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Em Foco - Entrevista Diogo Tavares

‘A mil’. É assim que Diogo Tavares descreve a sua vida atribulada. Entre almoços no carro, castings e trabalho a part-time, resta pouco tempo para outras atividades mais ligeiras. Mas como se costuma dizer, quem corre por gosto não cansa... O Fantastic esteve à conversa com o ator, que nos revelou como o Teatro sempre esteve presente na sua vida e de que forma nunca desistiu de perseguir esta sua grande paixão.

Dos ‘teatrinhos’ em casa ao Teatro de Almada

Diogo Tavares é natural de Sintra e desde sempre lutou por aquilo que mais gosta, que é representar. “Desde criança que sempre fiz teatrinhos em casa com a família. Vestia-me e tinha-os sentados a assistir”, conta-nos Diogo.

Quando andava no 9º ano, desafiou a sua turma a fazer um espetáculo de teatro. “Escrevi o meu primeiro texto, uma comédia, e depois a minha professora aconselhou-me a seguir artes pois achava que eu tinha jeito para a escrita e para representar”, relata. Já com 15 anos, foi para a Escola Profissional de Teatro de Cascais e mesmo com muitas dúvidas, conseguiu entrar e revela que nem tudo foi fácil, pois houve vários momentos desafiantes.

Representar é ir mais além, é enfrentar o desconhecido, é uma procura incansável da personagem. Não é só decorar e despejar texto. 
Ensaios "Auto Pastoril Português"de Gil Vicente (2010)

“Um exemplo interessante que o Mestre Carlos Avilez nos deu é que a vida de um palhaço é terrivelmente trágica. Ele cai, tropeça, etc. Tudo o que há de pouca sorte acontece e ainda assim rimos dele. É uma personagem complexa. A comédia é das coisas mais complexas de se interpretar”, revela ainda.

No final do curso de teatro foi galardoado com o prémio Zita Duarte, que visava premiar o melhor percurso escolar na Escola Profissional de Teatro de Cascais.

Apesar de existir a ideia de que atores serão normalmente pessoas mais extrovertidas e extravagantes, Diogo confessa que não será necessariamente assim e que a própria Eunice Muñoz, uma querida amiga e mentora, lhe disse uma vez que “provavelmente os melhores atores até podem ser aqueles que passam mais despercebidos fora do palco”. 

O passo seguinte na formação de Diogo foi a Escola Superior de Teatro e Cinema. “Tinha 18 anos, foram mais três anos de formação seguidos e muito intensos. A meio do conservatório comecei a questionar tudo. Queria mesmo ser ator? Estava no caminho certo?”, questionava-se.

“Eram muitas horas de trabalho, muitas horas de interpretação, corpo e voz por semana. Entrava às 09h00 e saía às 18h30. Foi um percurso que me ajudou a sair da minha zona de conforto. Como ator, a melhor coisa que me podem dar são desafios. Posso estar assustado, mas vou sempre tentar fazer aquilo que me pedem”, explica-nos Diogo. “A minha prova final de curso foi com um encenador estrangeiro, Bernard Sobel, com o texto “Santa Joana dos Matadouros”, de Brecht, no Teatro de Almada. Foi uma experiência incrível e para muitos foi a nossa estreia profissional”, relembra o jovem ator.

Diogo em "Santa Joana dos Matadouros" de Bertold Brecht com a encenação de Bernard Sobel

Por detrás do ‘smoke and mirrors’

Após todo o ‘smoke and mirrors’, chegou a altura de cair na realidade e enfrentar a vida fora dos estudos e formação. “Estava cheio de ilusões, pensava que ia ser incrível e que ia ter trabalho, mas na realidade fiquei um ano e meio sem ter trabalho na área”, conta-nos Diogo. 

