Header Ads

COMING UP | Belfast

A inocência de uma criança é o cartão de visita para um relato de uma guerra que não é tão distante quanto o tempo faz parecer. Belfast é um longo postal sobre uma side story de um evento histórico, a realidade de quem está no centro dos acontecimentos e a forma como isso vai influenciando a vida de cada um. Escrita como se fosse uma carta, Belfast tenta transmitir-nos o amor de uma família mas acaba por traduzir-se numa obra neutra. 

Mesmo sendo um filme que claramente merece o seu espaço na lista de indicados, Belfast é uma história pessoal que vai ter impacto em quem está de alguma forma relacionado com aquelas memórias afetivas mas que passa pelos restantes por um filme de nicho que corre até o risco de ser incompreendido. É sobre a complexidade de algo simples que te falamos hoje em mais uma edição do Coming Up dedicada aos Oscars. Fica connosco. 

Belfast entra diretamente para uma coletânea de filmes que abordam ângulos diferentes dos vários confrontos históricos que marcaram o mundo. Relata as consequências da guerra longe dos campos de batalha, com uma imagem fiel sobre a proximidade dos confrontos e como rapidamente até os mais próximos de nós podem decidir tomar partido de um dos lados. 

As opiniões dividem-se e de um momento para o outro e rapidamente algo que nos define, algo que nos foi incutido ou algo que molda a nossa personalidade torna-se numa arma de arremesso contra quem tem uma opinião ou vivência diferente.

A longa-metragem consegue fazer essa introdução com uma exposição grandiosa mas ao mesmo tempo próxima daquilo que imaginamos que tenha sido a realidade à época. Contudo essa criatividade em fazer-nos sentir dentro daquele universo perde-se com o decorrer da história. 


Tal como acontece em muitos outros filmes, o ponto de vista para relatar os factos é uma família, e isso individualiza a história e exige logo um especial cuidado para não transformar um drama que tenha uma premissa maior em algo demasiado intimista. 


Por mais que nos queiram apresentar um relato real das consequências que a divergências sociais e políticas têm na vida de quem é inocente na história, essa fórmula de contar os eventos já foi explorada, e bem, dezenas de vezes, tornando Belfast num filme que pouco acrescenta a quem queira realmente ter uma experiência imersiva de uma viagem ao passado. 


Buddy é uma criança que vive, tal como a maioria das crianças, o seu pequeno mundo como se tudo fosse um sonho perfeito em que as peças se encaixam e a quem qualquer mudança parece quase um fim da vida como a conhece. 


Até aqui essa visão até é interessante, tivemos vislumbres, à primeira vista, de filmes que nos agarraram como Jojo Rabbit ou The Boy In The Striped Pijamas, mas parece que a dada altura a história de Belfast não se sabe conduzir e fica às voltas com os problemas do dia-a-dia daquela família. 



É certo que aquilo que o filme nos quer transmitir é uma imagem real sobre como era viver em família com todas as condicionantes daquela época, mas parece que falta uma linha afetiva que nos envolva. 


Sentimos que foi uma carta de amor que não nos tocou, que não nos chegou ao coração e faz quase que nos sintamos rejeitados por não nos conseguirmos envolver com a narrativa ao ponto de nos importamos com o que está a acontecer na vida das personagens. 


Os pequenos dramas de Buddy são adoráveis e facilmente são um ponto de identificação, mas têm a importância que têm e não são um ponto suficientemente forte para nos manter agarrados. Os dilemas e problemas domésticos são criados com credibilidade e veracidade mas também entram em linha com muito do que já vimos no passado e por isso acabam por não ser verdadeiramente um ponto de interesse, são um pouco mais do mesmo, uma repetição de várias histórias. 


O confronto do pai com o líder dos rebeldes protestantes é interessante e filosófico mas sente-se que o argumento não soube conduzir a história para tornar aquele momento em algo que nos mexesse com as emoções, sentimos que todo aquele grande evento é fabricado apenas para encerrar o filme, servindo muito mais um propósito dramático. 


Belfast vive no limbo entre tentar mostrar-nos de uma forma crua o que era a vida naquela época enquanto em simultâneo constrói uma realidade cinematográfica que fantasia um pouco as coisas. É indefinido nesse ponto e acaba por se tornar neutro por não pender em nenhuma das direções, o que faz com que no final não exista nada que nos faça querer voltar a ver aquela história.


