Em Foco - Entrevista Tiago Braga
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Do Youtube ao lançamento de “Ilusão”
“No verão de 2010 estava muito aborrecido e metido em casa. Nessa altura, já tinha aulas no Conservatório e já sabia tocar. Achava que sabia cantar e, como via a malta do YouTube lá fora a fazer isso, pensei para mim: ‘Vou fazer também e ver o que dá’, começa por explicar Tiago, que alguns anos depois de ter iniciado as suas aulas de música começou a criar conteúdo para o YouTube.
Nesta altura com 16 anos, os seus primeiros vídeos eram em inglês, direcionados para o mercado e público estrangeiros. “Aquilo acabou por ganhar tração sozinho e teve um sucesso tão grande que as pessoas em Portugal começaram a conhecer-me por aquilo que eu estava a fazer. Comecei a ganhar seguidores, conheci pessoas do YouTube e comecei a ir a eventos”, explica o cantor. O primeiro evento organizado para YouTubers portugueses contou com a sua presença, juntando-se a Paulo Sousa, Kiko is Hot e outros criadores de conteúdo que eram populares em Portugal.
Tiago relembra ainda que o seu foco passou dos covers para as músicas originais. Dando continuidade ao seu trabalho na plataforma de vídeo, os anos foram passando e ainda hoje continua ativo na mesma, refletindo também sobre o quão difícil é ser artista independente.
Nunca tive uma agência ou uma label. Ao longo dos anos foram surgindo oportunidades e contactos, mas eu achei que não eram as pessoas indicadas para trabalhar comigo. E as pessoas que eu achava que eram ideais para trabalhar comigo, nunca o quiseram fazer.
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O jovem músico chegou a ter uma experiência com um manager que durou três meses, mas da qual não obteve grande retorno. Dessa forma, decidiu permanecer independente e fazer as coisas por si. Considera que o seu caminho profissional como cantor começou de verdade entre 2016 e 2017, quando começou a lançar algumas músicas originais em português, com um pouco da mensagem que queria transmitir. Ainda assim, os resultados não foram imediatos.
“Acho que depende de artista para artista, mas regra geral em Portugal ainda só tem grande sucesso um ou dois estilos muito concretos de música. E todos os artistas que saem fora desses estilos dificilmente conseguem ter um grande retorno financeiro”, confessa Tiago.
Em 2018, lançou o tema “Ilusão”, no qual assume a sua orientação sexual. O tema foi de tal forma bem recebido que o cantor notou logo uma diferença abismal nas suas visualizações de YouTube e interesse mediático.
“Senti uma repercussão enorme a nível de números e de convites para entrevistas, oportunidades de concertos. Demorei cerca de oito anos a crescer no YouTube, a fazer covers e a cantar originais sem ter grande coisa para dizer. E agora, dois anos depois de assumir-me, cresci tanto como nesses 8 anos em que não tinha nada para dizer”, explicou ao Fantastic.
Um ‘leap of faith’ que mudou a sua vida para sempre
“Ilusão” foi mesmo o single mais bem-sucedido de Tiago Braga até à data, e neste momento conta com cerca de meio milhão de visualizações no YouTube - em contraste com as 20.000 visualizações que os seus vídeos mais populares tinham anteriormente, valores que já o deixavam concretizado. Ainda assim, a forma inesperada como este projeto tão pessoal foi recebido e partilhado deixou Tiago surpreso e sem palavras. Uma das grandes particularidades deste sucesso é que foi tudo alcançado de forma orgânica, algo cada vez mais difícil de conseguir nas redes sociais que estão saturadas de conteúdo.
A decisão de expor a sua orientação sexual foi algo que exigiu ponderação, mas no fim acabou por representar as crenças e valores do artista, que a partir do momento de estreia do tema ficou muito mais confortável por poder mostrar verdadeiramente quem era.
Eu percebi que faltava um bocadinho da minha confiança, e acho que eu nem sequer fazia ideia que faltava. Só desbloqueei esse bocadinho da minha personalidade depois de me assumir com o “Ilusão”. Aí sim, fiquei 100% confortável comigo. Teve um impacto em todos os níveis da minha vida, na pessoa que eu sou, no meu ser.
Tiago revela também que até esse momento tinha feito a sua carreira de forma mais neutra, “um bocadinho por influência da indústria, porque sabia que o que vende é o que agrada a mais pessoas”, uma vez que pensava que “se fosse neutro chegava a mais pessoas e poderia chegar mais longe”. Mas esta perspetiva acabou por mudar, “Depois percebi que não queria saber dessas coisas todas e que se não fosse autêntico não ia funcionar”, acrescenta.
