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Fantastic Entrevista - Jorge Albuquerque: "Os jovens procuram a ficção para poderem responder a questões relacionadas com a sua faixa etária"

Foto: Direitos Reservados

Jorge Albuquerque é ator e formou-se em interpretação pela Escola Superior de Teatro e Cinema e iniciou o seu percurso no teatro, tendo sido selecionado para integrar o elenco do Teatro Nacional Dona Maria II. Em algumas das peças de teatro onde participou, teve um papel ativo na encenação. No grande ecrã, além das diversas curtas-metragens em que participou, destacou-se ainda pelo filme A Vida do Avesso. Atualmente, podemos vê-lo no pequeno ecrã enquanto David Benvindo na novela da TVI Amar Demais. O Fantastic esteve à conversa com o ator para abordar o seu percurso.

Realizaste um curso de Formação de atores e, além disso, és licenciado em Teatro pela Escola Superior Teatro e Cinema de Lisboa. Somas ainda vários cursos e workshops, inclusivamente em Dança Contemporânea. Que importância achas que a formação tem no teu trabalho? Pretendes continuar a apostar na formação?

Sem dúvida. Os cursos e workshops são apenas um meio que encontrei para ganhar conhecimento enquanto ator e artista. Penso que a formação também se encontra em cada trabalho que faço e em cada experiência que tenho enquanto profissional. Por isso, sim. Acho importante o artista ser um curioso e até por vezes obcecado na sua procura. E sim, pretendo continuar a formar-me porque penso que não nascemos a saber tudo e as ferramentas que usamos enquanto atores vão sofrendo atualizações. E acima de tudo porque me dá prazer aprender algo novo.

Tens também uma Licenciatura em Design Gráfico. Como surgiu a representação na tua vida e quando é que sentiste que era esse o teu caminho, ao invés do Design?

O design gráfico surgiu na sequência de eu estar mais ligado às artes plásticas. Mas desde criança que a área da representação me interessa, mas como era mais tímido e reservado só na idade mais adulta e após terminar o curso de design gráfico é que perdi a vergonha e decidi procurar formação nessa área. Foi aí que decidi fazer o curso de representação da INIMPETUS, que me levou até á Escola Superior de Teatro e Cinema e a começar a trabalhar no Teatro Nacional Dona Maria II. 

No teatro, foste um dos atores selecionados a integrar o elenco do Teatro Nacional Dona Maria II com o qual colaboraste em diversas produções, entre elas “O Segredo da Arca de Trancoso” e “Cyrano de Bergerac”. Mais tarde, tiveste também um papel ativo na encenação de "Um precipício no Mar". Preferes assumir o papel de ator ou de encenador?

Eu tenho preferido sempre o papel de ator. Mas confesso que também gosto do papel de encenador/realizador (isto porque também me interessa o formato vídeo). Há muitas outras áreas dentro deste universo com as quais me identifico.  A experiência que tive enquanto encenador, relativamente aos projetos "Um precipício no mar" e a "A fascina", foi por necessidade. Queria ser eu a tomar as decisões de encenação por sentir a necessidade de criar um projeto de raiz com o meu pensamento e a minha sensibilidade.  Terei todo o gosto em passar novamente pela experiência de encenador. E cada vez mais me interessa criar nesse com essa responsabilidade.

No grande ecrã, contas também com vários projetos, desde as curtas-metragens “Caímos Juntos”, “Fidalga” e “Amuleto” à longa-metragem “A Vida do Avesso”. Que diferenças existem entre gravar para cinema e para televisão? Em termos de construção de personagem, há algo que mude?

Há sim. Penso que a grande diferença entre ambos é o tempo de maturação. Em cinema, principalmente no cinema independente, o ator ganha algum tempo para construir a personagem, pois o processo de pesquisa e experimentação são maiores, o que acaba por ter um resultado diferente de um projeto de televisão. Os projetos televisivos são projetos que surgem de forma rápida e as decisões que tomamos têm de corresponder a essa velocidade em que não temos os guiões nem os traços de personagem com a antecedência desejada. Para corresponder de forma eficaz às expectativas faço manutenção diária ou semanal como por exemplo, decorar texto, exercício físico e trabalhar características de personagem que possam ser mais distantes das minhas.

 

Foto: Direitos Reservados

“A Vida do Avesso” aborda de forma experimental temas como a falta de emprego e a socialização através do mundo digital. Essa proximidade da ficção com a realidade é algo que estimula a tua criatividade enquanto ator?

