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COMING UP | Encanto

Na ressaca das festas natalícias, Encanto tornou-se o presente perfeito para ser visto em família. Nesta nova longa-metragem a fórmula clássica da Disney é desenhada em cima de uma típica família disfuncional com contornos de magia que agradam os mais novos enquanto as discussões à volta piscam o olho aos adultos. Encanto é, de facto, encantador com Lin-Manuel Miranda a brindar-nos com o salero habitual numa história divertida e rica que procura diversidade dentro do clássico com um extremo bom gosto que não torna a narrativa vazia. Num desenrolar quase sem mácula, a Disney parece ter bebido as inspirações da Pixar e está, cada vez mais, a conversar com vários tipos de público. Falamos disto é de muito mais na última edição deste ano do Coming Up. Fica connosco. 

Em ritmo de festa e com uma protagonista que cativa pela sua aparência que rompe com os padrões habituais, Encanto é uma daquelas histórias que enche o coração por tudo o que a sua moral representa. Casita é muito mais do que os alicerces, as paredes e um telhado. Casita é a representação física da nossa zona de conforto, de onde nos sentimos confortáveis e à vontade. 

É com esta noção em mente que parte a premissa de Encanto para nos mostrar que esse conforto e à vontade é, no fundo, uma materialização do amor familiar mesmo que nem sempre seja tão fraterno quanto se possa achar.

Essa lógica de apresentar uma noção afetiva em cima do conceito da família não é linear e dentro da fantasia que o filme apresenta consegue ser bem realista na sua abordagem estabelecendo pontos interessantes que fazem de Encanto uma obra rica. 


Ao passo que nos fala de uma dimensão afetiva regrada de amor mostra-nos a crueza e o quão duro é estar à altura das expectativas e de corresponder aos sonhos que os nossos antecessores têm para nós, mesmo que nem tenham uma real consciência da pressão que estão a colocar. Mirabel é fruto dessa pressão, com um esforço sobre-humano para corresponder é estar à altura de uma família onde todos são especiais e onde parecem sê-lo sem qualquer esforço. 


No fundo, com Encanto a Disney vem apresentar a sua versão das conversas de família onde se citam os nomes dos primos médicos e advogados como faróis para o sucesso ignorando o esforço de quem tem profissões menos aclamadas, enquanto mostra o verso da medalha como uma Mirabel que quer esticar-se para todo o lado em busca de uma aprovação que dificilmente vai conseguir. 


Mas esta analogia não é plana, há mais contornos, com o filme a justificar que mesmo os que têm capacidades aclamadas não são inteiramente felizes e que vivem, também eles, à mercê de estarem à altura da confiança que depositam neles. 



Se por um lado temos Mirabel a defender bem as cores de uma heroína clássica (pelo menos no que diz respeito ao seu arco), temos Luísa, por outro lado, a ter uma trama que conversa com um público adulto e que serve de lembrete para o esforço e excesso de trabalho a que muitas pessoas se propõem apenas para continuarem a ser valorizadas. Sim, incrivelmente temos uma película com o selo da Disney a falar de temas tão fortes como o burnout


É nesta abordagem subtil a assuntos mais pesados que Encanto cruza a linha das animações da Disney e se aproxima da linguagem da Pixar na beleza de criar projetos que realmente reúnam toda a família. 


No fundo, por mais que a maioria de nós tenha um carinho especial por animações, a verdade, é que sabemos sempre mais ou menos quais são os caminhos que serão apresentados, as personagem são planas e sem muitas camadas, ou pelo menos essa era a nossa noção até que a Pixar entrou na nossa vida e nos entregou obras como Inside OutUp! ou Soul, a partir daí o jogo mudou e a Disney parece ter aprendido com o seu vizinho e reformulou a sua base. 


Em Frozen essas alterações e nuances de personagens já eram notórias mas aqui ganham outro impacto porque esse lado mais dramático é o principal fio condutor da narrativa, sem perder, contudo, o lado divertido e bem disposto que uma animação precisa para prender a atenção dos mais novos. 


É um híbrido bem construído com muita aventura e onde a música consegue realmente sobressair. É um musical, ponto. Podemos ver esta história num grande ecrã como poderíamos estar a vê-la numa mega produção de teatro com atores de carne e osso porque tem essa dimensão de verdade na construção de cada personagem que fascina e nos transporta para lá do conceito de animação. 


Mesmo os elementos de maior fantasia são apontamentos divertidos que não contaminam a história nem a infantilidade numa mistura perfeita que nos apaixona em cada cena.