Nós obviamente que temos artistas gays em Portugal, mas de uma forma geral esses artistas que o são e têm contratos com editoras têm um boneco heterossexual montado para vender. Chegaram a contar-me que alguns deles até têm contratos com cláusulas feitas de forma a que não assumam a sua sexualidade em público, por muito incrível e surreal que isso pareça.
Esta foi uma das razões pelas quais não teve alguém a trabalhar com ele, pois sabia que não seria o projeto comercial mais viável para aquilo que é a realidade em Portugal e a indústria da música. Passados alguns anos, já vê as coisas com um olhar mais positivo.
“Eu acho que agora as pessoas estão a ficar mais abertas. Temos o exemplo das drag queen. Só recentemente é que tivemos a primeira drag portuguesa assinada por uma discográfica, porque antes disso não tínhamos ninguém. Nós andávamos a importar fenómenos do Brasil como Pablo Vittar para darem concertos cá. Faziam-se promoções e entrevistas a artistas de fora, enquanto tínhamos drags a fazer música cá em Portugal e que não eram convidadas para serem promovidas”, continua.
Tiago a atuar no Porto Pride 2019 |
“Acho que a representação queer na indústria portuguesa é muito escassa, embora já comece a existir em Portugal. Há uma artista assinada pela Sony que é lésbica e tem letras dirigidas a raparigas. Tivemos uma drag queen como jurada num programa de televisão e várias como concorrentes em diversos programas de talento. Mas em boa verdade, acho que a indústria musical ainda não sabe como trabalhar um artista que é muito autêntico. A música é um negócio como qualquer outro e os artistas são montados para tentar chegar ao maior número de pessoas”, explicou ao Fantastic o músico.
Tiago reforça que o facto de existirem artistas com orientações sexuais diversas é algo que preocupa a indústria, pois existe a ideia de que o facto de um cantor assumir que gosta de rapazes ou uma cantora afirmar que gosta de raparigas irá inevitavelmente alienar uma parte significante do público.
Portugal relativamente a outros países da Europa é um ótimo país para ser LGBT, estamos relativamente seguros, mas não vamos fazer de conta que é tudo repleto de ‘unicórnios e arco-íris’, porque não é verdade.
Como artista, Tiago Braga tem orgulho em ser diferente, e ser diferente é a sua premissa mais valorizada. Quando fazia apenas vídeos para o YouTube e ansiava por mais representação queer na indústria, pensava várias vezes que apesar de querer uma mudança, não estava ainda a contribuir para que isso acontecesse. “Comecei a pensar que se me incomodava tanto, tinha de fazer algo acerca disso. Foi um processo de maturação que depois culminou na decisão de me assumir no videoclipe do ‘Ilusão’, não foi decidido de um dia para o outro”, explica.
Tiago no Glitz Lounge |
A experiência de ser artista em Portugal
Parte-se do princípio que a originalidade e honestidade são algo aclamado pelo público, mas muitas vezes as questões comerciais e burocráticas podem complicar a forma como um artista se expressa e tenta passar a sua mensagem. Na sua experiência, Tiago Braga crê que o público percebe sempre quando uma coisa não é autêntica e genuína, e que em Portugal existem fenómenos virais que as labels não controlam, exatamente pelo facto de serem originais e autênticos.
“Cada vez mais acho nos dias de hoje, que aquilo que funciona são as pessoas autênticas. As pessoas estão fartas de ver mupis ambulantes a fazerem promoções a marcas. As pessoas fugiram da televisão para o digital porque estavam fartas de ver anúncios de coisas que não queriam”, afirma. Acrescenta ainda que as redes sociais cada vez mais forçam ao público aquilo do qual fugiram dos meios de comunicação convencionais.
Tiago a atuar no Porto Pride 2019 |
O setor da cultura sempre foi negligenciado em Portugal e a pandemia veio expor essas falhas de uma forma brutal e crua. A música, tal como todas as outras áreas, não escapou às garras do Covid-19 e se as coisas normalmente já não eram fáceis, agora serão ainda mais difíceis. Quando se pensa numa carreira musical de sucesso, imaginamos os grandes nomes americanos ou ingleses, mas será que de facto Portugal permite esse tipo de concretização?
Tiago revelou-nos que começou a fazer música e vídeos para o YouTube em inglês porque tinha a ambição de ser bem-sucedido lá fora. Atualmente, pensa de outra forma.
Ao longo dos anos conforme fui crescendo, fui-me apercebendo de duas coisas – uma intrinsecamente relacionada com o mercado da música, que é o facto de em Portugal sermos ‘100 cães para um osso’ e lá fora serem ‘10 milhões para um osso’. É ainda mais complicado. Em termos de possibilidade de carreira e mercado da música, realisticamente, como o mercado em Portugal é mais pequeno e eu como sou um artista de nicho, é mais seguro e mais eficaz tentar fazer carreira cá do que lá fora.
