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COMING UP | Shadow and Bone

A Netflix volta a introduzir-nos uma viagem ao universo do fantástico, sem malabarismos ou pressas, a adaptação para o streaming de Shadow & Bone traz até nós mais um universo rico em conteúdo, com a fantasia aguçada por efeitos especiais que estão no ponto certo é um piscar de olhos à discussão pela diversidade e preconceito. A nova aposta da plataforma nao reinventa nada mas é mais uma série vencedora com um crescendo ao longo dos capítulos que nos cativa e personagens que mesmo derrapando em alguns momentos da narrativa estão longe de ser unidimensionais. Dona de uma beleza estética que já nos agarra logo desde o primeiro momento, o enredo ainda lucra com uma boa dose de magia que conquista qualquer fã do género, sem se esquecer da tendência atual que foi introduzida pela Marvel em produções com o contexto sobrenatural: A moral de uma leitura da sociedade plural que temos, quebrando estereótipos e preconceitos. Sem romper as suas próprias regras e desvirtuar o seu conceito, Shadow & Bone cumpre todos esses requisitos, com uma série que terá tudo para se tornar num dos grandes sucessos do catálogo da Netflix herdando fãs das epopeias de His Dark MaterialsGame of ThronesCursed ou The Witcher. Isto, claro está, com as devidas diferenças por se tratar de um produto que tem uma diretriz muito mais adolescente que as restantes. Mesmo que a idade dos espectadores seja um fator decisivo no foco dado ao casal protagonista, que em muitos pontos se cruza com Elena e Damon de The Vampire Diaries e com Rey e Kylo de Star Wars, não se suspende a história base a um extremo em que deixe de se tornar relevante. Pelo contrário, é o universo instituído o grande ponto de interesse em Shadow & Bone, acompanha mai suma edição do Coming Up em que te prometemos contar os highlights de uma das novas produções do mundo do streaming que estão à tua espera.

Apesar de a análise geral à série gerar uma nota extremamente positiva, o arranque de Shadow & Bone é uma viagem atribulada no arranque. Mesmo não sendo tão complexa como Game of Thrones, por exemplo, a narrativa tem tanto para nos apresentar e explicar que nos primeiros três capítulos acaba por nos parecer uma compilação de conceitos que parecem levar a algo verdadeiramente grande mas que teimam em não fazer a história avançar para esse grande ponto de viragem que nós já conseguimos antever que irá acontecer. São muitos pequenos grupos, num enredo em que mais cedo ou mais tarde todos os arcos confluem num só mas num primeiro momento parecem pecar por excesso fazendo com que temamos que nos estejam a encher de arcos sem que depois exista tempo de ecrã para que sejam devidamente explorados. Contudo, a partir do episódio três dá-se uma verdadeira reviravolta e esse contexto torna-se num ponto essencial para eventos que se sucedem tenham o real peso que o argumento pretende. Depois de devidamente ambientados com cada categoria, até mesmo dentro do universo mágico, no qual a separação por cores foi uma solução perfeita para nos integrar, parece que toda a história de Shadow & Bone ganha um upgrade, e aquela apresentação aparentemente maçadora e pouco cativante é esquecida num estalar de dedos, em mais uma produção da Netflix que é limada para não nos entregar os maiores e mais apelativos detalhes nos primeiros episódios para depois se perder num alto mar em que passamos metade dos capítulos sem conteúdo. Mesmo sem reinventar a típica história da ascensão de um herói com a qual já estamos mais do que familiarizados, os autores souberam tirar o melhor partidos dos clichês tornando até os eventos mais previsíveis em algo que realmente nos corte a respiração, numa leitura bem fiel às obras literárias do género em que se prioriza o crescimento de personagem em detrimento do espetáculo visual. No fundo é este o grande truque que torna Shadow & Bone numa das grandes promessas do serviço de streaming.



