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COMING UP | Pam And Tommy

Os bastidores de Hollywood são ricos em histórias sórdidas e inesperadas. O famoso vídeo de Pamela Anderson e Tommy Lee é apenas um dos muitos exemplos dos dramas que dão boas séries e que precisam de ser contadas para servir de alerta. É o que acontece na nova aposta do Disney+ que relata os factos de uma forma bem Ryan Murphyana com irreverência, credibilidade e algum bom gosto que ajuda a elevar o projeto e a tornar bonito e apelativo algo tão inusitado. O baseado em factos verídicos aqui até se torna irrelevante, dado que esta é uma trama tão fora da caixa que fica estranho imaginá-las como real, parece demasiado rebuscada para ter algo de palpável nela. Porém, mesmo com estes contornos não deixa de ser uma leitura real dos factos, pelo menos da parte dos factos que à época se tornaram públicos. Vem connosco em mais uma edição do Coming Up onde te contamos quais são os maiores acertos de Pam And Tommy. 

Durante anos, Pamela Anderson teve lugar cativo no imaginário coletivo como uma mulher cheia de sex appeal, aliás, ela quase se confundiu com o termo, como uma reencarnação de carne e osso sobre quais os atributos necessários que uma mulher precisa de ter para despertar interesse no outro. 

Mas o que está por trás? Por trás dessa imagem, por trás do circo mediático e dos escândalos? Essa é a verdadeira génese de Pam And Tommy: utilizar um dos mais polémicos episódios da história de Hollywood para refazer a imagem coletiva que temos sobre uma personalidade sobre a qual já se fizeram todo o tipo de juízos de valor. 


A forma como a encontramos no primeiro episódio faz justiça à ideia que temos dela como objeto sexual, mas à medida que os capítulos avançam vamos começando a entender que há camada ali, que nem tudo na vida dela se prende com o aspeto físico ao qual a tentaram uma e outra vez reduzir. É, de resto, neste ponto, que a série ganha contornos que habitualmente vemos em produções com a assinatura de Ryan Murphy, porque temos um relato de Hollywood a ser desfeito com um acrescento de personalidade a um nome sobre o qual já se achou um pouco de tudo. 


A série vai camada por camada construindo e desfazendo estereótipos ao mesmo tempo que não mascara a construção dessa ideia pelo coletivo e que não a faz perder totalmente a sua essência. 


Tal como vemos no primeiro episódio, ela é, facto, uma mulher sexual, com muita lábia. A partir do segundo capítulo começamos a entender que debaixo de tudo isso há uma personagem ingénua que nem tem tanta noção assim do que faz com que as pessoas a queiram por perto. 


O terceiro capítulo é aquele em que damos um salto para o outro lado e começamos a olhar para ela com outros olhos para ver ali alguém com muitos sonhos e que genuinamente não tem noção de que para os que a rodeiam ela se resume a uma mulher bombada com pouco ou nenhum conteúdo, que não serve para mais do que aquilo.



Temos dezenas ou centenas de projetos que falam sobre a descriminação do outro pelo aspeto físico mas poucas são as que têm a audácia de trazer para o debate o bullying pelo inverso. 


Aqui temos a história de alguém que mesmo bonita se vê circunscrita a um corpo, tendo que provar a tudo e todos que consegue ser e fazer mais do que isso, e que leva constantes atestados de burrice dos outros por acharem que ela não tem capacidade para mais. 


Ou seja, na mesma medida em que todos a rodeiam, ninguém a leva a sério, ninguém acredita realmente nela, é viver dentro de uma fachada sem ter noção do que lhe está a acontecer. A série constrói estes pontos de forma exímia, levando-nos rapidamente a desconstruir o nosso preconceito para com a imagem que temos daquela mulher para passarmos a ter, em alguns pontos, pena do que lhe acontece. 


Mas mesmo com tudo isto, é bom ver o cuidado que existiu para não a levarem ao extremo do papel de coitadinha e para entendermos todos que ela é uma culpada inocente, porque mesmo que ela não tenha muita noção do seu valor para a sociedade ela também é propriamente recatada e também se coloca em posições que a comprometem. 


É óbvio que ela nem tem de deixar de ser como é, de ser livre, mas aqui ganha uma importância gigante que o texto nos faça entender os dois lados da moeda com a Pamela que é fruto das circunstâncias e a Pamela que é fruto de todo o bullying velado com o qual ela inconscientemente é conivente.


