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Fantastic Entrevista - Artur Ribeiro: «O "Terra Nova" não seria o mesmo se fosse feito em estúdio com efeitos especiais"

Foto: Direitos Reservados

Foi com Jornalouco, um formato de humor no início da década de 90, que Artur Ribeiro se estreou como argumentista e realizador em televisão. Da sua carreira fazem já parte dezenas de projetos, enquanto autor de novelas, séries e telefilmes, mas também como realizador de longas e curtas-metragens para cinema. 
 
Terra Nova, produção portuguesa que deu origem a um filme - que chegou aos cinemas a 28 de outubro - e a uma série de 13 episódios - exibida pela RTP e disponível agora na HBO Portugal - é o mais recente projeto de Artur Ribeiro, que falou com o Fantastic sobre esta aposta e sobre outros projetos que marcaram o seu percurso profissional até agora.

O Artur conta já com uma vasta carreira enquanto autor. Em televisão, escreveu séries como Um Lugar Para Viver, O Dom ou Redenção. Este formato está a ganhar um novo espaço nas televisões generalistas, mas também com o surgimento de novos serviços de streaming como a RTP Play, a TVI Player ou a OPTO SIC. Acredita que o futuro da ficção passa por aqui?
Não é o futuro, é o presente. Infelizmente, por causa do mercado pequeno que temos, é mais rentável para os canais comprarem telenovelas do que séries que saem mais caras por episódio. Por outro lado, criou-se o hábito do formato novela diário entre os espectadores e, por isso, é difícil vingar o formato semanal de séries de mais curta duração nos canais abertos. Consequentemente, as plataformas digitais passam a ser um meio mais simpático para a divulgação de séries. É um pouco lamentável esta nossa condição de termos uma televisão de canal aberto com uma programação mais sul-americana que europeia, mas eu compreendo que é sobretudo por uma questão de mercado, pois ainda por cima com a publicidade em quebra é difícil sobretudo para os canais privados investirem em séries. A RTP tem sido um pouco uma exceção e faz bem, até porque tem o serviço público para cumprir. Por isso, todas as alternativas à produção e exibição de séries são bem vindas. O problema é sempre a dimensão do mercado que depois se reflete nos baixos orçamentos para produção.

Foi também responsável pelo argumento de telefilmes da TVI e da RTP e de alguns episódios da série Casos da Vida, também do quarto canal. Este é um formato que tem voltado a ser aposta da RTP, com séries como Contado por Mulheres ou Trezes, assim como da SIC, através do serviço OPTO SIC. Como vê este regresso do telefilme à televisão?

Apesar de valorizar as iniciativas por serem uma aposta diferente na ficção portuguesa, na minha opinião, tanto o Trezes como o Contado Por Mulheres, não são no entanto telefilmes, mas sim séries de antologia. Sei que pode ser discutível semanticamente, mas a verdade é que para concorrerem aos Emmys como telefilmes, nenhum destes se pode classificar pois têm 45 minutos cada, e a duração mínima para ser considerado telefilme é de 75 minutos. Sinceramente, não percebo porque se decidiu chamar a estas séries “telefilmes” e não o que é internacionalmente reconhecido como séries de antologia (autores e realizadores diferentes, histórias únicas sem continuação) com exemplos tão conhecidos como o Black Mirror ou Modern Love, por exemplo. Era um formato que ainda não se tinha privilegiado em Portugal e acho muito bem que se faça mais.

Um dos mais recentes projetos para televisão foi a minissérie O Mundo Não Acaba Assim, uma produção escrita e gravada integralmente em casa, durante o primeiro confinamento, em 2020. De que forma é que acha que esta aposta foi inovadora na nossa televisão?

