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COMING UP | Sound of Metal [OSCARS]

Quando a vida sai fora do ritmo e nos coloca de um momento para o outro num ponto imprevisível, como lidamos com isso? Essa é a grande questão por detrás de Sound of Metal numa história em que é fácil de entrarmos e nos obriga a procurar ter o poder de encaixe para nos colocarmos no lugar do protagonista de uma película em que o grande acerto é apresentar um drama que não é estéril. É uma longa-metragem onde o apelo emocional está implícito, sem que a vitimização seja exposta a olho nu, num enquadramento que flui ao longo texto com um sentido e um objetivo que fogem dos dramas comuns. Há um braço muito estereotipado como masculino na condução deste filme, com as palavras a serem substituídas pelas ações e os silêncios a fazerem grande parte do trabalho para chegar junto dos espectadores, tal como deve ser.  É uma película de Oscar, com muita história que vai fazer-nos pensar e numa construção que consegue marcar-nos, sem cair no caminho da lágrima fácil enquanto duas grandes interpretações nos abrem caminho para que se torne memorável. Pode não ser o maior front runner nesta premiação mas este é o filme que mais facilmente vai entrar nas listas de favoritos de quem vê pela forma como nos vai introduzindo na bolha de sentimentos do protagonista e nos transporta para uma realidade frágil, esforçando-se, sem malabarismos ocos, para nos provar que às vezes aquilo que parece a pior coisa que nos pode acontecer, é mau sim, mas também pode fazer-nos dar valor a alguns pormenores que passam despercebidos no ruído da agitação dos nossos dias. Tudo isto para conhecer na edição desta semana da corrida aos Oscars do Coming Up.

A saúde é o nosso bem mais precioso, e se antes já sabíamos isso, nesta fase pela qual todos passamos ainda mais certezas temos disso. E por ser algo tão próximo a todos que se torna fácil fazer crescer a empatia pelo protagonista, sem que sejam precisas cenas trágicas que nos façam entender aquilo que se está a passar. Todos nós entendemos que a dor de perder algo que é fundamental na nossa vida é um abalo gigantesco. O difícil aqui é entendermos a dimensão da dor sem passarmos por ela, e para que isso aconteça, o argumento tomou aquela que é a melhor opção: Dar a quem vê a sensação de acompanhar os eventos da história através das sensações que o protagonista vai tendo. Cada silêncio, cada ausência de som tem um impacto maior. Primeiro porque temos o choque inicial de ver um músico perder a audição de forma quase instantânea e logo aí ficamos com o coração nas mãos para entendermos o que vai fazer agora da vida, mas mesmo que nesse momento a nossa compaixão não tenha crescido o suficiente ao ponto de nos envolvermos com a história e criarmos alguma afeição por Ruben, a sequência em que ele chega à casa de apoio faz esse trabalho de conexão por nós. É no primeiro diálogo entre Ruben e Joe que a ficha se liga e começamos a construir a consciência de tudo pelo que ele está a passar. Enquanto no argumento do filme já avançamos para um outro ponto em que o esforço já não é o de criar uma proximidade empática entre quem vê e o personagem principal, mas sim fazer-nos olhar para a causa de Joe e entender que as definições de felicidade são construídas por nós, e que nem sempre uma tragédia é o fim da linha. Uma mensagem que merece ser aplaudida de pé, e que não é, de todo, aquilo que esperamos no arranque do filme em que as emoções são muito toldadas. Mas é precisamente essa a chave do sucesso de Sound of Metal: Expressar-se mais nos gestos e não no embalo de formulas repetidas. A resposta para essa questão da felicidade está muitas vezes onde menos se espera, e isso não é, simplesmente uma frase feita.



Quando achamos que já percebemos qual é o caminho que o argumento vai seguir, a jornada do protagonista prova-nos que não é algo estático com uma reviravolta muito próxima da linguagem literária, num argumento que surpreendentemente é original do cinema. Aliás, uma das críticas que mais vezes podemos fazer a filmes onde o drama seja o principal ingrediente é a falta de criatividade no embrulho, numa métrica que funciona por si só sem grande esforço. O que não é, de todo, o caso deste argumento. O texto não é simples, apesar de chegar a todo o público, é trabalhado de forma cuidadosa para nos entregar cada mensagem e cada sentido moral quase como uma viagem biográfica sem ter as amarras de factos verídicos por trás e a tendência de entrar em percursos maçadores. O ritmo com que tudo se vai sucedendo ajuda-nos a entrarmos ainda mais nas sensações da vida de Ruben e na bolha que é a sua vida na comunidade, e isso é um feito tendo em conta que estamos a falar de um filme em que os diálogos são colocados em segundo plano. O casamento entre a apresentação da história e aquilo que vem da surdez do protagonista resulta numa longa-metragem muito mais empírica, onde podíamos perfeitamente excluir o romance que paira sobre a história e cuja única função é entregar-nos um final que sendo em aberto encerra toda a mensagem que Joe tentou explicar-nos durante as suas cenas. A beleza das pequenas coisas, e apresentar-nos os afetos sem palavras e sem nos esfregar na cara que eles existem, numa jornada de autodescoberta que funciona em qualquer parte do mundo, estes são ganhos difíceis de atingir mas que funcionam numa harmonia que vai do início ao fim sem perder contextos, sem desvirtuar intenções e respeitando todos os personagens. 