Mas voltando às personagens. Além da sua dimensão psicológica, da sua personalidade e das suas camadas, este Encanto retira os holofotes da fábrica de perfeição da Disney entregando os papéis de destaque a figuras que estão longe dos padrões que vimos repetidos nos ecrãs uma e outra vez. 


Temos Mirabel que é latina, usa óculos, tem curvas e que é uma representação real das mulheres, não foi feita em molde e não é isso que a torna menos bonita e sobretudo não é isso que a torna menos fofa. Aliás fofa é a palavra certa para descrever esta nova protagonista que tem carimbado o selo da representatividade e se torna em mais um passo para a nova era que promete quebrar preconceitos. 


Se repararmos ela carrega a mesma força e espírito aventureiro de outras dezenas de protagonistas mas é diferente, o que nos leva a questionar porque raio não fizeram isto mais cedo? Será que não teriam poupado alguns momentos de bullying no passado? Na era das redes sociais onde tudo é escrutinado parece que finalmente o natural passou a ser encarado como bonito com Mirabel a provar mais uma vez que não há necessidade de catalogar e objetificar as mulheres, porque sim, essa necessidade de as encaixar nos padrões existia até nos filmes infantis, é bom ver como tudo está a evoluir na direção certa. 


Algo que se comprova não só com Mirabel como com Luísa. Temos uma mulher a representar um papel de força, algo que num passado não muito distante seria quase criminoso e olhado com preconceito mas que faz todo o sentido e volta a bater na tecla que refere que não, ser mulher não é sinónimo de fragilidade. E não existiu necessidade de entregarem outras conexões a essa força, Luísa é simplesmente um mulher de armas que utiliza o seu dom como catalisador do seu trabalho, tal como tanta outras no mundo real que não foram abençoadas com superforça.



Mesmo com essa nova abordagem ao universo feminino, calma, ainda existem princesas neste conto. Isabela é o arquétipo da mulher bonita e dita perfeita mas mesmo ela é mais que isso. Ela não se fica apenas pela simples mulher caseira comprometida com um homem ideal. Aliás, ela é oposto disso. É a mulher bonita que gosta de ser assim mas que ao mesmo tempo quer romper com esses padrões, que quer ser livre para viver na sua confusão e que se cansou da monotonia de ter tudo sempre arrumado à sua volta. 


É o desconstruir ao de leve da imagem da Disney, no fundo, esta é a personagem que melhor descreve a mensagem que a Disney enquanto empresa quer passar ao seu público numa jogada de marketing transposta para uma personagem que vai agradar às vozes críticas e aos pais que tentam dar uma educação próxima dos dias e valores de hoje aos seus filhos. 


E mesmo quem ainda ficou demasiado agarrado aos valores tradicionais, a Abuela é a resposta do filme para isso. É a representação sobre como se podem mudar mentalidades e como às vezes os mais velhos ainda precisem de aprender com os mais novos sem que seja preciso destruir tudo aquilo que acreditam estar certo. 


Abuela e Mirabel são o compromisso de gerações que transmite para o ecrã o que se passa hoje em dia com a mudança de mentalidades que promete romper preconceitos e que no fundo gera muito mais união do que afastamentos quando compreendida de parte a parte.


Do espírito familiar à narrativa que excluindo o lado mais fantasioso poderia ser a história de qualquer família numa ceia de Natal, Encanto é o presente que fruto dos ingredientes certos é que acentua os ventos de mudança do cinema e da sociedade. É mais um acerto da Disney, mais uma obra que molda a mente dos mais novos para que se tornem pessoas melhores e que se esforça para trazer uma união bonita entre todos. 


E um esforço digno de nota e recheado de momentos musicais que comprovam, se dúvidas existissem, o talento de Lin-Manuel Miranda. A música é uma fatia gigante do ritmo deste Encanto numa construção muito próxima do que o compositor conseguiu com In The Hights, e conseguiu transpor para aqui. 


Lin-Manuel Miranda é cada vez mais um sinónimo de representatividade e família, dois conceitos que andam de mãos dadas nos tempos de hoje e que são a conjugação perfeita para a época natalícia em que tanta famílias se desentendem nas suas diferenças por não conseguirem entender que estarem juntos é, de longe, o melhor presente. Juntos estão em casa e não há nada mais bonito que isso. 


Amor e paz é a receita do sucesso de Encanto e não há melhor ementa para a consoada do que essa. Em semana de desejos para o novo ano, que em 2022 venham mais histórias que cativam, mais personagens que quebrem padrões e mais aventuras que mostrem amor em todas as suas dimensões, é isso que fará com que o futuro seja mais risonho para todos.