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COMING UP | Luca

Igualdade, amizade, diversão e uma Itália pronta para ser palco de uma história que promete continuar a vincar um futuro muito mais risonho e inclusivo para as crianças dos dias de hoje. É este o ponto de partida de Luca, a mais recente longa-metragem da Pixar disponibilizada no Disney+ e que deixa qualquer um rendido ao talento inesgotável do estúdio em oferecer histórias que mesmo voltadas para os mais novos consigam desconcertar os adultos e fazer-nos relembrar algumas das nossas obrigações como membros de uma sociedade. Vamos viajar até este universo numa edição do Coming Up onde te falamos sobre o futuro do mundo pela lente da Pixar. 

Não é de agora que temos uma linguagem muito mais inclusiva nas histórias das animações, mas a Pixar fá-lo como ninguém num risco extremamente positivo que poderá ser a origem de uma sociedade com valores morais muito melhores que os que conhecemos hoje em dia, pelo menos se os adultos, os pais, que também cedem aos encantos coloridos destas tramas conseguirem ter uma visão suficientemente abrangente para explicarem passo a passo as mensagens que películas como Luca tentam transmitir. 

Este enredo não é, de todo, o mais original dentro do leque de filmes da Pixar, aliás, conta com várias semelhanças com Finding Nemo e no limite pode até ser uma inversão de papéis que desagua na mesma história de Onward, mas à parte disso traz personagens ricos com mensagens muito importantes sobre o respeito e a igualdade, colocadas num subtexto bastante rico que torna a experiência de Luca em algo verdadeiramente bom.

Voltamos a sonhar com o enredo de Luca, na introdução a um mundo mágico em que há seres do mar que quando estão fora de água se tornam em humanos e que são capazes de coisas incríveis dentro dos dois ecossistemas. E é aqui que começa a grande leitura para lá da história de Luca, tal como tudo aquilo que foge do padrão tipicamente normal da sociedade, estas criaturas são imediatamente catalogadas como monstro, apenas por não existirem dados que indiquem o que realmente são. 


No fundo é mais uma viagem sobre o medo que os humanos, ou melhor, que a sociedade tem sobre o que não conhece. E o medo é o principal causador dos problemas, mas também do preconceito sem que lhes seja dado espaço para se provarem como confiáveis, sem que lhes seja dado espaço para dizerem que simplesmente nasceram assim e que não há nada de errado. 


Apesar de nesta história este preconceito ser materializado em monstro marinhos, na vida real há vários exemplos e histórias sobre os mesmos temas mas com palavras muito mais pesadas associadas como o racismo, a homofobia, a xenofobia, e outros tantos temas que continuam a marcar a atualidade por uma profunda falta de entendimento e por preconceitos promovidos por histórias de embalar rebuscadas contadas ao sabor de quem deixa o medo e a falta de empatia apoderarem-se de si. 


Esta é mais um prova de como a Pixar está, de facto, a tentar mudar a mentalidade e a fazer do mundo um lugar melhor onde todos, independentemente da sua origem têm espaço para viverem os seus sonhos. Palmas pela coragem e pela abordagem, porque numa animação conseguem ter um texto em larga escala superior a muitos filmes que se dizem de culto, só por isso já merece o aplauso.



À parte de considerarmos esta longa-metragem obrigatória para os planos de formação cívica dos mais novos, o filme tem um tirada excelente quando entramos pela visão de Giulia. A facilidade com que ela aceita a diferença dos seus amigos quando a descobre, apesar do medo inicial, é um bom espelho daquilo que são os dias de hoje. 


O medo inicial dela é fruto de uma educação coletiva padronizada e rica em valores estereotipados que rejeitam o que foge das “regras”, mas a imediata inversão para partir numa jornada de ajuda e companheirismo é, também, um reflexo sobre como os jovens de hoje têm ferramentas e estão muito mais preparados para aceitar o que está à margem do típico preto no branco que tantas vezes nos é incutido. 


Ela entende a diferença, entende a discriminação e solta imediatamente que não vale a pena Luca arriscar a vida pelo seu sonho, não por ter um sentido discriminatório sobre a origem do amigo mas sim por saber que naquele meio nunca iriam ter consciência completa de que ele era apenas um pobre rapaz a tentar conquistar o seu sonho. 


É bonito de se ver, sobretudo porque esse sentido de responsabilidade em fazer o seu núcleo, ou neste caso o seu pai, olhar de uma forma diferente para o seu companheiro é um caminho para apresentar uma geração que está pronta para ir em frente e lutar por uma sociedade mais justa mesmo enfrentando aqueles que os ensinaram a ser gente. 


É, também, uma prova sobre como a idade não é um posto e sobre como estamos sempre a tempo de aprender e reverter ideias que nos foram incutidas desde que estejamos disponíveis para ouvir o que os outros têm para nos contar.


Mas depois de Giulia, temos o Pai, que é figura de destaque e que também ele encerra uma larga leitura sobre como se lida com a diferença. Desde o início que temos uma definição clara deste homem como alguém que cresceu a acreditar nos mitos sobre a maldade dos monstros do mar. 


