa, West Side Story é o lugar feliz onde queremos voltar. No embalo de um musical cultural, esta adaptação faz justiça ao original com um casal que é alquimia pura. West Side Story é uma coreografia bem ensaiada de Spielberg que acertou o passo no tom, no elenco e na estética. De fio a pavio, a história prende-nos no seu estilo intemporal de Romeu e Julieta, numa guerra de gangs em que a violência é trocada por dança até ao momento em que se veem obrigados a assumir as consequências das suas lutas. Com todos os ingredientes clássicos e ainda uma leve leituras dos tempos atuais, West Side Story ganha por não se tentar reinventar e por manter a pureza do romance, a alegria e salero do casting e o lado trágico e moral que eleva a narrativa para fora do lugar comum. 

Passem os anos que passarem esta será sempre uma história que vamos querer ouvir e ver. Apaixonante e atraente, assim se descreve a longa-metragem que analisamos nesta caminhada rumo aos Oscars. Fica connosco em mais uma edição do Coming Up, prometemos que não te vais arrepender! 

Nesta aventura Spielberg começa por colorir dentro dos traços do clássico com a música a servir de base para nos apresentar a riqueza dos personagens que temos à nossa frente. 

Mais do que simples marionetas que replicam as desavenças dos Capuleto e Montecchio, os gangs rivais de West Side Story carregam o peso de defenderem nas suas próprias vozes a sua cultura e aquilo que os identifica como pessoas. 

A partir daí entramos numa luta que até pode parecer mais do mesmo, mas que à luz dos tempos que correm percebemos que falar sobre o respeito pela diferença nunca pode ser interpretado como um tema já gasto.

De um lado temos os Jets que de uma forma subtil representam a velha supremacia branca e que apesar de se apresentarem como autênticos broncos, la no fundo são um bando de meninos com bom coração que foram traídos pela vida com uma criação e educação difíceis mimada pelos excessos. 


Do outro temos os Porto-riquenhos que se tentam afirmar como elementos daquela sociedade com os mesmos direitos e a exigirem respeito pelas suas origens. E enquanto a história os apresenta é bom ver que não caímos no caminho de tentar defender nenhuma das partes apresentando as falhas de ambos os lados e ainda nos provando que no meio de tudo isto nenhum dos grupos é propriamente respeitador. A guerra está instalada e não há volta a dar a partir daí. 


O diferencial aqui é que todos os momentos de confronto, ou pelo menos a grande maioria, são regados e música, dança, num espetáculo quase palpável que estabelece os personagens de forma simples, fundamentada, carregadas de mensagens que dispensam as explicações óbvias e que estabelecem de uma forma genial a essência das duas matilhas. 


Isto sem nunca se esquecer de dar o contraponto e sem fazer com que o argumento seja única e exclusivamente sobre uma luta, há amor a brotar de todos os poros num autêntico espetáculo de cor que só torna tudo ainda mais atraente e bonito. 


É certo que os musicais têm tendência a caírem no cansaço ao fim de algum tempo de filme, mas em West Side Story é tudo tão encadeado e cuidado que a música além de nos embalar absorve-nos para a história e deixa-nos presos a uma trama que tinha tudo para ser óbvia e acaba por nos surpreender, cativar e deixar-nos a desejar que não acabe. 


É como se as duas horas e meia de filme se transformassem num mero episódio de uma série daquelas que nos deixam imersos logo no episódio piloto.



E como em qualquer boa história clássica, uma narrativa não se faz sem um par protagonista romântico e apaixonado. Aqui não se limitaram a seguir o clássico como ainda nos ofereceram de presente uma dupla com uma química fora do comum que torna a trama ainda mais apaixonante e envolvente. 


No papel que consagra de vez Ansel Elgort, Tony é o herói que cai em desgraça e que prova que por vezes não é uma má ação que traduz o carácter da pessoa. Mesmo com duas atitudes bastante questionáveis, Tony continua a deixar-nos a torcer por ele, entrega-nos o contexto certo para conseguirmos aproximar-nos de um perdão e vence-nos pela sua capacidade de nos fazer entender que no seu íntimo nada do que ele fez de errado foi fruto dele mas sim do seu meio. 


É controverso? É. É cem por cento desculpável? Nada mesmo. Mas é fiel ao original, não sucumbiu à guilhotina do politicamente correto que nos levaria a olhar para o amor entre Tony e Maria como algo altamente tóxico e pouco representativo da sociedade que queremos, quando no fundo, se nos livrarmos de ideias preconcebidas temos perante nós uma bonita e trágica história de amor interrompida por uma guerra que poderia ter sido resolvida com um simples aperto de mão. 


No seu ar singelo, Elgort entrega-nos os conflitos do personagem sem precisar de os verbalizar e apresenta-se como um homem loucamente apaixonado por um amor à primeira vista que não olha a culturas, ideias preconcebidas ou regras. 


