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COMING UP | YOU

You regressou à Netflix com uma temporada menos inspirada mas que continua a trazer-nos personagens com nuances e personalidades que nos viciam. Desta vez com mais amarras do passado que dão à série uma trama mais próxima de novela. You deixa na terceira temporada o seu tom mais sério com temáticas que entram pelo caminho do comercial e soluções que fazem parecer que o jogo dos personagens está constantemente viciado. É um regresso morno depois da originalidade dos criadores nos ter oferecido alguns dos melhores plot twists no seu último ano. Demasiadas expectativas ou uma trama que já tenta fazer limonada sem limões? É o debate desta semana num Coming Up sobre uma das séries que mais deu que falar e sobre a qual se criaram, talvez, demasiadas teorias. 

A morte é a linha orientadora de You, sabemos que vai acontecer e a dúvida é só saber quem vai matar e quem vai morrer. Até porque a última season deu-nos um estalo na cara para pararmos de achar que You gira em torno de Joe. 

Aqui confirma-se essa tendência, a um nível que temos um protagonista que quase se anula em prol de uma convenção. Por mais chata que seja esta nova faceta do nosso serial killer de eleição há que louvar a coerência do personagem. Quando fomos apresentados a Joe, o cavalheirismo, o clássico e as boas maneiras foram os seus principais atributos, foi o que nos cativou, e temos agora o reverso da medalha, com uma fase mais pachorrenta mas que resgata esses traços de personalidade. 


No fundo, sabemos que a família, agora materializada no seu filho, será sempre a sua prioridade. Uma mudança que vem em boa hora para mostrar que apesar de tudo o Joe que conhecemos evoluiu, e que há realmente esperança para que ele normalize o seu comportamento. 


A parentalidade e a vontade de lutar para que o filho não caia num sistema do qual ele próprio foi vítima já o tinham feito aceitar que a sua vida era ao lado de Love, mesmo com tudo o que sabemos dela. Porém, mais do que isso, fê-lo crescer e entender que as suas ações têm uma consequência imediata e que um passo em falso coloca em cheque todo o esforço que fez até então casando com Love. É o ganhar de uma consciência, num personagem que por mais que tenha atitudes pouco ortodoxas tem presentes ideias do que é o bom e o mau bastante vincadas. 


Mesmo que na história do personagem essa transição faça sentido não deixa de ser algo brusco. A reviravolta nas ações de Joe na nossa perspetiva de espectadores dá-se num estalar de dedos. Talvez fosse preciso uma abordagem maior a essa fase de introspeção para entendermos essa travessia. Em alguns momentos da trama, para não dizer a maioria, há uma leveza perante as atitudes dele que quase desculpabilizam tudo o que faz, diz ou pensa, é como se os diálogos estivessem mais preocupados em abonar a favor do carácter de Joe ao invés de refletirem de forma cuidada a ausência de moral. 



É certo que Joe é o narrador da história, que tudo é contado de acordo com a sua experiência mas há um pormenor que destoa imenso quando comparado com o que vimos até então: Joe sempre teve a noção dos seus defeitos e falhas. Até certo ponto sentíamos que existia alguma culpa. Mas aqui, o que temos é um Joe que se superioriza a Love numa ligação tóxica. 


Love é totalmente desequilibrada, não tem o mínimo discernimento nos seus atos, mas até que ponto é justo que Joe assuma um papel de ataque quando os erros dela são semelhantes a algumas das suas atitudes do passado? 


Por mais que a série tente, e force às vezes, preencher a sua quota parte de representatividade, há em Joe um machismo intrínseco que não se esforça para pensar para além da caixa e estabelecer um comparativo entre os seus crimes e os de Love. Isso, ou então é a força do ódio de Joe que extrapolou os limites e que passou de ser apenas uma característica da personagem para passar a influenciar e contaminar a opinião de quem vê. 


Tendo isto em conta, e por mais enviesado que seja, os argumentistas conseguiram o objetivo: Love é, de forma unanime, a personagem mais perigosa e detestável de You. Na mesma medida em que a odiamos, é ela o motor de toda a temporada e a personagem que traz vida à série. É estranho dizer-se isto sobre Love? É sim. Mas se não fosse ela toda a identidade de You tinha ficado retida numa jornada de autoconhecimento de um Joe sorumbático que não avança nem recua e que parece ter definido como o seu principal objetivo de vida encobrir as loucuras de Love. 


E porque sentimos que Joe ganhou esse novo propósito de vida? Porque durante os dez episódios assistimos repetidamente ao mesmo esquema: Morte, Encobrimento, Calma, Morte, Encobrimento, Calma. Num loop aparentemente infinito que coloca em cheque a criatividade de quem escreve e nos faz parecer um pouco estúpidos, porque estamos à espera do momento em que a série dá uma guinada surpreendente, tal como nos habituou antes, e em vez disso temos apenas mais e mais do mesmo. 


