Header Ads

Fantatic Entrevista - Julie Sergeant: "Sem trabalho árduo não acredito numa interpretação plena, rica e convincente"


Julie Sergeant é uma das mais conceituadas atrizes portuguesas. O seu primeiro papel de destaque em televisão foi na telenovela Passarelle, da RTP, em 1988, e desde aí nunca mais parou, tendo investido na carreira televisiva e  integrado o elenco de produções como Fúria de Viver, na SIC, e Flor do Mar, Fascínios, Remédio Santo e  A Teia na TVI. Apaixonada pelo palco e conhecida pelo seu espírito aberto a novos desafios, Julie dá vida, presentemente, à divertida Carmo de Bem Me Quer

Conhecemos a Julie enquanto profissional, mas, como se define enquanto pessoa? Quem é a Julie, que sonhos tem e o que gosta de fazer?
Não é fácil definir-me enquanto pessoa porque sei que aquilo que pensamos de nós próprios, aquele Ser que achamos ser, não o somos na sua plenitude pois falta-nos o distanciamento que permite discernimento, imparcialidade e coerência. Temos uma tendência humanamente intrínseca para romancear e embelezar quem somos! O narciso de todos nós. Já os outros por norma veem-nos com um outro olhar... não sei quem estará mais certo! Ambos os pontos de vista provavelmente. Sei quem eu sou. Este Ser Humano, mulher, Artista, mãe...! Vivo em constante mutação. Tentando crescer e evoluir numa busca interior digna e honesta para com os meus valores e não me transformar por força das circunstâncias, da sociedade e da vida em alguém que não sou ou quero ser! Sonho em viver plenamente a Vida enquanto posso, sonho em viajar com a minha filha e conhecer outros mundos, culturas e gentes... criar com ela memórias que serão só nossas conhecendo este mundo maravilhoso em que vivemos e que partilhamos juntas. Sonho com um mundo justo humano e digno para todos. Casa, educação, alimentação e saúde. Sem impostos, sem créditos, sem o vil metal para nós aniquilar em dívidas virtuais inexistentes e letais. Sonho com as gerações futuras que serão muito mais humanos e preocupados com o que realmente importa. O planeta e as espécies todas que o habitam. Gosto da minha filha e dos nossos cães fazem-me feliz... gosto dos meus amigos, de trabalhar sinto-me realizada... gosto de atores, músicos, bailarinos, pintores. Artistas em geral, comovem-me pela sua grandiosidade, gosto de ver filmes que me enchem a alma... de conversas inteligentes, de comer bem e beber melhor...

O seu primeiro papel de destaque em televisão foi na telenovela Passarelle, da RTP, em 1988. Que memórias guarda dessa época?
A juventude, a ingenuidade, a garra, a inocência, a inexperiência cheia duma vontade desmedida. O início de tudo, de uma vida onde as emoções passaram as ser parte de mim e onde coabitaram por muitos anos sendo sentidas e vividas em pleno ao longo da vida... momentos bons que fizeram parte do meu percurso. O tempo não volta para trás. Mas todos gostaríamos...



Nos últimos anos, integrou o elenco de um vasto leque de séries e novelas com personagens muito complexas e diversas, nomeadamente “Fúria de Viver (SIC), Morangos com Açúcar, Flor do Mar, Remédio Santo e A Teia (TVI), entre outras. Como é se desenrola o processo de construção de personagens tão singulares?
Colocando-nos na pele do personagem. Entender quem são e como se comportam, como agem, que personalidade apresentam. Porque agem e reagem de uma certa forma... Depois é entender o contexto geral do texto, da história, dos outros personagens e como se relacionam. Muita emoção, muita verdade e muito trabalho racional. Esquematizar e construir, personalidades e pessoas... desenvolver caracteres, moral, percepção, estímulos e muitas outras características para lhes atribuir ou construir um Ser/personagem ausentes de valores. Detalhes e pormenores enriquecem. Propor, errar, repetir, entender, pensar e ensaiar até a exaustão. Sem trabalho árduo não acredito numa interpretação plena, rica e convincente visto que estamos a interpretar uma pessoa que não somos e um Ser Humano é sempre muito rico e surpreendente... Muito amor e muita entrega, mas sobretudo inteligência emocional, são ferramentas imprescindíveis para um ator.

Em 2009, a Julie disse numa entrevista que "foi a televisão que mudou o nosso país". Em que medida considera que a televisão interferiu com a sociedade portuguesa?
Mudou porque "modernizou" a minha geração, a anterior e a posterior... tal como a internet mudou hoje estas novas gerações! As suas formas de estar, agir, comunicar, de serem é totalmente diferente da nossa. O aprendizado que me foi transmitido não é o mesmo destas gerações. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades mas a televisão será sempre "A Caixinha que mudou o Mundo"!



