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COMING UP | Inventing Anna

Shonda Rhimes sabe produzir tramas sobre ricos, e isso é inegável. Depois de ScandalThe Catch ou até mesmo BridgertonInventing Anna é mais uma prova sobre como a produtora sabe andar neste meio. Com uma história atraente e com muito sumo, Inventing Anna puxa os cordéis do drama num estilo que se mantém fiel às narrativas habituais da Shondaland carregada de glamour e com personagens com muita profundidade que fazem uma boa leitura da sociedade e carregam mensagens morais que tornam tudo ainda mais interessante. É uma montanha russa peculiar, um quebra-cabeças com muitas peças, mas extremamente bem explicado e com a vantagem de ser atual e realista. Falamos disto e de muito mais em mais uma edição do Coming Up, fica connosco e descobre tudo sobre a história de Anna Delvey. 

Uma vigarista com classe, que engana tudo e todos no ponto alto da sua genialidade aos 26 anos, é esta a premissa que nos atrai e nos leva a envolvermo-nos com Anna. A abordagem quase documental está no ponto e consegue deixar em aberto a possibilidade de quem vê conseguir tirar conclusões sobre os vários imbróglios em que a protagonista se coloca, isto sem nunca a desculpar ou sem deixar de ser credível. 

No fundo, partimos logo com a premissa de que ela é simplesmente uma mulher dissimulada e a partir daí o texto vai dando várias reviravoltas que a humanizam e quase chega ao limite de nos fazer sentir pena por ela. 

Mas num mundo em que já ouvimos dezenas ou centenas de histórias sobre todo o tipo de vigaristas, o que é diferente com Anna Delvey? A resposta é simples: A facilidade com que ela conseguiu fazer todas as suas ações sem levantar questionamentos apenas pela sua aparência e eloquência. 


Anna é um génio, como dá para entender em muitos dos pontos que os entrevistados de Vivian referem, mas em grande parte das suas ações ela teve do seu lado a construção pública de uma imagem que agrada à maioria, numa sociedade em que é mais importante parecer do que ser. 


Em muitos momentos da série, por mais provas que existissem sobre a mentira da rapariga, parece que os intervenientes estavam a implorar para serem enganados. Porque convenhamos que eles a colocam num pedestal baseando-se apenas no famoso “diz que disse” sem colocarem mais questões. Ela tem um magnetismo que cativa multidões com a sua aparência e com a sua suposta fortuna a ser constantemente tema de conversa, e foi o suficiente para enganar a maioria dos que se dizem inteligentes ao ponto de lhe mendigarem atenção. 


A sociedade está doente e Inventing Anna é só uma evidência sobre a quantidade de pessoas mal intencionadas que estão por aí dispostas a aproveitarem-se da ingenuidade alheia e sobre o quão facilmente nos deixamos enredar nas mentiras das redes sociais ou sobre as pessoas que estão nos grandes circuitos, como se de repente estarem entre os “Big Dogs” fizessem deles figuras que estão acima dos outros, quando na realidade podem estar mais destruídos que muitos de nós.



A construção da proposta da série é bem feita com uma teia bem montada que tenta chegar a todos os detalhes para dar credibilidade a algo tão sórdido. 


Contudo, há defeitos eInventing Anna. O maior de todos é o ritmo. Numa história em que o detalhe é exigente, os episódios longos que tentam tapar possíveis furos dão um ar de novela à série que talvez não a tornem numa maratona fácil para a maioria. 


Há sumo e eventos importantes em cada um dos nove episódios, mas tudo isso poderia ser repartido por um maior número de capítulos que contornassem os momentos mais parados e dessem outro impacto às cenas e nos agarrassem mais. É que apesar de tudo estamos a falar de um drama, género em que tudo tem de ser bem doseado para não se tornar cansativo e não parecer que andamos em círculos. 


A dada altura parece que vamos acelerar e que vamos realmente entrar num ponto mais frenético da história quando damos por encerrado o arco de Chase, mas não, em vez disso seguimos com mais tentativas de burla de Anna e só voltamos a sentir novamente que a história nos agarra a 100% quando estamos na viagem a Marrocos com Anna, Kacy e Rachel. 


Há demasiados personagens, demasiados peões neste enredo, que aumentam a gravidade da situação mas a dada altura parece a sensação que nos deixam é de que perdemos imenso tempo a criar empatia por personagens secundários que ao fim ao cabo poderiam facilmente ter sido apresentados de uma maneira mais rápida. 


Dava aso a possíveis furos controversos do argumento? Até poderia dar, mas certamente a experiência de Inventing Anna teria sido melhor.


