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COMING UP | Nomadland [OSCARS]

Antes de escolhermos ver Nomadland é preciso estarmos preparados para ter um nó na garganta durante grande parte do tempo, tudo porque o filme coloca a protagonista num ponto de situação limite, num cenário em que no fundo parece ser a construção do nosso pior pesadelo enquanto sociedade consumista. O que encontramos à primeira vista em Nomadland é o cenário do medo, aquilo que todos, em algum momento da nossa vida adulta já tememos que nos pudesse acontecer. Ficarmos sem trabalho, e ver-nos sem nada, sem rumo e a termos de nos desafazer de tudo o que lutámos para construir. Contudo, apesar disso esta é apenas uma das mensagens que o filme nos passa numa narrativa que tem sempre dois objetivos utilizando o mesmo fio condutor. Se por um lado temos de encarar quase com lágrimas nos olhos aquilo que é a realidade em que Fern está inserida, por outro é também uma lição de como a felicidade se faz com pouco, desde que estejamos dispostos a aproveitar os pequenos prazeres que a vida nos dá, e isso está presente desde o início com o texto a dizer-nos cara a cara que Casa é apenas uma palavra, um termo ao qual dêmos um significado por comum acordo, mas que vai muito mais além da ideia material. A casa pode ser o mundo, desde que o conforto, o afeto e a felicidade estejam nela. É tudo isto que faz de Nomadland uma das principais promessas desta época de Oscars, e é tudo isto que torna a longa-metragem como algo memorável, mesmo não sendo inteiramente consensual e mesmo que nem todos conseguiam tirar o melhor partido da história, Nomadland parte com uma grande vantagem e nós explicamos-te porquê em mais uma edição especial do Coming Up na corrida aos Oscars. Fica connosco. 

Nomadland deixa-nos com a sensação de que podemos fazer uma dezena de paralelismos com várias outras obras, mas quando paramos um pouco para pensar e puxamos pela memória, há pormenores que enriquecem esta longa-metragem de uma forma que a torna única e portanto seria extremamente redutor engavetá-lo em comparações. Aqui o que temos é quase como um documentário que nos prova a tal ideia de que a felicidade é um conceito mais vasto do que aquilo que é expectável, e em cada partilha de experiências no filme temos mais certezas disso. Ser feliz vai muito além do que é material, e apesar disto ser uma frase feita, a verdade é que nas comunidades que são retratadas no filme há uma sensação de entreajuda que vai para lá do ecrã, que é genuína e nos faz até colocar em cheque algumas das opções que algumas vezes tomamos. Não ter nada é ter tudo e Fern apesar de andar às voltas para conseguir conquistar alguma estabilidade financeira tem do seu lado um grupo de pessoas que a enriquecem, que a valorizam e que não questionam o pouco que tem. Pessoas para as quais ter um pedaço velho de um armário é tão importante quanto para uma criança ter uns ténis da Nike. No fundo, além de todos os pontos positivos, Nomadland chega em boa hora numa fase em que muita gente tem de encontrar soluções para a falta de estabilidade, mas é acima de tudo urgente para mais uma vez funcionar como o choque de realidade que a nossa sociedade fortemente consumista precisa de ver, conhecer, e até viver pelos olhos daquelas pessoas, para entendermos como os afetos são importantes e nos fazem mais felizes que o dinheiro.



Fern tem todos os pontos que socialmente concretizámos como um completo falhanço. E é este lado humano, de alguém que é aparentemente um desastre e que aparenta precisar de ajuda que torna mais fácil criarmos uma ligação com a personagem. É fácil para nós enquanto público nos relacionarmos com todas as ideias e estereótipos associados a Fern, até porque mesmo que nunca tenhamos enfrentado situações tão graves em algum momento já tivemos algo que nos deitou por terra. Durante grande parte do filme vêmo-la a fazer todo o tipo de trabalhos, e entenda-se por todo o tipo de trabalhos, aqueles que mais ninguém quer fazer e que a grande maioria ainda tem o descaramento de rebaixar sem perceber o quão essenciais são, vêmo-la a agarrar com unhas e dentes qualquer oportunidade, por mais dura que seja e por incrível que parece ainda passamos por uma fase em que é criticada e olhada com algum desprezo, por não se conseguir “endireitar” nos ideias que nós instituímos como sendo perfeitos. Do alto de alguma superioridade, temos personagens que acham que estar nesta vida dura de se colocar na estrada e aceitar tarefas que são mais duras se trata de uma opção de ânimo leve, mas convenhamos que essas personagens que agora que estamos de fora criticamos são, na verdade, os olhos dos espectadores e daquilo que fazemos uns aos outros. Quando a carrinha deixa de funcionar o nó que já temos na garganta só aperta mais, porque a nossa empatia com a protagonista não nos deixa passar indiferentes às questões que lhe devem ter passado pela cabeça e aí sim podemos criar o paralelismo com a nossa vida e como cada percalço naquele momento parece ser o sinónimo do fim anunciado quando na verdade é uma curva para nos levar a um caminho um pouco melhor do que aquilo que temos como garantido. 