Passada mais de uma década, acha que a televisão continua a mudar Portugal? Considera que esta terá futuro ou as novas plataformas digitais - de streaming, nomeadamente - estão a ultrapassar a televisão?
Acho que tudo muda, tudo se transforma e a televisão também mudará adaptando-se aos novos tempos, aos novos gostos, aos novos públicos... aliás, já mudou e muito. No seu conceito, na sua estética, nos seus objectivos. Acho que sim, que as plataformas digitais um dia irão ultrapassar a TV. Onde está a cassete? O VHS? O walkman? O discman?

O seu último projeto no grande ecrã foi O Bairro de Jorge Cardoso, um filme derivado da série da TVI, onde interpretou Nicha. Gostava de fazer mais cinema? Com que géneros ou realizadores gostaria de trabalhar?
Sim, gostaria de fazer mais cinema... Sinceramente gostaria de ter podido trabalhar com o Woody Allen, Akira Kurosawa, Fellinni, Hitchcock e outros assim! Há tantos...Nada iludida...

Como vê a evolução do meio cinematográfico no nosso país? Acha que o público tem vindo a valorizar o que se faz em Portugal?
Acho que o cinema português ainda tem muito poucos apoios e poucos meios. Para se fazer magia é preciso dinheiro... Depende do que vocês consideram valor... eu vejo o público "valorizar" trabalhos que eu considero que tem pouco valor ou nenhum... Mas depois lemos por aí que foi o filme português mais visto nas salas de cinema... Pois... será? Não sei, gostos não se discutem!




Em 2015 integrou o elenco da peça E os Sonhos, Sonhos São no Teatro do Bairro em Lisboa. Como foi integrar este projeto?

Foi maravilhoso integrar esse projeto. Foi encenado pelo Antonio Pires com uma adaptação de Luisa Costa Gomes sobre os clássicos... é um privilégio poder estar num palco, nesse mundo imaginário, a dizer palavras tão bonitas como as que dizemos nos textos clássicos. A transmitir ideias tão profundas e controversas como essas que são interpretadas num palco. Estar num palco é a forma mais bonita, mais viva de representar. No palco não se finge nada. Não há cortes nem edições, vivemos todos de uma respiração só. Um momento mágico que só alguns tem o prazer de usufruir. É um privilégio sentir o que o palco nos traz.

Atualmente podemos vê-la em Bem me Quer, da TVI. Para além de estar a ter um percurso estável nas audiências, a novela está a ser muito acarinhada pelo público, sendo também um projeto especial para o elenco, percebendo-se o bom ambiente que vivem nas gravações. O que é que retira de melhor, a nível pessoal e profissional desta telenovela?
A nível profissional, sinto uma enorme alegria e estou muito grata por ter trabalho, participar num trabalho tão apreciado pelo publico. É uma proposta e um desafio que foram concretizados.  A nível pessoal é a alegria de fazer este trabalho do lado de tantos atores geniais de quem gosto tanto. Atores com uma enorme entrega, verdade e profissionalismo. A maior alegria foi ter entrado uma São José Correia na minha vida, ganhei uma amiga, conheci uma atriz maravilhosa e uma mulher que prezo e respeito muito e que além de tudo ainda me proporcionou momentos únicos de contracena, coisa que por vezes é difícil de acontecer...

Na história, a relação da Carmo com a Mercedes está a fazer muito sucesso, tanto que a mesma até já extrapolou para algumas emissões especiais de programas de entretenimento da TVI. Como é que conseguiram criar esta ligação tão especial?
A ligação foi natural. Nasce do respeito profissional e pessoal, uma pela outra, sem necessidade de forçar nada... empatia, bom humor e confiança. Entrega e profissionalismo. Dificilmente vou encontrar outra actriz com quem consigo representar assim... em quem confio plenamente!



A novela Bem Me Quer conta com um elenco muito jovem. Como é trabalhar com as novas gerações? 

Normal. Eles os mais novos são mais inexperientes. Nós os mais velhos somos mais sabidos... no entanto há entre o elenco mais jovem muito bons atores, apesar de serem mais inexperientes. O chamado Talento. Nasce com alguns... não com todos!

Um dos grandes desafios deste projeto é estarem a gravar com as medidas de segurança devido à COVID-19. Como está a ser trabalhar desta forma inédita?
Com todos os cuidados possíveis. Não é fácil dada a proximidade com que os atores tem de trabalhar. Dada a quantidade de pessoas que são precisas para fazer novela. As equipas são muito grandes e temos que ter cuidados redobrados. Mas somos todos profissionais e o Ser Humano adapta-se a tudo. Quase todo o Mundo no planeta Terra trabalha com medidas de segurança. Parar é morrer.

Quais são as suas maiores influências, a nível pessoal e profissional?

Boa música, bons filmes, bons livros, boa conversa, bons quadros. Artistas e suas criações e o Ser Humano, são tudo o que me inspira e influência.

Enquanto atriz, o que é que ainda gostava de fazer?
Tudo o que ainda não fiz. Desafios... venham eles!

Fantastic Entrevista - Julie Sergeant

Por José Miguel Costa

junho de 2021