COMING UP | Free Guy

Temos novo filme de domingo à tarde! Ryan Reynolds está de regresso ao grande ecrã em mais um projeto onde diversão é a palavra de ordem. Numa proximidade gigante com a premissa de Jumanji, Free Guy é a longa-metragem que promete tornar-se num clássico das tardes de fim de semana e um sucesso junto das famílias mesmo que não carregue rasgos de inspiração que nos surpreendam ou uma narrativa com algo verdadeiramente novo. É um lugar comum, mas um lugar que funciona na fórmula perfeita onde Ryan Reynolds molda o filme ao seu género em vez de estar ao serviço da narrativa. Mas é bom? É isso que te contamos em mais uma edição do Coming Up onde falamos sobre mais uma das heranças da FOX que transitam para a Disney. Fica connosco! 

Com uma mensagem moral clara que tenta mostrar ao público que qualquer um pode ser um herói, Free Guy faz uso do personagem mais banal dentro de um videojogo para tentar vergar o público que assiste e fazer-nos aceitar que nem sempre o herói tem de encaixar em determinados parâmetros. Uma mensagem que funciona em parte, mas que, ao mesmo tempo, deixa a desejar por dois motivos: Primeiro porque Free Guy tem uma veia de comédia que não permite aos autores irem mais fundo nesta abordagem mais dramática. Em segundo porque falha um penálti perfeito ao desperdiçar uma audiência maioritariamente adolescente, onde o bullying é uma realidade constante, e que aqui poderia ter sido refletido no personagem principal. Não foi, e está tudo bem com isso, mas é também uma oportunidade perdida que podia tornar Free Guy em algo maior e melhor.

Jumanji é uma clara inspiração para este universo, contudo, apesar disso, o pontapé de saída é mais leve e menos intenso. Na verdade essa falta de intensidade é algo constante no filme. É como se o facto do nosso protagonista ser um NPC com características muito básicas e pequenas notas de programação, tornasse todo o argumento em algo básico. 

No fundo, as definições do personagem são traços muito gerais, o que não deixa grande margem de manobra, e na essência parece que entramos numa espécie de romance que é uma repetição de outras cento e cinquenta histórias que já vimos antes e, pior que tudo o resto, este é um romance que não combina. Não há química, nem nada que nos faça realmente torcer pelo final feliz, é uma construção oca, que é facilmente compreendida pelo público que quer apenas divertir-se quando vê o filme, mas que não tem nenhum elemento que nos faça realmente ter vontade de ver mais daquela relação. 

Enquanto em Jumanji vemos uma trama que se constrói com a amizade, a entreajuda e a aceitação como alicerces, em Free Guy não temos muito disso e se despirmos o filme de todos os efeitos especiais e trocássemos o carisma de Ryan Reynolds por outro ator este Free Guy seria algo que cairia no esquecimento num curto espaço de tempo. Cá entre nós, não sabemos até que ponto Reynolds será suficiente para garantir um futuro para esta franquia, porque até ele já fez trabalhos melhores. 

A trama desenrola-se por caminhos clichês, segurando-se no seu lugar mais seguro: O humor de Reynolds. E por muito bons que sejam os restantes interpretes, quando Reynolds está fora de cena parece que todos eles estão à deriva com diálogos básicos que nos oferecem uma montanha de clichês comerciais que já estão mais que batidos, e que não conseguem ser suficientemente úteis para tornar o texto interessante. 

Falta uma conexão ou um cuidado que não existiu e que tornou tudo muito raso. A partir da metade do filme já antevemos tudo o que vai acontecer e a experiência apesar de entreter acaba por tornar-se penosa por vermos Taika Waititi às voltas com um vilão que tem zero conteúdo, e que o torna num personagem estereotipado. A comparação perfeita para descrevermos Antwan é mesmo a de um vilão de videojogo, despropósito de camadas e que nasceu ou foi criado apenas para termos alguém em quem depositar o nosso ódio. Chega a ser desprestigiaste em algumas cenas. 

Mas Taika não é caso único. Jodie Comer em dupla com Ryan Reynolds tinha tudo para ser um daqueles momentos que iria fazer o público gritar. Porém, o resultado foi uma protagonista sem sal para Jodie, com contracenas que não convencem e com uma tentativa forçosa de a colocar no molde de uma protagonista feminina de um romance que nem pernas para andar tem. Uma contracena que tinha tudo para ser um sucesso mas que foi desperdiçada num filme que é feito de forma industrial.