Mesmo que tenha uma mensagem muito forte na principal linha narrativa, este dificilmente será um filme consensual. Não é uma longa-metragem feita para ser objetivamente para todo o tipo de publico e isso nota-se pelo ritmo lento, pela passagem de tempo que é tão realista quanto possível e pela densidade que acompanha toda a vida de Fern. Nomadland esforça-se por nos mostrar cada etapa do caminho da protagonista para que com ela sintamos o peso de cada pedra que lhe colocam no caminho. É neste ponto de entramos na tal lógica de documentário que é criada desde o primeiro segundo, desprovendo-se dos clássicos fireworks para se apresentar como algo muito mais sério e cru. É apenas a realidade como ela é, e isso nota-se quando no final do filme o caminho escolhido é um pouco mais óbvio, porque nas nossas vidas é isso que acontece. Não estamos constantemente a ser influenciados como marionetas por um alguém que constantemente nos mete crimes pelo meio ou dramas super rebuscados que parecem cair no quotidiano num número de vezes tão grande quanto as que vamos às compras. Na análise do percurso traçado pelo guião, todas as escolhas foram acertadas, trazendo as mensagens certas, com o tal momento final a servir de último grito sobre o que é de facto a felicidade e de como às vezes as voltas que a vida nos faz dar nos levam a tomar opções mais improváveis mas não menos felizes. Quando Fern teve a opção de escolha, entre as memórias daquilo que tanto tinha lutado e a vida com amigos que tem do outro lado, decidiu colocar a casa física de parte e partir para aquilo que é o seu lar, o mundo. 



O toque de despojo de Frances McDormand foi elevado ao expoente máximo depois de já ter funcionado em Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, e vai provavelmente resultar, pela segunda vez no vencedor de um Oscar de Melhor Filme. A simplicidade com que agarra o papel é simplesmente brilhante. É precisamente o que este filme precisa para se tornar um sucesso: Uma atriz que não tenha medo de agarrar um personagem que tem imperfeições e que não o faça apenas a pensar que isso vai resultar numa indicação a um prémio importante. Não conhecemos Frances McDormand e por isso esta opinião é um pouco subjetiva, mas caso a intenção dela seja realmente sobressair perante a academia o que é certo é que pelo menos perante o julgamento do público conseguiu. Se tivéssemos de apostar as nossas fichas neste momento, a estatueta de Melhor Atriz já estaria nas mãos de Frances McDormand e sem termos de pensar duas vezes. Ela verdadeiramente incluiu-se naquela realidade ao ponto de parecer, mesmo um figura de um documentário e não uma atriz a dar vida a um papel. Parece que existiu um diálogo constante entre a interprete e a equipa de escrita, porque ou a artista se moldou de tal forma que tudo parecer ser orgânico ou então, e parece ser essa a opção mais provável, todas as sugestões que deu foram atendidas e incluídas. E ainda bem, porque Nomadland é bom, mas é sobretudo bom porque tem Frances como protagonista. Se fosse outra pessoa podia facilmente resvalar para uma caricatura, para algo muito elaborado e demasiado fora da caixa. Não é que acontece, com Frances temos realidade em todo as cenas em que ela está, confunde-se ficção e verdade.


Da banda sonora até à cinematografia, o embalo que nos dá é tão suave, empírico é simples que se torna fácil ser tocante e juntando isso à paixão da Academia de Hollywood por jornadas de vida que nos façam saltar para dentro da história, o Oscar já está mais que atirado para as mãos de Nomadland, numa vitrine que promete ser recheada de galardões e com algum mérito. Não que este seja o filme que vá realmente figurar nas listas de películas favoritas do público, mas tem uma vantagem do seu lado que poucos candidatos têm, a possibilidade de se tornar memorável, de ser um património para a consciência coletiva como outras epopeias que já se tornaram clássicos junto do público que aprecia o género. A direção de Chloé Zhao é um grande ponto positivo, pela forma como tudo é conduzido na tal sensação de passagem de tempo realista que falámos e nesse ponto ela sai disparada como front runner, apesar de essa não ser a vitória mais expectável para Nomadland. Em guião, não é o mais criativo mas tem o poder da mensagem forte que conquista e que pode facto ser um fator decisivo na disputa, enquanto que já conquista, com certezas quase absolutas, as estatuetas de Melhor Filme e Melhor Atriz Principal. É curioso ver como com agora que é uma veterana da indústria, Frances McDormand ganhou um impacto tão diferente perante os votantes. Ela torna-se num daqueles comebacks que vão ficar escritos no tempo na história de Hollywood, e muito bem, porque Frances, não tendo nada de Diva nos seus papéis, é um estrela no talento e um nome que tem de ser memorizado, Fern em Nomadland é apenas mais um exemplo num currículo que tende a ser esquecido em detrimento do que é mainstream e dos blockbusters que nos seus fogos de artificio requerem um terço do que Frances nos dá.