Depois de Baby Driver, este é finalmente o salto que ele precisava para o verem como alguém que é mais do que o rapaz de The Fault in Our Stars, e poderia ter-lhe, perfeitamente, entregue a sua primeira indicação a um Oscar. É certo que não ganharia, mas a menção era mais do que justa. Que esta rampa lhe sirva para daqui a uns anos o vermos voar ainda mais alto.


A completar a parelha temos Maria que é “lobo em pele de cordeiro”, a típica protagonista rebelde disfarçada por uma postura e trajes delicados que vive pronta a engolir o mundo assim que lhe seja dada oportunidade. 


É, talvez, a personagem que foge menos do seu estereótipo mas mesmo dentro de seu próprio círculo ela consegue conquistar a nossa empatia e fazer-nos torcer pela sua felicidade, mesmo quando esta tem uma tanto ou quanto de questionável. E nem estamos a referir-nos ao facto de Tony ter morto Bernardo, falamos sim da forma rápida e quase desinteressada com a qual ela lida com o luto da morte do seu irmão, no fundo, Maria é bem menos perfeita do que a imagem que nos quer vender e em alguns pontos do discurso que tem com Anita depois dela a apanhar no quarto com Tony percebemos que ela é um tanto ou quanto egocêntrica é mimada. 


É giro ver como o texto dá voltas e voltas para fugir ao lugar comum, como se esforça tanto para não nos entregar mais do mesmo e como nesse mesmo percurso acaba por apostar em grande em enriquecer os seus personagens. Maria é fruto desse esforço absurdo e o que nos chega são emoções contrastantes em que nos apetece amá-la e chamá-la à razão ao mesmo tempo. 


Ela mexe connosco mesmo sendo a típica heroína de um romance clássico e dá ainda uma lição a muitas histórias modernas que se sufocam para entregarem algo novo e acabam por oferecer tramas com alguma falta de criatividade e vários furos, com Maria temos criatividade de sobra e sem elementos desconexos, sem fugir do que é simples mas funcional e empático.



E se falamos de empatia, o que dizer de Anita? Ela é quem da o tom do que vemos, quer nas suas saídas cómicas que a tornam memorável quer nos momentos em que se deixa dominar pelo drama e em qualquer um dos extremos, o que Ariana DeBose entrega é uma interpretação segura e que nos cativa. 


Ela tem tudo, da atuação aos momentos emblemáticos de dança, passando por contracenas incríveis com David Alvarez que nos vendem amor e nos fazem corar com a sua química para depois nos atirarem de um penhasco quando percebemos o quão terrível é o seu futuro. 


Aliás, não fosse o carisma do par protagonista, este casal de Bernardo e Anita roubaria muitos dos holofotes para si, é mesmo assim chega a redutor colocá-los como atores secundários quando tanto um como outro carregam boa parte do filme às costas com momentos como a música América em que nos oferecem de bandeja não só um espelho do que é a paixão dos dois e a forma como se relacionam mas, também, uma análise clara sobre as diferenças e as lutas de quem se tenta afirmar num país que não é o seu berço mas que a todo o custo tentam entender como sendo seu. 


Ela não será a grande vencedora da estatueta de Melhor Atriz Secundária, mas é profundamente triste ter uma interpretação com tanto magnetismo a sair sem um prémio em mãos, porque esta Anita é o tipo de personagem que nos vai acompanhar por muito tempo, sobretudo quando nós vier à memória um pouco da sua ironia na relação com Bernardo. 


West Side Story é a excelência de Steven Spielberg mais uma vez transposta no ecrã, sem falhas e com a mesma paixão a que já nos habituou. 


Esta consegue não ser simplesmente mais uma obra com qualidade para acrescentar ao portfólio mas sim um projeto que figura par a par com os melhores trabalhos do realizador por mais uma vez nós ficar gravada na memória. 


A estreia nos musicais não podia ter corrido melhor e ainda consegue balançar bem o tom da música com a riqueza do guião num design de produção que não deixa dúvidas de que, de facto, é um justo candidato ao Oscar de Melhor Filme, mesmo que as suas chances sejam praticamente nulas. 


Infelizmente este não é o ano certo para West Side Story figurar entre os candidatos, é que apesar de ser uma longa-metragem quase sem defeitos parte para uma corrida que já tem os seus principais competidores definidos e com muitos dramas que roubam as luzes e o destaque para eles pela sua densidade nas atuações. 


Entre as sete indicações, Ariana DeBose é aquela que fica mais próxima de realmente levantar a estatueta, nas restantes Dune é um claro favorito à excepção de Jane Campion na realização com o seu, também magnífico, trabalho em The Power of The Dog, e em Melhor Figurino que deverá ser Cruella a cantar vitória. 


Com tudo isto dito, a ressalva principal é de que West Side Story é a par de CODA um daqueles indicados que vão extrapolar a gala e que nos vão preencher muito mais noites ao longo dos próximos anos. Esse prémio já venceu.