Acho que houve uma sintonia internacional entre criadores sobre como contar histórias, falar destes tempos, quando estávamos limitados física e geograficamente. Por isso que será difícil até saber quem começou a fazer destes filmes à distância. Lembro-me que quando este grupo de amigos (Filipe Homem Fonseca, Luis Filipe Borges, Nuno Duarte, Tiago Santos e eu) criou primeiro o Chamadas Para a Quarentena só na internet e que depois se tornou O Mundo Não Acaba Assim para a RTP1, vimos ao mesmo tempo surgirem ideias parecidas, mas não imitámos ninguém. Acho que é um instinto natural de “storytellers”, olhamos para o mundo de forma parecida, mas depois os conteúdos são diferentes, claro. Aliás, lembro-se de que quando divulgámos o nosso primeiro episódio das Chamadas para a Quarentena recebi em troca uma mensagem do Sérgio Graciano que tinha nesse mesmo dia estreado o primeiro Hashtag Quarentena que também fez para a internet. Por isso, foi fantástico que da parte do José Fragoso da RTP houvesse a visão de poder tornar o que andávamos a fazer na net numa série de televisão que aí sim passou a ficar para a História da televisão portuguesa.

Enquanto realizador, já foi responsável por vários projetos em cinema e em televisão. Como descreve este processo de pensar uma história de forma visual e transpô-la para o ecrã?
Quando sou eu também a escrever, é um conflito interno entre o Argumentista e o Realizador. O “realizador” muitas vezes queixa-se de coisas que o “argumentista” escreveu, e nessa dialéctica acaba por chegar ao ecrã o resultado destes conflitos mas de forma produtiva. O ideal é que quando são duas pessoas diferentes se possa ter essa dialéctica, sem que seja muito conflituosa, pois um filme ou uma série acaba por ser o resultado de um trabalho que envolve muitas partes, mas a relação Argumentista – Realizador é essencial que exista. Infelizmente, muitas vezes isso não acontece e, no nosso meio, depois de entregues as páginas, os Argumentistas são esquecidos ou mesmo desprezados. Não é sempre, felizmente, mas ainda há muitos casos em que a consideração por quem escreve deixa muito a desejar. Dou até um exemplo: vejam quantas vezes os atores nas suas redes sociais no final de filmagens agradecem aos argumentistas? Muitas vez esquecem-se, como se não tivesse tudo começado numa folha de papel.

O seu mais recente projeto para cinema e também para televisão foi Terra Nova, que deu origem a uma série e a uma longa-metragem, realizadas e escritas por si. A história é baseada em O Lugre de Bernardo Santareno. Como é que foi transpor para o ecrã esta obra?

Tudo começou por um desafio do Nicolau Breyner que tinha o sonho de adaptar O Lugre para filme e me pediu para escrever para ele realizar. Infelizmente — e que saudades tenho dele — o Nico partiu pouco depois de eu ter acabado o guião. Quando a Ana Costa, produtora, me perguntou se queria tentar fazer o filme com ela, comigo a realizar, não hesitei, e assim acabámos por concretizar o sonho do Nico. A série foi um extra que pensei e que propusemos à RTP.

Ao contrário do que acontece com outras produções, a adaptação televisiva não se trata de uma minissérie baseada numa divisão da longa-metragem, mas sim num total de 13 episódios que expandem o universo da história. Quais são as principais diferenças entre aquilo que vemos no pequeno e no grande ecrã? 

O filme é todo passado no mar, numa viagem fatídica na campanha do bacalhau, mas quando andei a fazer pesquisa fiquei fascinado com muitas histórias destas gentes e suas famílias, e tive a ideia de criar uma série de 13 episódios que acrescentasse ao filme e às personagens do filme, mostrando as suas vidas antes de embarcarem e os dramas das suas famílias enquanto eles passavam 6 meses no mar, ao mesmo tempo que fazia um retrato de uma época (anos 1930). O plano era primeiro estrear o filme e, como complemento, a série, mas a pandemia trocou-nos as voltas. O filme tinha estreia marcada para 19 de Março de 2020, mas, como todos sabemos, a vida mudou nessa altura. Está agora marcada a estreia do filme para 28 de Outubro. 