Por mais bonitos que sejam os efeitos e por melhores que sejam os nomes que estão no elenco, Free Guy serve apenas para mostrar que a indústria de Hollywood sabe muito bem qual é a formula para despertar o interesse do público e levá-lo às salas de cinema. Mas enquanto temos a Marvel, por exemplo, a tentar dar uma substancia diferente a estes filmes-espetáculo, Free Guy faz o percurso inverso apresentando apenas mais uma obra desinspirada que pouco de novo oferece. 

Até porque, voltando à história, a sequência final é um exemplo perfeito sobre como uma longa-metragem se pode perder dentro de si mesma. Passamos grande parte do tempo a desculpar a falta de profundidade dos relacionamentos por encararmos Free Guy como um projeto de ação, mas no final das contas tudo se resume a um amor não correspondido. Ora então, há uma falta de identidade gigante aqui que não é perdoável. 

Ou bem que agarramos a proposta de que é um filme de ação que dá privilégio às lutas, explosões e efeitos especiais e deixa de lado as ligações afetivas mais profundas, ou então embarcava nas emoções e deixava de lado esses momentos de maior espetáculo para dar espaço a que os personagens realmente se desenvolvessem e se conectassem com alguma verdade. A justificação de que tudo aquilo é por amor foi um recurso óbvio para encerrar a narrativa e para abrir espaço a uma continuação, mas não convence nem um pouco e só prova que Free Guy é mais uma daquelas construções sofríveis dos últimos anos da FOX, que encarava as longas-metragens voltadas para o público nerd como algo onde pode misturar tudo sem qualquer preocupação, porque a audiência estava garantida.

Já falámos dele mas há uma adenda que nos obriga a voltar a Ryan Reynolds. Temos em Free Guy o mesmo humor que já conhecemos de outras películas. Mas nem Ryan Reynolds escapa quando olhamos de forma mais profunda para o filme. 

Depois de vários projetos ligados ao humor, parece que neste Guy, o ator se limita a fazer uma reciclagem que elementos que ele já conhece e que o trouxeram para as luzes da ribalta. É certo que adoramos Reynolds, mas estava na hora de eles se provar como alguém que sabe fazer outras coisas, porque ele tem talento suficiente para isso. Se excluirmos Deadpool da equação, por ter um humor mais negro e adulto, e colocarmos este Guy na mesma balança que Pikachu de Detective Pikachu, as diferenças e nuances são poucas. 

É culpa do argumento de Free Guy que não puxa mais por ele? É, porque até como voz do Pikachu consegue entregar algo mais refrescante. Mas não é uma desculpa total, há uma falta de reinvenção que a médio longo prazo se pode tornar preocupante por encaixar Reynolds num determinado tipo de personagens, impedindo-o de expor o seu talento para além disso. 

Faz lembrar um pouco a história de Johnny Depp que embalou no sucesso de Jack Sparrow e que a partir daí, durante anos, continuou a criar fotocópias do seu personagem em filmes que nem pediam essa excentricidade. Esperemos que o destino de Reynolds não seja tão duro e pouco afável como o de Depp, mas também esperamos que ele nos prove, em breve, que não há razões para temermos.

É claro que Free Guy nos consegue divertir, que nos faz rir e que nos envolve, pelo menos até uma certa parte da história. Mas isso acontece mais por mérito da nossa ligação afetiva com o mundo dos videojogos e com a paixão que a maioria do público tem por Ryan Reynolds do que propriamente por termos um filme extremamente bem feito. 

Não há nenhum mal em ter um argumento clichês, desde que saibam trabalhar com esses lugares comuns, e no caso de Free Guy nem isso nos convence. Na primeira metade estamos numa onde de Jumanji que é divertido e que funciona apesar de tudo, mas quando tentar ir para fora de pé o descalabro é tanto que deixa o receio de que um possível continuação consiga piorar ainda mais as coisas e destruir o pouco de memorável que este primeiro filme teve. 

Porque sim, Free Guy é um daqueles projetos que já chegou ao cinema a prometer uma franquia, e isso nota-se pelo número de elementos que o filme colocou no ecrã sem se preocupar em explorar. Esperemos é que essa continuação consiga ter identidade e definir bem qual o percurso que quer seguir, porque este limbo que não se compromete nem com a ação nem com o drama não ajuda em nada e não convence nenhum dos grupos de espectadores. 

Que aprendam um pouco com Jumanji e que no futuro construam os alicerces que faltam aqui, nunca podemos querer começar a construir uma casa pelo telhado, por mais bonito que ele seja.