Mesmo quando Ruben decide tomar uma decisão que à partida nós já antevemos como errada, todos conseguimos colocar-nos no seu lugar naquele momento e sabemos que ele tem de tentar. E se o filme terminasse com ele resignado à nova forma de felicidade que descobriu não estaríamos a ser corretos com a personalidade que nos apresentaram no início da história, um exemplo sobre como respeitar a personagem é mais importante do que tornar um drama bonito para o público mainstream. Como se não fosse suficiente a qualidade do texto para fazer a interpretação de Riz Ahmed ser empolada, o ator consegue agarrar cada detalhe do seu personagem numa interpretação, que tal como é pedido no argumento, vive muito da representação dos silêncios. Este é de longe um papel que quando nasceu já estava virado para os Oscars e é uma daquelas situações em que é injusto não se poderem entregar múltiplos galardões, porque dificilmente Riz conseguirá ter um papel tão denso e desafiante como este. Mesmo em termos de interpretação, não é apenas a limitação da surdez do personagem, é a expressividade que o papel exige e que ele conseguiu entregar, fazendo da experiência do filme ainda melhor e e um acrescento muito bom num projeto que já parte em cima de alicerces onde era difícil errar. Há uma generosidade enorme nas contracenas, que merece ser destacada, com dois grandes motores que não só pela sua exposição, mas pela dicotomia moral que apresentam nos fazem reforçar o nosso interesse neste filme. Felizmente tanto com Riz Ahmed quanto com Paul Raci saímos no lucro, com duas linhas que mostram a muito bem o poder de aprendermos com as nossas experiências, com as nossas vivências. 



A idade é um fator preponderante na aprendizagem, mas sobretudo na absorção dos erros, fazendo disso um ensinamento para a vida. Nesse sentido Joe assume uma representação daquilo que lhe faltou quando foi ele a estar do outro lado. É uma personificação paterna numa situação que foge do controlo da maioria de nós, coma mão firme que precisamos de ter quando estamos em queda livre em direção ao fundo do poço. Além de ser uma forte interpretação do respeito pela sabedoria de quem já passou pelos problemas, e do respeito pelos mais velhos, ainda reforça a coerência de Sound of Metal, e o sentido do estereotipo da visão masculinas das coisas, em quando achamos que vamos encontrar do outro lado a benevolência de quem quer ajudar temos alguém que é fiel aos princípios que nos apresentou desde que surgiu pela primeira vez no ecrã. As contracenas entre Paul Raci e Riz Ahmed são dignas de nota, sobretudo se tivermos em conta que estamos a falar de um veterano que só agora está a encontrar reconhecimento dos circuitos de premiação, e que serve para provar, mais uma vez, que há um circuito viciado na escolha de determinados castings. A surpresa que temos com Raci é a mesma que nos entregou Mark Rylance em Bridge of Spies e mesmo que o resultado não seja exatamente o mesmo que o exemplo, pode servir de incentivo a uma carreira que ainda tem muito por mostrar a uma industria que precisa de parar de encaixar apenas grandes nomes, para que todos os papéis nos possam surpreender. O casting de Sound of Metal, por ser menos conhecido, facilita o trabalho de proximidade do público numa enredo onde a proximidade é um dado essencial para que proposta funcione de forma tão crua como acontece aqui.


Sound of Metal até pode sair sem nenhum Oscar na premiação mas tem do seu lado a vitória de filme mais eclético entre os indicados deste ano, onde o único rival que poderia encontrar nesta questão seria Promising Young Woman, mas quando analisamos de uma forma mais profunda, Sound of Metal tem um peso muito maior e consegue trazer um equilíbrio entre o que é aplaudido pelo mainstream e a dimensão moral dos filmes mais nichados. É uma daquelas tramas que não merece ser colocada à margem, e que merecia muito mais destaque do que aquele que vai receber num ano que tem muitos front runners sem que nada esteja inteiramente decidido. Por mais que Riz Ahmed fosse um justo vencedor do Oscar de Melhor Ator, dificilmente vai poder cantar vitória, sendo que a única das categorias em que está nomeado em que consegue assumir-se com um favorito talvez seja a de Melhor Argumento Original, o que, por todos os pontos que já apresentámos, seria uma vitória muito justa. No fundo, se tivéssemos de escolher um filme que consiga tocar em todos os pontos e não deixar cair nenhum dos critérios que são impostos para se tornar num filme considerável, Sound of Metal é aquele que consegue preencher mais caixas neste inquérito, onde o argumento sabe dar palco a boas interpretações sem diálogos que pareçam criados à partida para terem esse spotlight e um ritmo que agarra qualquer pessoa, mesmo quem não é fã de dramas àquela realidade. No fundo, na história da premiação deste ano, este é aquele filme que mais facilmente vamos escolher rever em família. Tudo isto tendo em conta um devido aplauso aos votantes que conseguiram reunir no mesmo ano nesta categoria um grupo onde nenhuma longa-metragem é instantânea e onde ter uma moral é um crivo da coerência na categoria.