Tive de fazer planos, tentei castings e com agências. Quem quer ser ator, tem que ter noção que é uma luta pela sobrevivência. Ser ator passa por uma necessidade de partilhar, viver personagens, entrar num mundo que não é possível entrar de outra forma. Acaba por ser uma necessidade de partilhar algo.

No entanto, os sonhos não pagam contas e para sobreviver é muitas vezes necessário arranjar trabalho noutras áreas. “Percebi que tinha que arranjar um emprego fora da área artística e comecei a trabalhar em part-time há cerca de 10 anos. Felizmente ainda há empresas, como a que eu estou, que respeitam os atores como eu e sempre me deram a possibilidade de poder conjugar o Teatro com o trabalho na empresa”, conta.

Apesar de não ser o trabalho dos seus sonhos, Diogo confessa que se diverte e que gosta do contacto com o público. “É algo que também me diverte, mas se pudesse viver só da arte, não pensaria duas vezes”, conclui. “Enquanto não arranjava nada concreto na área, construí eu os meus próprios projetos e fui escrevendo textos para teatro. Tive opiniões de pessoas que trabalham há muitos anos em teatro que me dizem que devo continuar a investir no que gosto de fazer, como o ator Guilherme Filipe e João Mota, diretor do Teatro da Comuna”, adianta o ator ao Fantastic.

Escrevi o “Gabinete dos Vidros Duplos”, e tive o privilégio que o texto fosse encenado pelo João Mota”, conta Diogo. Para além de ser ator e escritor, Diogo também trabalha como produtor e ponto. “Houve espetáculos em que era ator, produtor e escritor”, acrescenta.  

"O Gabinete de Vidros Duplos"
“Por ser um grande amigo da actriz Lídia Muñoz, assim quis o destino que tivesse a sorte de privar com a Eunice Muñoz desde muito cedo, desde os meus 17 anos. Trabalhei com ela como ponto e mais tarde com outros atores, como Lurdes Norberto, João Mota, Carlos Paulo, Lia Gama... Admiro muito quem precisa de usar um ponto, acho que deve ser difícil ter alguém a lembrar coisas, constantemente a falar ao nosso ouvido”, explicou Diogo ao Fantastic.

Com um gosto por escrever desde os seus 16 anos, Diogo já teve a oportunidade de ver textos seus encenados. “O Guilherme Filipe, por exemplo, já encenou um texto meu, o “Órion”. E também já tive um espetáculo onde participei na adaptação do texto e como ator que foi escolhido para ir para o Festival Internacional de Teatro de Almada. Foi uma criação coletiva com mais dois colegas e foi um auge para nós porque estávamos incluídos no ciclo dos novos criadores”, comenta.

“Resumindo a minha vida, eu faço de tudo um pouco ao mesmo tempo e requer uma ginástica de conciliar horários. Mesmo que esteja cansado, o palco dá-me uma adrenalina que parece que dormi 10 horas, mas quando acaba sinto uma felicidade e cansaço enormes! Inclusive, houve muitas noites em que não dormi”, conclui Diogo.


 Os projetos mais marcantes

“Tive vários projetos que me marcaram, mas houve um que foi especialmente marcante. Estava numa fase complicada da minha vida, tinha acabado de estudar e não tinha muita oferta, e então comecei a escrever mais. Normalmente escrevo mais em fases menos positivas”, confessa o jovem ator. “Escrevi ‘A Nossa Casa’, um projeto que me foi muito especial. O texto era meu, o meu primeiro texto levado a cena, onde participei como ator, produtor e escritor. Trabalhei com a atriz Sylvie Rocha e a peça foi encenada por Alexandre Tavares", conta.

“Um outro momento importante, logo depois do espetáculo ‘A Nossa Casa’, foi o monólogo que o dramaturgo e meu professor também, Armando Nascimento Rosa, escreveu para mim. “O Cigano de Lisboa” foi encenado pelo Alexandre Tavares e estreou no Teatro Rápido. Este espetáculo saiu em destaque no Jornal Expresso com uma crítica muito positiva do João Carneiro", relembra Diogo.

