Header Ads

COMING UP | Causa Própria

Com um rasto menos contemplativo que algumas das obras da ficção nacional, mas sem com isso perder a densidade dramática que nos envolve, Causa Própria é o fruto da escrita de alguém que sabe muito bem apreciar um bom thriller saboreando cada detalhe e dando-lhe o realce necessário para desde o primeiro minuto nos envolver e nos dar um senso de familiaridade com os personagens desta história. É tudo isto e com a vantagem gigante de ter como atores a nata do meio artístico nacional. Causa Própria tem uma estreia imaculada e entra diretamente para os TOPs de melhores produções da RTP. Viciante, aliciante e, sobretudo, poderosa dentro da sua sobriedade, é um caso em corremos o risco seguro de dizer que será a grande obra portuguesa deste ano. Se não for chega para colocar a fasquia no topo do topo. Há muito a dizer e ainda estamos no primeiro capitulo. Fica connosco em mais um Coming Up, garantimos que não te vais arrepender. 

Causa Própria é uma série de fibra com um embalo real que torna tudo muito mais atrativo e empático. Um dos grandes pontos positivos que é impossível ignorarmos é a qualidade da fotografia da série, uma autentica obra de arte que mostra logo à partida que estamos perante algo que sobe um degrau em relação ao que estamos habituados a ver em Portugal, mas que volta a bater o ponto de que nem tudo o que é bom vem de fora. 

O ClubeAté Que a Vida Nos SepareA GeneralaA Espia e Glória já palmilharam este caminho, Causa Própria aproveita este embalo e promete ficar para a história, sobretudo, porque conversa com diversos tipos de público.

Por mais que estejamos a falar de uma trama densa, com muito sumo dramático, esta é o tipo de produções que muitos jovens consomem hoje no streaming e que podem encontrar aqui uma contrapartida nacional que fale com eles de igual maneira. 


Talvez a sobriedade seja a barreira para este público mais jovem adulto, mas a história não se alicerça nisso e o ritmo acaba por compensar. Não há tempo para diálogos arrastados, cenas de introdução, e outras que tais. 


Tudo o que acontece, mesmo que tenha como objetivo apresentar alguma das figuras que faz parte da série acontece encadeado com eventos que só aceleram tudo e nos fazem envolver ainda mais com cada uma destas pessoas. 


No fundo, este é o tipo de série que silenciosamente proíbe as pessoas de retirarem os olhos do ecrã sem darem conta disso. É um processo difícil e que poucas séries conseguem até porque na sua larga maioria têm a necessidade de ser em algum momento autoexplicativas sobre as personagens ou sobre o enredo. 


Aqui nada disso acontece, o que ajuda a que entremos na atmosfera de um crime eminente. Estamos a ser detetives sem darmos conta, e coloca-nos numa perspetiva de participante que é muito aliciante para continuarmos a acompanhar tudo o que vai acontecer de agora em diante.  Mas estes são apenas dois pontos que nos envolvem, o resto prende-se com a história que é, só por si, viciante e muito contemporânea.



Vemos todos os dias a imprensa relatar eventos macabros que acontecem em locais pacatos, com requintes de malvadez que parecem saídos de filmes mas que são, de facto, reais. E é com base nesse realismo que Causa Própria ganha uma credibilidade que nos assombra. Prende-nos pela proximidade com esses eventos reais mas, também, pela representação do desespero de Ana. 


O papel de mãe em pânico com a ausência de notícias coloca-nos em ponto de rebuçado, porque, novamente sem sermos conscientes disso, estamos a materializar-nos naquela dor, naquele sofrimento e ansiedade. É um truque do texto mas super produtivo porque essa ansiedade de nos termos uma resposta, de vermos aquela dor terminar, faz com que o tempo do episódio voe. 


Ou seja, mais um exemplo perfeito da conjugação de elementos de Causa Própria que reflete muito bem a tríplice que faz deste um projeto tão bom: Temos a conversa com o público, a proximidade, misturada com um drama que é mais familiar do que possamos pensar e que mexe muito com os nossos dias seja nas páginas de jornais ou nas séries que acompanhamos e, por último, o espetáculo de interpretação de Margarida Vila-Nova que traz tudo com uma naturalidade que é quase única, porque é verdade tudo o que lhe sai. 


Por mais papeis que a vejamos fazer, parece que quando entra em cena consegue desligar-nos do que vimos e fazer-nos acreditar que está ali a Ana, uma folha em branco sobre a qual vamos começar a sentir emoções e opiniões totalmente novas que já vão para lá da atriz que está em cena.


O elenco é arrebatador. De uma Margarida que nos entra com a mesma veracidade uma Ana de Causa Própria com que entrega a Vera de O Clube, sendo as duas polos completamente opostos sobre a maneira de estar em sociedade, até a Maria Rueff que enche o ecrã e nos deixa com saudades de a ver neste registo mais dramático. 