Toda a história e, tal como o escândalo, bastante sexualizada. Porém, até neste ponto existe um cuidado extra da narrativa para não levar o tema para o lado mais brega. Existe bom gosto na abordagem, sobretudo por utilizar a nudez não como algo que seja puramente sexual, mas a nudez como algo que é hipervalorizado. 


É algo que acontece muito com Tommy, o personagem está constantemente a aparecer com pouca roupa na nossa frente numa tentativa clara do argumento nos dar a perceção de que ele se vê como um sex symbol, quando na verdade o que vemos é uma figura que à primeira vista não nos desperta grande interesse. 


Ou seja, tudo é feito com detalhe para que até em cenas mais explícitas a série nos conte algo mais sobre os seus personagens. 


Mesmo quando entra para dentro do universo do porno, a série fá-lo com pés de lã para mostrar o lado mais grotesco e que à primeira vista é menos atrativo. 


Ao contrário do que poderia ser um dos grandes chamarizes para chamar o público, que passaria por vender um lado erótico mais aprofundado, a série prende-se mais à sua narrativa e permite que a verdade por trás dos factos verídicos seja a real protagonista, com o sexo a ser apenas mais um elemento para contar a história e não invada demasiado ao ponto de contaminar a riqueza das características que o texto vai construindo. 


Mesmo com o porno à cabeceira a série não cai no registo vulgar e ainda consegue o equilibro de trazer alguma fidelidade aos relatos do que acontece nesse meio. 


É uma construção bem feita de ponta a ponta que elevam a qualidade da história e que acaba por ser mais abrangente e transversal para públicos que vão em busca de uma história verídica e não de um circo sexual.



Mas e em matéria de elenco? Seth Rogen leva a taça da melhor atuação para casa, com um personagem que não é tão conhecido quanto os outros que fizeram história à sua maneira, mas que consegue aqui ser altamente empático e fazer-nos torcer pela sua causa, mesmo que tudo o que ele faça pelo caminho seja absurdamente errado. 


Rogen consegue mesmo sobrepor-se em algumas contracenas com Sebastian Stan, que apesar de ter em mãos um personagem cheio de sumo parece ficar por um caminho mais ou menos estereotipado que o tornam num bad guy neutro dentro da trama de Pam And Tommy


Para quem já viu Stan brilhar é estranho vê-lo desperdiçar uma personagem com tanto potencial, ainda para mais quando ele é um ator tão catalogado com o Universo Cinematográfico da Marvel e que para os públicos menos fãs do mundo dos super-heróis ainda é bastante desconhecido. Parece ser uma oportunidade falhada com um personagem que talvez não tenha a melhor parte do guião para ele mas que tinha margem de manobra para ser um arraso e não chega sequer perto disso. 


Lily James completa o ramalhete de protagonistas, com um especial elogio para a forma como a produção aproximou a imagem e o aspeto dela ao de Pamela Anderson, ela fica quase irreconhecível dentro daqueles figurinos e mesmo que consiga passar uma imagem diferente de quem é, de facto, Pamela Anderson, o certo é que Lily James tem muito mais sorte por ter o texto que tem em mãos do que propriamente talento que a faça sobressair. 


Já a vimos melhor, várias vezes, e talvez ainda chegue a encontrar o tom certo nos episódios que faltam, mas pra já fica uma sensação agridoce na sua prestação que não passa nem perto dos espetáculos de interpretação que costumam ser apanágio deste tipo de produções biográficas.


No geral, Pam And Tommy supera as expectativas, com uma trama que é altamente rebuscada e que poderia parecer uma grande salada russa se não soubéssemos que aquilo de facto aconteceu. O baseado em factos verídicos vem credibilizar alguns dos momentos em que o argumento parece estar em ácidos, e ajuda-nos a entrar nesta narrativa para depois começarmos a entender que eu tudo isto é sobre estereótipos, sobre não julgar o outro e sobre desconstruir preconceitos. 


A série é uma limpeza de imagem cuidada de Pamela Anderson, que talvez chegue tarde demais, e que não chega a poder levar o título de super produção apesar de ter uma alta qualidade de texto e de saber tratar muito bem as personagens que tem. 


Talvez a maior falha é não ter um factor wow, mas mesmo assim entrega um produto que nos absorve para dentro da sua realidade e consegue garantir uma nota positiva. 


Apesar de sabermos o final da história, a trama consegue deixar-nos em suspenso para sabermos quais serão a decisões tomadas pelas personagens, uma proeza difícil para uma biografia, e que garante que continuaremos a assistir aos próximos capítulos. 


É ver e aprofundar, para entendermos quem é afinal a mulher que está imbuída nos estereótipos e entendermos como é que ela reage quando a verdade se souber.