De certa forma sim. Tudo o que me liga a paradigmas atuais e universais acabam por ser uma ferramenta para a minha atividade. Interessa-me quando a atualidade é uma versão alterada do passado, ou, seja, os paradigmas humanos intemporais. Os temas humanos que não saem de moda.  Por isso, sim. O filme "A vida do Avesso" retrata algo que não muda apesar do avanço tecnológico. O humano adapta-se a esta evolução tecnológica e social, mas não deixa de ser humano.

Integraste também um projeto muito diferente do que fizeste até então, o “Panda Atelier 2”. Como foi trabalhar num projeto com a participação de tantas crianças? Pretendes, no futuro, continuar a explorar o lado da apresentação?

Sempre achei importante o ato de instruir. É nesta idade que as crianças começam o seu desenvolvimento cognitivo e penso que a educação determina, de certo modo, a forma como essas crianças vão lidar com problemáticas sociais e políticas na idade adulta. E também me divirto ao fazê-lo porque, como não têm tantos filtros nem preconceitos, as crianças acabam por questionar coisas que um adulto por vezes pode ter deixado de o fazer. A apresentação nunca foi um objetivo profissional. Mas não fecho portas. Gosto de novos desafios, do contacto com as pessoas e do carácter de improvisação associado à função

Contas ainda no teu currículo com várias participações, não só em telenovelas, como “Amar Depois de Amar” e “Alma e Coração”, mas, mais recentemente, fazes parte do elenco principal da novela Amar Demais, onde interpretas a personagem David Benvindo. Quais são as principais semelhanças e diferenças que encontras entre ti e a personagem?

Semelhanças encontro bastantes no que diz respeito ao seu carácter. Considero-me uma pessoa justa, íntegra e centrada naquilo que acho correto. Embora isso, por vezes, possa levar a uma certa inflexibilidade. O David tem um lado romântico com o qual me identifico, mas a maneira como o David expressa o seu romantismo por vezes pode divergir da minha. Já o lado sensível e artístico ligado à pintura, é uma característica que nos une. Mas há também características que nos separam um bocadinho, ele é rico e eu não (ahahah). Para mim foi um desafio interpretar este personagem pela sua simplicidade e pelos seus valores, por serem assustadoramente próximos dos meus. Sinto que é mais fácil interpretar qualidades que me são de certo modo mais distantes.

Participaste em alguns formatos infantojuvenis, como é o caso de “Morangos com Açúcar” e “Diário de Sofia”. Achas que fazem faltam formatos do género atualmente, em Portugal?

Sim. Tal como todas as outras gerações, os jovens procuram a ficção para poderem responder a questões relacionadas com a sua faixa etária. É uma idade em que se nota necessidade de afirmação pessoal. De uma forma geral foge-se aos pais e aos professores para responder a algumas questões relacionadas com as relações sexuais, por exemplo. Há com certeza pais e professores que conseguem criar uma relação mais aberta, mas é sempre mais fora do seio familiar que se procuram as respostas. E penso que é importante para formar a personalidade. Faz parte. Penso que a ficção pode ajudar bastante nesse sentido, pois retrata a vida de outras pessoas e há uma distância que os protege. Daí a ficção poder responder a muitas questões pessoais sem haver uma necessidade de o adolescente se expor.

Foto: Direitos Reservados

As séries e o streaming são duas das grandes apostas a nível mundial, que Portugal tem vindo a acompanhar. Como vês esta evolução na forma de fazer e de ver ficção?

O que eu observo no meio que me rodeia é que cada vez mais as pessoas consomem séries nessas plataformas. Por vários motivos. Por se poder ver à hora que se quer, por se poder escolher o que se quer ver, e por haver mais variedade na entrega de informação e de conteúdos ficcionados. Penso que daqui a 10/20 anos isso vai ser mais notório. 

No teu percurso integraste várias campanhas publicitárias. A publicidade tem ganho, cada vez mais, textos narrativos para vender produtos. Sentes que a publicidade será, a longo prazo, uma forma de experimentar novas técnicas de representação e filmagem?