Mas não é só. Mesmo nessa perspetiva do clichê habitual já explorado em êxitos tão grandes quanto Harry Potter, por exemplo, voltamos a encontrar na narrativa de Shadow & Bone a dicotomia velada entre o que é regular e o que é diferente à luz dos padrões de normalidade de cada universo. Também aqui, os seres que apresentam características fora da norma lutam para encontrar um lugar na sociedade, muitas das vezes negando a própria essência e capacidades para que sejam vistos pelos outros como mais um, como alguém que é por e simplesmente normal. Apesar de esta perspetiva não ser inédita é crucial que mais tramas mainstream, como é o caso desta, explorem essa diferença para que possam tocar mais públicos estabelecendo um paralelo de aceitação com a vida real e quebrando as barreiras do preconceito e dos estereótipos em que muitos ainda tentam compartimentar a sociedade. Mesmo com isso em mente, há um dado interessante apresentado no desenvolvimento de Shadow & Bone: Naquela sociedade aceitam-se que dois homens tenham atos de afeto à vista de todos, mas criticam-se as origens e os poderes. Isto é também uma leitura interessante feita pelo texto da série, que evitou priorizar mais uma vez a discussão da sexualidade, limitando sem esquecer o tema, a apresentar esse dado com uma forma de estabelecer um universo em que a política (mesmo que não apresentada ou definida por este termo) é o real foco da discussão. Para além do subentendido e da discussão que se passa nos meandros da série não há nada que seja aplicável no imediato na nossa comunidade? Há. E o exemplo disso é a escolha da protagonista que poderia ter sido interpretada por uma atriz de qualquer etnia e com os mais variados traços físicos mas foi entregue a uma atriz asiática que vem romper com as medidas habituais das grandes produções e oferece inclusão e representatividade no imediato. Aquilo que para muitos poderá ser apenas uma forma de clamar pelo fator diferenciador que vai chamar a atenção dos media é um ponto fundamental para milhares de jovens com traços ponto representados neste tipo de projetos mainstream consigam olhar para o ecrã e sentirem-se, de facto, integrados na sociedade, além de verem desfeitos vários preconceitos e palavras menos bonitas no conteúdo da série, como o momento em que a Rainha pede que traduzam o que ela diz quando se dirige a Alina apenas por o seu aspeto físico indicar uma realidade que nem tão pouco é a dela.


Apesar de todo o enredo ser digno de nota pela construção cuidada com que nos foi apresentado, o grande fator que nos prende ao ecrã em Shadow & Bones são os personagens e as suas várias dimensões, mesmo com alguns defeitos pelo meio, mas já lá vamos. Inevitavelmente, o General Kirigan é o grande destaque da história, numa personagem que o texto se esforça para nos vender como alguém de boa índole mas que nos troca as voltas no final. O surpreendente nem é este primeiro plot twist mas a intenção, depois, de nos justificar os seus atos ao invés de nos deixar presos na habitual espiral de vilanias habitual nestas figuras de séries do género fantástico em que parece que todos já nascem predefinidos e categorizados na caixa do bom e do mau. Apesar das atitudes e do desenvolvimento desaguarem no mesmo resultado esse cuidado faz-nos ter alguma noção das suas atitudes e até gerar uma leve empatia e esperança numa redenção a médio prazo, que apesar de improvável caso aconteça é algo credível. Na verdade é essa índole dúbia que nos leva a colocá-lo no comparativo com Kylo Ren. Ambos são homens corrompidos pelo poder mas sobretudo com alguma mágoa com a sociedade que também não os tratou como iguais. Na verdade e recuando um pouco na nossa análise é apenas mais um exemplo da preocupação dos autores em apresentarem ao público o impacto que os juízos de valor da sociedade podem ter na vida de cada um, com o argumento a dar algumas voltas acrobáticas mas justificadas para nos dizer que os humanos regulares como nós podem ser culpados, devido às suas atitudes de alguns dos males que acontecem. Contudo, não há um total fechar de olhos do argumento aos atos praticados por Kirigan, tanto que depois se cumpre o objetivo inicial de o colocar na pele do grande antagonista levando com a ira dos restantes personagens, mas nem por isso deixa de ser uma leitura interessante a ter em conta.