Foto: Com os atores Miguel Partidário, Vitor Norte, João Craveiro, Paulo Manso, João Catarré, Miguel Borges e Ricardo de Sá durante a rodagem de "Terra Nova" (Direitos Reservados)

Terra Nova conta com um elenco grande, composto na sua maioria por caras masculinas. Para sim, que idealiza a história antes das personagens terem um ator definido, como foi ver o resultado final desta produção em particular?
Para o filme fiz um casting extenso — vi cerca de 70 atores — alguns que não conhecia, outros que até conhecia bem mas que tiveram a bondade de vir fazer um teste para eu poder montar este puzzle de personagens e o resultado acho que foi o melhor ponto de partida que podia ter para a rodagem do filme: encontrar um grupo coeso e coerente para este ensemble e depois trabalhar as personagens com eles. Mas a verdade é que a essência das personagens surgiu já no mar, no norte da Noruega, acima do círculo polar ártico, onde todos perceberam um pouco melhor o que era a vida daqueles homens.

Grande parte da ação do filme – que pode ser vista também na série – foi filmada ao longo de seis semanas, tendo o navio e o mar como cenários principais, numa longa travessia que foi desde a Noruega até à Holanda. De que forma acha que esta experiência foi enriquecedora para o resultado final do projeto?
Este filme não seria o mesmo se fosse todo feito em estúdio com efeitos especiais ou numa doca. Até pela experiência de vida e camaradagem que se criou a bordo e que contribuiu para, nas filmagens, em que era exigido muito fisicamente e psicologicamente aos atores, eles chegarem sempre onde se tinha de ir. É interessante pois o filme é muito violento do ponto de vista psicológico (e físico também em muitos aspectos), mas, acho que sinceramente foi a camaradagem e amizade que que se criou entre os atores que permitiu depois em cena serem do mais hostil e desagradável que podiam uns com os outros dentro daquilo que era pedido para as personagens. Havia ali uma confiança e empatia entre todos que resultou numa rodagem intensa, mas ao mesmo tempo divertida. Sou da opinião que passa melhor em cena a violência entre personagens se os atores forem bons amigos do que se se odiarem. A confiança um no outro permite que em cena possam ir ao mais profundo e negro das suas personagens e dar-nos essa sensação de realidade que temos depois ao ver o filme. Eu por vezes ficava de boca aberta a ver as interpretações no monitor. Gosto de dar muita liberdade aos atores, depois de falarmos e compreendermos bem o que se quer da cena. Depois, pedia ao Diretor de Fotografia para os acompanhar e, dentro do que era necessário para a luz e enquadramento, deixá-los viver a cena, ajustando apenas pequenas coisas.

Terra Nova estreou em formato série na RTP1 em junho de 2020 e chega agora, em 2021, ao catálogo da HBO Portugal. Como é para si, autor da produção, vê-la chegar a uma plataforma de streaming tão popular no nosso país?

É óptimo, mas era ainda melhor se fosse uma distribuição internacional, claro, mas nunca se sabe.


Foto: Com o diretor de fotografia Luís Branquinho, durante a rodagem de "Terra Nova" (Direitos Reservados)

Apesar de ainda não ter estreado nas salas portuguesas, o filme já foi exibido em alguns festivais internacionais, tendo vencido alguns prémios. Que importância tem este facto para si e para a restante equipa?
O prémio que me deixou mais feliz foi o Melhor Elenco (Best Ensemble Cast) no SoHo International Film Festival, porque premeia de facto o elemento essencial para este drama: os atores.

Que projetos se seguem enquanto argumentista e realizador?
Muita coisa em gestação, mas infelizmente parece que persisto a pensar em ideias que exigem condições e orçamentos que são fáceis de encontrar só em Portugal. Tenho uma série que está neste momento à procura de financiamentos internacionais — Lisbon Noir — e outras na forja (ou seja, no disco do computador). 

Se o pudéssemos entrevistar daqui a 15 anos, o que gostaria de estar a fazer a nível profissional?
A receber um prémio de carreira pelas séries e filmes que vou fazer nos próximos 15 anos…

Fantastic Entrevista - Artur Ribeiro

Por André Pereira
agosto de 2021