Ele tornou o seu objetivo de vida em caçar um desses monstros até que um dia debaixo do seu teto passa a conviver com eles e entende que no fundo o seu medo e raiva estava sustentado em mitos e lendas sobre pessoas que tal qual como ele têm sonhos, objetivos e sentimentos. A descoberta não é imediata, o que torna a história mais rica, mas não deixa de ser uma parábola interessante para servir de representação à exclusão. É mais uma daquelas conexões com a realidade em que se fala sobre preconceito e que obriga as pessoas a medir as suas próprias palavras. 


Sejamos claros e dando um exemplo concreto, esta poderia ser a história de um pai que sempre teve tendência a catalogar rapazes com mais sensibilidade e que defende os ideais da masculinidade mas que de um momento para o outro acaba por descobrir que o seu filho é homossexual, acabando por aceitá-lo tal qual como é, porque no fundo é o seu filho, o mesmo rapaz que sempre conheceu. Muito mais do que construir este paralelo, esta é uma história de confiança que doa coragem e alento a quem assiste para se chegar à frente e entender a sua própria condição com a normalidade necessária, porque não há nada de errado em fugir dos ditos padrões normais e nunca é tarde para desconstruir mitos ridículos proliferados ao longo do tempo pela falta de conhecimento alheio.



É louvável o sentido de justiça do argumento de Luca e a forma como a história não é hipócrita ao ponto de mostrar apenas um dos lados da história. Tal como o pai de Giulia tem os seus preconceitos, também os pais de Luca se mostram contra a vontade do filho em conhecer mais da Terra. Claro que do seu lado têm os ferimentos causados pela supremacia dos humanos perante o seu habitat, mas não deixa de ser relativo ver como também eles tomam a parte como o todo. 


Na verdade, como em tudo na vida, há pontos bons e maus dos dois lados, nenhuma sociedade é perfeita e é importante que não olhemos apenas para as imperfeições na hora de criar julgamentos. O filme faz isso muito bem, num ritmo ponderado que perde tempo nos pontos que precisa de perder para mostrar que nenhum dos lados sabe tudo sobre o outro e que no fundo com algum trabalho de equipa até conseguem ser melhores. Tal como acontece quando Alberto ajuda o Pai de Giulia. 


Não se trata de descobrir quem está certo ou errado, trata-se de encontrar o meio termo e explicar que podemos todos conviver dentro das nossas diferenças desde que exista um respeito mutuo. Aqui mostra-se muito bem como as convicções da sociedade se vão rompendo aos pontos, sobretudo, quando as entregamos nas mãos de quem não tem paciência para se preocupar com rótulos. 


Como é o caso de Giulia que está na flor da idade e que já tem bases suficiente para entender que a diversidade é muito mais do que aquilo que lhe disseram, mas também no caso da Avó de Luca, que já está velha demais para se importar com julgamentos e que apenas quer que o seu neto aproveite a vida da melhor forma e talvez até de uma maneira melhor do que aquela que ela pode experimentar. 


É tão bonito ver o quão longe o argumento nos leve tendo em conta que esta é uma história que na sua concepção é simples. Tal como já dissemos, a trama de Luca não é uma total reinvenção dentro do que a Pixar nos ofereceu até agora, mas é uma atualização perspicaz daquilo que o mundo precisa neste momento: Empatia, e ter Itália como pano de fundo até poderá ter sido uma coincidência mas acaba por ter algum impacto pela fase dramática que o país sofreu durante a pandemia. 


É interessante ver como no momento de grande tragédia todos somos solidários mas nas questões do dia-a-dia ainda colocamos entraves no que é o respeito para com o outro. Até onde devemos prender a possibilidade do outro sonhar? Até onde temos esses direito? No fundo, o que temos assim de tão diferente para nos podermos achar superiores ao ponto de julgar o outro? Giulia e a sua mente de criança provam que no futuro podem ser as crianças a ensinar quem ainda se rege pelas linhas do preconceito e ainda bem que existem animações como esta para dar um colorido à vida das crianças e provar que não estamos num mundo a preto e branco. 


É um pequeno passo, mas a verdade é que estamos a falar de um estúdio com muitos sucessos em carteira e que se tornou credível para muitos pais, mas mais que isso agora está a tornar-se, a cada filme, ainda mais importante para educação cívica de todos nós. 


Uma adenda importante para falarmos ainda sobre o Pai de Giulia, com a longa-metragem a apresentar-nos um personagem com deficiência a conseguir ter uma vida completamente normal, numa condição física que vem de nascença e que apresenta, mesmo que ao de leve, uma superação das limitações que a natureza nos dá. Luca é simplesmente bonito, vai ganhar muitos prémios, provavelmente o Oscar, mas que ganhe um lugar especial no coração de todos porque precisamos de entender que há muitos Lucas por aí que apenas querem seguir os seus sonhos. Sejam felizes!