Maria Rueff é uma atriz de mão cheia e um dos talentos deste país que vive a injustiça dos estereótipos, depois de já ter dado mais que uma vez provas de que o seu talento para o drama está tão afiado como para a comédia. Pela sua postura e presença mais assertiva, esta Alice faz-nos viajar a um lugar afetivo muito feliz que nos recorda da sua Vitória de Vingança, num papel que explodiu e mostrou o talento de Maria Rueff e que devia, obrigatoriamente, ter-lhe dado um outro tipo de destaque. 


A sensação que esta participação no primeiro episódio nos deixa é que Alice pode ser mais uma chave que tenta virar a fechadura e fazer ver àqueles que duvidam que estamos perante alguém que pode ocupar papéis de destaque em grandes produções deste género, que também é uma opção, e sobretudo que é um talento que precisa de ser reconhecido e aplaudido mais vezes. 


A contracena das duas atrizes é um autêntico show de interpretação, que nos desmonta de tudo o que já vimos delas, e nos dá, mais uma vez, e nunca é demais ressaltar, a sensação de familiaridade. A cena do café é tão bem interpretada tão real, que parece quase uma recriação. 


É bom perceber que em Causa Própria se dá privilégio à veracidade sem necessidade de cenas espalhafatosas numa lição de como se pode fazer um thriller bom sem malabarismos que muitas das vezes nos desligam do que vemos.



Seguindo para o elenco masculino, o espetáculo mantém-se. Elogiar Nuno Lopes já é quase praxe, mas há algo que é importante ressalvar que temos aqui um bom exemplo de versatilidade. 


Já tivemos Nuno Lopes neste registo em várias histórias, inclusive da RTP, mas mesmo assim há sempre detalhes diferentes na forma como ele se movimenta ou fala. É como se fosse um trabalho de atuação mais físico, como se ele mudasse de pele, esforçando-se para que mesmo quando as bases são semelhantes, os trejeitos demarquem logo à partida que aquela é uma outra pessoa, com nuances e camadas diferentes, com uma personalidade que pode, até estar a milhas de distância do que já o vimos fazer antes. 


À primeira vista até conseguimos construir alguns paralelos com o seu personagem em Sul, mas é só um vislumbre por associação que se desfaz num trabalho artístico que carimba, de novo, o mérito e a aclamação de Nuno Lopes. 


Ao seu lado, Ivo Canelas, outro monstro da atuação em Portugal e que nos deixa sempre embrenhado nas personalidades autodestrutivas dos seus personagens. É um exemplo clara sobre um ator que sabe muito bem trabalhar figuras que estão corrompidas de alguma forma e que precisam de um olhar atento para chegar à sua essência. 


Em vários momentos vemos ali laivos dos seus papéis quer em Call Girl, quer em A Filha da Lei, com este seu Vítor a ser uma complexa simbiose dos dois. É um cocktail apetecível e que tem tudo para momentos explosivos, sobretudo porque é um personagem bem fragilizado dentro de uma carapaça de forte nas mãos de um ator que sabe como conduzir tudo isto a um lugar com uma moral bonita.


Em suma, no primeiro episódio, em míseros quarenta minutos, Causa Própria já garantiu que nos colou ao ecrãs e sobe destacada na lista de melhores séries nacionais produzidas recentemente. Tem bom gosto, tem enredo sem fogos de artificio, tem talento e tem uma mão mestra que sabe muito bem o que quer para esta narrativa. 


Mesmo que, à semelhança de tantas outras produções, a partir de agora passemos a acompanhar casos isolados e que esta história do assassinato passe a ser apenas um fio condutor, a verdade é que a maestria e cuidado com cada detalhe que vimos neste primeiro episódio nos deixa descansados por sabermos que mesmo os plots episódicos vão ser algo que nos transporte para a realidade e não um mero uso da técnica do enche chouriços para preencher tempo de ecrã. 


É um daqueles casos em que todo o marketing é pouco, porque esta é, mais uma, história nacional que precisa de ser vista para se quebrar de uma vez o estigma de que a ficção nacional é produzida em dose industrial ou demasiado contemplativa. 


A linguagem aqui é diferente, próxima da dos grandes sucessos intencionais e chega, por vezes, a ser mais fluída, mais real e melhor representado. A ansiedade que nos acompanhou durante este capítulo é a mesma que temos para ver o próximo, até porque por mais que tenhamos tentado ser detetives, a sensação com que ficamos é de que estamos a anos luz da verdade. 


Não é aquele thriller que deixa o novelo fugir logo a priori, e por mais teorias que formemos, nada ainda nos parece convencer. Queremos mais, e sentimos o cheiro a sucesso em cada detalhe. Até ao próximo episódio, ainda falaremos mais sobre esta Causa Própria, disso existem poucas dúvidas.