E já que falamos em personagens secundários, temos de dar um especial destaque aos dois melhores núcleos da série que, esses sim, souberam dosear o drama da melhor maneira: Vivian e os seus comparsas jornalistas que absorveram a história de uma maneira incrível e que tornaram tudo isto mais didático por conseguirem criar identificação com espectador e fazerem praticamente todas as questões que vamos tendo quando estamos a assistir, e Todd que se torna, inesperadamente, num dos melhores personagens de toda a trama com uma atuação memorável de Arian Moayed. 


Mais do que a narrativa de Anna, a série consegue conquistar-nos muito mais por tudo o que orbita à sua volta, com Vivian a conseguir cativar-nos e a fazer-nos sentir que estamos envolvidos por aquela história tanto quanto ela. É ela a real protagonista de tudo isto, num papel ingrato porque na verdade nada disto é sobre ela, mas que levanta a questão sobre até onde se tem de ir para se conseguir contar uma história de forma fiável. 


É o texto a trabalhar com o contraste, enquanto por um lado nos estabelece uma sociedade em que basta dizermos o que nos apetece para termos o mundo a nossos pés, por outro temos um grupo de pessoas que lutam contra as fake news, contra as novas convenções e que tudo fazem para chegar à verdade dos factos, doa a quem doer. 


E esse contraste acaba por ser a chave mestra para que apesar da série não ser perfeita consiga, de alguma forma, conversar com o público e nos levar para dentro daquele universo.



A estética de Inventing Anna é outro dos grandes acertos, com muito glamour e com uma imagem clara de que estamos a falar da alta sociedade onde o luxo é algo banal e comum. Com todas as marcas bem posicionadas e um investimento que revela bem o budget elevado do projeto. 


Enquanto isso temos um elenco de queridinhos da Shondaland, que traz de volta algumas das anteriores parcerias da produtora e que consegue, mais uma vez puxar o melhor lado da atuação de cada um. 


Katie Lowes volta ao mesmo lugar de construção da sua Quinn de Scandal, com a mesma personalidade dúbia, que nos cativa por ter tanto de frágil quanto de durona. 


Kate Burton volta a vestir a pele de uma mulher rica e influente, lugar em que estamos tão habituados a vê-la que acaba por ser fácil acreditarmos na sua verdade sem grande necessidade de uma apresentação maior, aliás, a série acreditou tanto nisso que se repararmos bem ela foi a personagens que menos sustento teve para ser introduzida. 


Anna Deavere Smith e Jeff Petry continuam irrepreensíveis, mas com estes dois temos um problema, porque já vimos tanto em For The People quanto em Scandal que eles têm capacidade para fazer muito mais do que simplesmente ficarem encarregues de serem alívios cómicos. 


Anna Chlumsky e a sua Vivian fazem a série de fio a pavio, num interpretação cativante mas muito pé no chão da atriz, que consegue ter tanto de próxima quanto de real e ainda nos dá uma contracena bonita com Anders Holm naquele que é um dos melhores casais de séries já criados pela Shondaland. 


Por último, Julia Garner é suficientemente enigmática para vestir a pele de Anna, mas em algumas cenas deixa a desejar por estar bem a baixo do restante elenco e, talvez, por ter alguma falta de estofo para assumir um papel com tantas nuances. Ficou-se por um interpretação mais morna que não compromete mas que também não a torna em algo que nos faça querer ver mais dela.


É a história que faz a série, neste caso. É o tipo de projeto que por ter tanto sumo no argumento consegue prender-nos para lá das falhas que tem, e que nos deixa intrigados em saber mais. 


Não é o melhor projeto da Shondaland, mas não envergonha por ter arcos muito bons e por manter o drama extremo que é característico à produtora. 


É uma série evento que tem em alguns pontos semelhanças com o género que Ryan Murphy explorou em The Politician e que nos deixa a desejar por uma parceria improvável entre os dois produtores que seria certamente explosiva. 


Inventing Anna fala muito sobre o quanto estamos dependentes das aparências num mundo que está um tanto ou quanto doente, e serve de alerta duplo para os cuidados que precisamos de ter e sobre o quão tóxico pode ser desejarmos viver uma vida que não nos pertence, sem nunca se posicionar por completo contra nada. 


Em resumo, é essa falta de posicionamento que a torna numa série pouco memorável, porque lhe falta garra para saber porque caminho quer seguir e se limitar a entrar num mero relato. É certo que nos deixa com total liberdade para sermos nós espectadores a tirar as nossas conclusões, mas aqui essa liberdade é demais e reduz um pouco o produto. 


É esperar por ver o que Shonda Rhimes nos traz a seguir nesta parceria com a Netflix e aguardarmos apenas que seja algo um pouco mais definido que Anna Delvey.