Nesta altura Diogo percebeu que teria que começar a fazer o seu próprio trabalho, na ausência de outras oportunidades. “Fui escritor, ator e produtor da peça ‘PHOBOS ou os Orfãos de Amor’ encenado pelo Alexandre Tavares e Sylvie Rocha, com apresentações em site specific, um quartel da GNR. Foi um projeto intenso, muito especial e inesquecível”, relata. “Depois de ter entrado em “Romeu e Julieta”, no Teatro da Trindade com a encenação de João Mota, desafiei-o a encenar o meu texto, “O Gabinete de Vidros Duplos”. Fui escritor, ator e produtor. Foi o meu primeiro vilão. Este texto retrata o confronto entre um operário e o diretor de uma empresa. Quero muito repô-lo em breve, pois acho que transmite uma mensagem intemporal e atual, até as nossas condições de trabalho tanto nas artes como fora delas, não são satisfatórias”, remata.

Para além do Teatro, Diogo contou-nos que o Cinema também é um grande interesse seu. Já fez algumas curtas-metragens, uma delas foi ‘O Mar’ realizada por William Vitória, que ganhou vários prémios. “Neste momento estou a editar uma curta, o texto é meu e sou o produtor, chama-se ‘Dente-de-Leão’. Entrei no filme Vermelho Monet, uma longa-metragem de Halder Gomes onde contracenei com a talentosa Maria Fernanda Cândido, foi uma aparição pequena mas foi incrível”, relata. 

Também gostava de ter a oportunidade de experimentar ficção em televisão, claro. Acho que deve ser um método de trabalho alucinante, mas jamais deixarei o Teatro.
Durante as rodagens de "Mar" de William Vitoria (2018)

As condições precárias das artes em Portugal

Não é novidade que Portugal ainda tem muito que andar no que diz respeito às condições de trabalho, especialmente no setor da Cultura. A falta de apoios e o regime de trabalho temporário e a recibos verdes torna muito difícil alguém viver apenas da sua arte. Nestes casos, tal como Diogo, é necessário ter mais do que um trabalho para se poder fazer face às despesas do dia-a-dia.

“Se houvesse condições financeiras ou mais apoios, não seria preciso estar nessa situação. Isto não é muito saudável, e eu agora com 30 anos resisto, mas como será com 50 ou 60 anos?”, confessa Diogo. “No contexto da pandemia, houve miséria na parte cultural, pessoas perderam empregos e tiveram poucos apoios e ajudas. Quando se é trabalhador independente não há fundo de desemprego. É desesperante viver com um futuro incerto para quem vive da área artística. Temos de ter um plano B, ou até mesmo um C”, acrescenta.

Também é importante realçar que existe muita falta de oportunidades para novos talentos e há atores que são muito bons e não são reconhecidos pelo seu trabalho. Existem estereótipos muito fixos que nos trazem muitos problemas em quem quer fazer disto uma profissão, neste caso mais especificamente na televisão.
"A Nossa Casa" de Diogo Tavares com a encenação de Alexandre Tavares (2013)

No entanto, Diogo defende que no teatro há mais diversidade. “O teatro não é para qualquer pessoa, enquanto que a televisão torna a coisa um pouco mais fácil. Existem poucos atores em teatro, é muito duro fazer teatro, mas o teatro é viver, é gerir emoções de uma vida sempre no on e isso é maravilhoso”.

Apesar das condições não serem as ideais, o jovem ator diz sem pensar duas vezes que não se imagina a viver fora de Portugal. “Amo Portugal, apesar de não ser o país ideal para se viver em termos de trabalho. Gostaria de ter uma experiência fora, em Espanha ou outros países europeus. Se tivesse essa oportunidade, eu iria, mas voltaria sempre”, confidenciou-nos Diogo.