Love mata Natalie. Ok, aqui tudo certo, um arranque de temporada que nos deixa em êxtase, com muitas dúvidas e pano para mangas. Joe encobre. Ok, agora é só esperar pela fase em que alguém descobre alguma falha. Tudo parece resolvido depois, numa fase em que a história até parece que vai avançar, para depois vir o quê? Outra morte e começa tudo de novo. Isto sem falarmos do elefante na sala: Para dois serial killer profissionais tanto Joe como Love são terríveis. 


Será que Natalie, a única que talvez não devesse ter morrido logo, foi o único “tiro” certeiro? É que ninguém parece morrer logo à primeira em You, seja em que situação for, Madre Linda é claramente um caso de estudo sobre o corpo humano. 


Esse constante recurso aos mesmos problemas acaba por desfazer o nosso interesse em alguns pontos, algo que para uma série de streaming nunca é um fator positivo. No meio de tantas teorias que se criaram em torno dos enredo desta temporada, a grande maioria das hipóteses parecia ter mais conteúdo do que aquele que vimos aqui em que o facto de termos dez episódios abriu espaço para narrativas como a do anel que todos os habitantes usam mas que ao fim ao cabo não serviu para rigorosamente nada de relevante. 



Críticas à parte, tanto Joe como Love, sobretudo, tiveram desenvolvimentos interessante, muito por força do talento de Penn Badgley e Victoria Pedretti que já tinham provado antes que eram uma dupla incrível e que aqui reforçam a tendência, como diálogos que mesmo mais novelados têm uma verdade implícita que nos faz adorar as duas personagens, mesmo com todas as suas falhas. 


Aliás, o magnetismo de Penn Badgley é tanto que mesmo com o personagem a esfumar-se e a ser absorvido por dramas menos interessantes conseguiu prender-nos a atenção de fio a pavio, isso diz muito do talento do ator. 


Faltou vermos um jogo de caça entre os dois protagonistas, esperamos por isso a série inteira e o final não ter entregado essa guerra de uma forma mais trabalhada é uma falha quase imperdoável e uma movimento arrojado que não se torna a repetir tão cedo. Tinham ali todos os ingredientes para dar gás aos momentos mais parados, mas desperdiçaram os alicerces para brincarem aos jogos de casais. 


Fugindo dos dueto principal, You voltou a cativar nos seus núcleos secundários. Depois de Peach e Forty terem roubado várias cenas nas duas primeiras seasons, Sherry e Cary foram um rebuçado para o público. Além de darem um impulso ao drama com problemas atuais, trabalham em cima das aparências, numa série onde parecer é algo muito mais importante do que ser. Todas as cenas deles dentro da gaiola são desenvolvidas com uma metalinguagem que navega entre o drama e a comédia com muitas mensagens em subtexto que fazem deles, em muitos momentos, o arco mais interessante e empolgante desta nova temporada. 


Ainda em matéria de elenco, uma última nota sobre Marianne, ou melhor, sobre Tati Gabrielle, que viu o seu talento ser enrolado em The Chilling Adventures of Sabrina e que aqui teve luz de holofotes suficiente para provar que ela é muito mais do que aparenta, além de ter uma química bem interessante com Joe, que no futuro pode dar bons frutos.


Porque é isso que importa: O futuro. Sem as amarras de trazer o background de dois personagens, a quarta temporada pode muito bem ser o recuperar da essência de You. Joe pode finalmente ser mais o Joe que conhecemos, por mais que já saibamos que será um enredo viciado e que a protagonista já esteja predefinida. 


Mas longe do manancial de possibilidades que a loucura de Love permite, os criadores têm um desafio maior para justificarem as mortes, não poderá ser tão corriqueiro, porque Joe não é assim. Vamos poder quebrar as amarras da formula que já sabemos que funciona, algo que pode salvar a série de entrar para a lista de produções que o número elevado de temporadas acaba por fazer a criatividade se ressentir. 


Esperemos que finalmente entremos por outros meandros, porque apesar do amor ser o mote de tudo isto não seria assim tão descabido que essa forma de amor que leva Joe à obsessão fosse a sua mãe ou até a enfermeira que tanto destaque teve nesta temporada. É, pelo menos, uma forma de nos justificar o tempo que temos perdido em flashbacks e que rouba, em muitos casos, espaço a momentos de ação que nos despertem, realmente, interesse. 


A mudança de paisagens, e de país, foi a solução perfeita, aparentemente, para termos, verdadeiramente, novos problemas, Joe está agora noutro país, com uma identidade falsa, e com demasiados esqueletos para poder continuar a estar tão à vontade quanto parece. É esperar para ver, mas se necessário, tomem mais tempo, porque o You que queremos não é este.