Sim. O estereótipo de pessoas perfeitas já perdeu força e vê-se cada vez mais pessoas "reais" porque atualmente já ninguém se identifica com o conceito de pessoas perfeitas. O consumidor cada vez mais procura produtos de marcas que se aproximem da realidade do consumidor. Aliado a isso há marcas a investirem em publicidades mais ficcionadas. Enquanto consumidor, o que me atrai num produto é, não só o produto em si, mas também o conceito que o sustenta. A melhor maneira de me identificar com o produto é haver uma história associada. As publicidades que se aproximam de uma estética cinematográfica fazem-me parar para ver. Se será uma nova técnica de representação não sei, mas que resulta atualmente, sim.

Um dos grandes desafios deste projeto foi o facto de interromperem as gravações e retomarem com todas as medidas de segurança devido à COVID-19. Como foi trabalhar desta forma inédita?

Na altura em que o primeiro confinamento acabou e retomámos as gravações, não conseguíamos ver a cara das pessoas, tínhamos de evitar o toque ao máximo, apesar de termos sido previamente testados, e a preparação toda que antecede as gravações passou a demorar o dobro do tempo, devido a todas as novas medidas implementadas no set. A maior dificuldade foi adaptar as cenas de um guião pré-covid que tinha toque e beijos. Agora, com testes regulares e havendo mais conhecimento sobre o vírus, esta rotina já se torna mais ágil.  Mas naquela altura estávamos todos a tentar perceber como lidar com a situação. Nós e o mundo, claro.

Para além de ator, és ainda músico e integraste a banda “GULA” enquanto guitarrista. De que forma descreves este projeto? E como é que ele surgiu na tua vida?

GULA terminou em 2019, infelizmente. O vocalista mudou-se para a Finlândia e achámos por bem terminar o projeto, embora com algum custo. Era um projeto em português ao qual nos apegámos. GULA era um projeto de rock alternativo em que as letras incidiam desde os temas políticos aos amorosos, todos escritos, de certa forma, em poesia. Ainda há pouco tempo falei com alguns membros do projeto. Houve músicas que ficaram na gaveta e acabaram por não ser lançadas. Por isso não sei se num futuro próximo as músicas não serão lançadas. Apesar de GULA ter terminado iniciei um projeto musical com a minha namorada (a também atriz Helena Caldeira) durante o 1º confinamento, que se encontra neste momento em estado embrionário. Temos vontade de o terminar em breve e lançar assim que possível. É um projeto minimalista com influências desde Bjork, Billie Eillish, passando por Ornatos Violeta. É um projeto cantado em português. Temos produzido essencialmente em casa na sequência destes confinamentos.

Este ano, a Cultura voltou a parar, devido a um segundo confinamento. como olhas para a situação da mesma em Portugal? Achas que há muito a mudar nesta área?

A grande mudança que noto é nas companhias teatrais (as mais prejudicadas) que se estão a tentar a adaptar a esta realidade usando cada vez mais os meios digitais. Como também tenho o gosto pelo vídeo, tenho sido abordado por algumas companhias no sentido de poder adaptar para vídeo um espetáculo inicialmente pensado para ser apresentado ao vivo transformando-o para um formato mais aproximado do cinema/vídeo. Esta procura faz todo o sentido, embora, com muita pena minha. O espetáculo ao vivo nunca conseguirá ser substituído por outro formato e, vice-versa.

Quais são as tuas maiores inspirações nacionais e internacionais?

VOKA tem-me servido de inspiração para as minhas criações dentro das artes plásticas. Na representação há vários artistas que admiro, Edward Norton por exemplo. Realizadores, Tim Burton. A nível nacional, dentro do teatro, gosto do Teatro elétrico, Mala voadora, Meridional. Sigo sempre que posso o trabalho deles. No cinema gosto muito do trabalho do Canijo por exemplo, Ivo Ferreira, Marco Martins.

Se te voltássemos a entrevistar daqui a 10 anos, o que gostarias de estar a fazer nessa altura?

Gostava de estar a fazer mais cinema, séries portuguesas e estrangeiras. Gostava também de ter uma pequena produtora direcionada para a ficção. Na música gostava de ter 2 álbuns lançados, com a minha namorada Helena Caldeira, do nosso projeto (que em breve terá nome) e ainda de ter feito duas exposições do meu trabalho enquanto artista plástico. Sei que é muita coisa. Mas são 10 anos. Enquanto puder sonhar, vou fazê-lo. Pois foram os meus sonhos que me trouxeram até aqui.

Fantastic Entrevista - Jorge Albuquerque

Por Joana Sousa

março de 2021