“Tenho tido uma vida preenchida e feliz. Não é um modo de vida ideal, mas tive que encontrar um equilíbrio para sobreviver. Como escritor não existem apoios nenhuns. Existem poucos escritores em teatro e a produção ficcional em Portugal também tem medo de arriscar, de conseguir desafiar os espetadores”, opina.

Num contexto mais social, é inevitável não falar sobre as redes sociais e a importância que é atualmente dada a estas plataformas, tanto pelos órgãos de comunicação como pelas grandes empresas e instituições. “Somos escravos das redes sociais. Por exemplo, sei que para mim é um fator essencial para ter uma oportunidade em televisão por muito ingrato que isso possa ser. Estamos à procura de números, não do talento, e é frustrante. Quase que nos tornamos bonequinhos virtuais que trabalham em prol de audiências. Uma sociedade só evolui se for uma sociedade culta. Eu acredito que um país com hábitos culturais seja um país mais evoluído em vários aspetos”, desabafa Diogo.

“Peter Brook dizia que bastava ver um ator atravessar um palco sem dizer uma palavra para perceber se queria trabalhar com ele. Esta presença não se compra, não há seguidores que comprem isso", acrescenta.

O palco é um espaço energético de encontros e desencontros.
"Órion" de Diogo Tavares com a encenação de Guilherme Filipe (2019)

Os projetos atuais e futuros

Atualmente, Diogo está inserido no projeto que deixa cair o pano na carreira de Eunice Muñoz, mais concretamente na peça ‘A Margem do Tempo´ de Franz Xaver Kroetz com a encenação de Sérgio Moura Afonso e produção de Capítulo Reversível. “Este espetáculo é muito interessante porque não nos podemos esquecer que a Eunice tem 92 anos. Sou privilegiado por ter podido acompanhar o percurso dela desde que a conheço. É incrível a força com que ela entra no palco, é emocionante”, começa por contar Diogo, de forma entusiasmada.


“Este texto não tem diálogos, mas tem muitas ações. Estamos a ver o último dia da vida da senhora Rasch. A encenação sensível e cuidada que assistimos é também quase como que houvesse uma passagem de testemunho para a Lídia Muñoz. Elas fazem o papel da mesma pessoa, embora em tempos diferentes. Elas são incrivelmente parecidas, e a encenação melhorou ainda mais isso!”, explica. “Foi muito bem pensado, tem uma banda sonora fabulosa do Maestro Nuno Feist. É um espetáculo muito interessante, mas ao mesmo tempo muito triste, porque somos embalados a refletir sobre a vida”, explicou-nos Diogo.

"Neste espetáculo faço o ponto. A minha função é apenas apoiar  o ator. Uma vez tivemos um problema técnico, a Eunice deixou de me ouvir e sem interromper o ensaio continuou sozinha o espetáculo todo. Fiquei arrepiado, aliás, toda a equipa ficou”, relata.

Quando questionamos o jovem ator sobre o que gostaria de estar a fazer daqui a 10 anos, respondeu-nos prontamente que gostaria muito de poder estar a trabalhar num teatro ou ter uma companhia própria. “Queria muito encenar. Cheguei a aconselhar-me com o João Mota  sobre este meu interesse na encenação. “Ele disse-me: trabalhar emoções o Diogo já sabe, só tem é que saber espalhá-las no palco e saber gerir marcações. Eu ri-me, evidentemente, como se encenar fosse fácil, como se todos tivessem essa visão”, confessa.

“Gostava muito de estar só a trabalhar na arte se fosse possível, que é o que quero fazer. Não é só como ator que consigo ser feliz em teatro, mas também como escritor, ponto, produtor, todos os cargos em teatro são importantes. Desde que esteja a fazer algo ligado ao teatro, estou feliz”, concluiu, assim, Diogo.

Em Foco - Diogo Tavares | Julho de 2021
Por Pedro Abreu

Fotos: Direitos Reservados