Belfast é um filme de nicho, tal como já dissemos. Quem tem um familiar que passou por eventos semelhantes aos que o filme retrata, mesmo que estejamos a falar de uma outra guerra que não aquela, consegue recorrer às suas memórias afetivas para relembrar as histórias que os seus familiares ou amigos contam. 


Para esse que têm essa bagagem, Belfast funciona, mexe, envolve e abraça, porque é um espelho de memórias. Ou seja, estamos perante algo que só é compreendido na totalidade por quem já tem alguma relação com estes acontecimentos, até porque não sentimos que o filme nos consiga trazer para a história. 


Não nos transformamos em vizinhos de Buddy e da sua família, e nem chegamos a compreender se essa falha em criar uma conexão acontece porque estamos a ver uma side story ou se por termos um drama que não consegue optar por um identidade. 


A defesa na ausência de cor dá-nos a sensação de memória antiga, da tal carta de amor que é lida ao público, mas se o objetivo era que nos enamorássemos pela biografia então ficamos pelo caminho de uma ficção e encontramos várias opções bem mais interessantes que fazem de melhor forma aquilo a que Belfast nos propõem: Levar-nos ao passado e envolver-nos na comunidade. 



Com o seu jeito adorável Jude Hill acaba por ser o elemento que faz com o filme funcione e não seja totalmente esquecível. Sem percebermos bem onde acaba a atuação e começa a sua personalidade, o que é certo é que o ator entrega uma personagem marcante, real, e comovente nos momentos em que tem de o ser. 


Ele destaca-se pela sua verdade e por entregar contracenas melhores do que alguns dos adultos do filme, tornando-se mais um nome a ter em conta no futuro de Hollywood. 


Caitriona Balfe é o segundo grande destaque entre este casting e uma ausência injustificada entre as nomeações ao Oscar. Em vários momentos ela leva a verdade do filme às costas num retrato que é assente na visão histórica de Belfast e que contrasta em vários momentos com os restantes personagens por ter diálogos que a tornam mais séria e com uma conceção mais consistente. 


Jamie Dornan é um desse atores que contrastam com Caitriona Balfe nas cenas. Menos habituado aos dramas que exijam maior carga dramática, o ator opta entra ao seu personagem uma interpretação que pende mais para o drama friccionado. 


Isso não destrói por completo a sua personagem, mas ajuda a que mesmo dentro do casal exista uma meia verdade, ou seja até neste detalhe sentimos o limbo que constrói esta história. 


Reforçando ainda a ideia que essa opção de interpretação não está errada nem menospreza a personagem, vale a pena referir que também Judi Dench entrega uma atuação que foge desse realismo, mesmo que ela própria pareça estar numa luta consigo própria que torna a sua personagem meio insípida e até com pouca força ao ponto de lhe fazer valer a nomeação que conquistou.


Visto de uma forma geral Belfast não é um daqueles projetos que tenha suficiente impacto para vencer um Oscar de Melhor Filme, apesar de pelo conjunto de atuações e da criação cinematográfica ser totalmente merecedor da vaga que conquistou na lista. É um título que faz número e que é justo estar entre os destaques do ano mas mais que isso já é extrapolar. 


No fundo, e refletindo tudo o que dissemos até agora, Belfast é um filme neutro, sem um caminho que o torne interessante para a generalidade do público. 


Kenneth Branagh faz um bom trabalho de direção, mas peca na escrita, não é de todo uma obra prima do artista e deixa-o alguns furos atrás dos outros competidores nas categorias em que está indicado. 


Em todas as suas indicações, o filme conquista o seu lugar com mérito mas em nenhuma delas é um destaque, falta-lhe força, quer no Som como na Música Original, Belfast é o último nome entre os competidores. 


Nas categorias de atuação acontece precisamente o mesmo, com as indicações a Judi Dench e a Ciarán Hinds a serem um reconhecimento por parte da Academia do talento dos dois atores mas estão longe de serem as melhores interpretações das suas carreiras. 


Belfast é uma análise complexa, porque é uma longa-metragem que pode levar a opiniões completamente diferentes consoante a bagagem de quem vê, é uma obra quase extremada, que não é tocante para a maioria mas que nem por isso deixa de ser um bom filme, talvez a falta de um caminho claro seja a sua maior falha e o fará tornar-se na obra menos memorável dentro da lista de indicados de 2022.