E se nesse lado está tudo certo e chega mesmo a ser louvável, em que é que o argumento de Shadow & Bone falha? No desenvolvimento das relações afetivas. Não há volta a dar, esta é mais uma das séries que caiu na rapidez geral dos dramas românticos de adolescentes em que parece que um simples esbarrar de mãos se transforma num amor para a vida toda em que somos capazes de dar a vida pela pessoa. A forma como as relações de afeto na série são desenvolvidas até se poderia justificar por estarem a ser empoladas por situações de vida ou morte e viverem naquela bolha em que se cruzam apenas entre si mas não deixam de transparecer como recursos mal usados ao sabor do pouco tempo que tem para se dedicar a sustentá-los. Não é inédito, mas muitas das vezes isso traduz-se em personagens que são apenas figurantes num enredo que com alguma dedicação poderia retirar um melhor partido das suas personalidades. Isso acontece aqui com Archie Renaux que nos é apresentado como um grande nome deste elenco, mas que serve apenas para alguém com o currículo de Ben Barnes brilhar. O seu personagem Mal torna-se facilmente absorvido pelos restantes talentos deste enredo tornando-o apenas num personagem que preenche a testosterona do herói neste romance mas que pior que tudo é oco, porque vive apenas em função de Alina sem que lhe seja entregue um conteúdo que o faça ter impacto por si só. Chegamos ao ponto de ter menos interesse no seu arco do que temos, por exemplo no de Genya, que mesmo numa participação com menos espaço de ecrã é bem mais relevante e traz mais surpresas que nos conseguem realmente conquistar e deixar com a vontade de ver mais de si. Aliás, se formos sinceros, Mal é provavelmente o personagem com menor conteúdo e nem tão pouco é o par que mais química tem com a protagonista, Jessie Mei Li, esse papel cai que nem uma luva em Ben Barnes, que mesmo sendo o grande vilão nos convence a torcer para que aquela união aconteça.


Colocando toda a análise na balança, o comentário a Shadow & Bone não pode ser mais positivo. No ponto de vista de execução rivaliza com produções com um budget muito mais elevado, com a simplicidade e a realização a serem muito mais eficazes do que alguns shows de pirotecnia que vemos por aí, numa proximidade que até se torna mais realista e que casa com o pública na mesma “veracidade” com que a gigante do streaming nos brindou em Fate: A Winx Saga. É mais um claro exemplo da máxima que a empresa nos está a forçar a engolir que uma série não pode ser julgada apenas por um primeiro episódio e que mesmo o maior dos clichês quando é bem trabalhado pode resultar num produto com qualidade que o poderá tornar apelativo e realmente diferente. É um daqueles enredos que nos deixam poucas dúvidas de uma renovação a curto prazo e que tem margem de manobra para se expandir ainda mais no segundo ano, até porque temos praticamente todos os núcleos com questões em aberto para resolver e uma imensidão de conceitos que ainda podem ser aprofundados. A vontade com que ficamos nas cenas finais é de que os holofotes incidam um pouco mais no romance entre Matheus e Nina, que parece ter uma química interessante que pode facilmente conquistar-nos mais do que os próprios protagonistas da história, além de se ter tornado urgente vermos um pouco sobre a origem de Inej, que passou toda a temporada em busca da família mas que sacrificou o seu tempo de antena para se juntar ao grande evento desta temporada. Com muitos finais em aberto e muito caminho para onde ir, Shadow & Bone é a epopeia que nos conquista a partir do seu terceiro capitulo e que pelo seu ar mainstream vai encher-se facilmente de clubes de fãs, num caso claro em que merece as movimentações do público pelo cuidado da produção em não deixar cair, na sua generalidade, o foco no que realmente importa: a história.