Com esta premissa em mente, o músico portuense aventurou-se por Lisboa em 2020, na busca por oportunidades profissionais. “Tudo está centralizado em Lisboa. Achei que para ter uma carreira tinha que ir a Lisboa, e apesar de ter gostado de certas partes da minha estadia, senti muita falta de casa. Sentia-me sozinho, faltava qualquer coisa apesar de estar em festas e jantares. Não tinha aquele sentimento de pertença, e sempre que estava no Porto sentia-me em casa”, confessa.
Admite que este investimento e sacrifício pessoal não estavam a surtir os efeitos pretendidos e que quanto mais entrava na indústria da música, menos queria fazer parte dela, pelo menos daquela forma. “Tem-se um bocado a ideia de que é tudo aquilo que se vê nas revistas cor de rosa, e às vezes até é. Mas também é verdade que o mundo do espetáculo e da música é um mundo muito solitário. Conheces muita gente, mas são verdadeiramente poucas as pessoas em que podes confiar e que são mesmo teus amigos. É tudo um jogo de interesses, porque na música, é mais difícil vingares sozinho sem o factor c”, admite o artista.
De qualquer forma, as experiências positivas de Tiago Braga sobrepõem-se às menos boas e com já várias participações em programas de talentos, contou-nos mais sobre este mundo do espetáculo que vemos na televisão. “A experiência de participar num programa de talentos vale muito a pena. Para quem não tem conhecimentos musicais, tem uma equipa de vocals coaches. Tens profissionais altamente treinados da indústria a ajudar-te e podes aprender com eles e estar em palco com músicos incríveis. Não é todos os dias que podes tocar com alguns dos melhores músicos do país, em horário nobre de um canal público de televisão. Pela experiência em si, eu acho que vale muito a pena, mas é preciso ter os pés bem assentes na terra”, adianta o músico ao Fantastic.
A participação em programas de talento e o futuro profissional
Tiago participou pela primeira vez num programa de talentos em 2014, e regressou ao formato em 2020 numa versão mais autêntica e segura de si, com uma mensagem clara a transmitir. Mais do que ganhar e competir, admite que acima de tudo as suas expectativas num programa de talentos era divertir-se.
Em 2020 decidi voltar ao programa passados todos aqueles anos porque estava muito desmotivado e pensava desistir da música. Eu quis ir ao programa a pensar que queria pisar aquele palco e que se não sentisse adrenalina nenhuma, então isso iria ser a confirmação que eu precisava para ficar tranquilo com a ideia de desistir da música. Mas se sentisse aquela saudade e aquela vontade de estar em palco, sabia que não podia desistir, e foi para testar isso que quis participar no programa. No final de contas, o que senti foi aquilo que estava à espera, aquela adrenalina de estar em cima do palco. E então pensei, não posso mesmo desistir, estou só desmotivado.
Apesar da diversão e oportunidade única de se participar nesse tipo de programas, o artista deixa também a sua opinião sobre o que realisticamente se deve esperar como retorno da participação num evento mediático deste calibre.
“Eu acho que as pessoas que querem participar nos programas de talentos com o objetivo de os programas lhes darem uma carreira vão com uma perspetiva errada. Depois da participação acham que vão receber muitas chamadas e mensagens, mas na realidade não é isso que acontece. Têm uma ideia muito errada de que os programas dão uma carreira às pessoas que por lá passam. Há pessoas que conseguem fazer carreiras depois dos programas, mas é porque trabalharam para isso”, diz Tiago.
Tiago na Fnac em Oeiras |
Com tudo o que aconteceu o ano passado, e ainda está a acontecer, estou pouco preocupado se este EP vai ser bem-sucedido ou não, o que me interessa é cumprir este meu objetivo, ter as minhas músicas, a minha coletânea de canções, e estará aqui para ouvirem se quiserem. Quero ser autêntico, vou-me manter fiel a isso e em 2021 vou lançar as minhas canções.
Quando questionamos o jovem cantor sobre o que gostaria de estar a fazer daqui a 10 anos, a resposta de Tiago foi imediata. “Com tudo o que está a acontecer, quero estar vivo!”, começou por nos responder, de forma bem-humorada.
“Um amigo perguntou-me se me vejo a fazer música durante mais 10 anos. Eu acho que sim, porque já o faço há 10 e continuo a querer fazer, mas esteja onde estiver, espero ainda estar ligado à música. Se não for a fazer música para mim, pelo menos ajudar outras pessoas a fazer a música deles”, explicou ainda Tiago Braga.
O verdadeiro sucesso é estar feliz com tudo o que estou a fazer. Acho que daqui a 10 anos vou estar feliz se a música fizer parte do meu dia a dia, mesmo que seja de uma forma diferente.
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