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Entrevista DOP - Safiyah

Fotografias: Yasmina of Cairo

Safiyah é bailarina e professora de Dança Oriental e uma das poucas profissionais a nível nacional que se dedica a tempo inteiro a esta arte. Na terceira edição desta iniciativa entre Fantastic - Mais do que Televisão e o projecto Dança Oriental Portugal, a bailarina falou-nos um pouco sobre o seu percurso artístico, o desenvolvimento da Dança Oriental no seu concelho, em Mafra,  os desafios que enfrenta por viver apenas da Dança Oriental, as suas experiências e a mudança da sua abordagem à dança em vários países árabes, algumas dicas para quem pretende organizar os seus espectáculos, entre outros temas.

1. Como surgiu a tua paixão pela Dança e, em particular, pela Dança Oriental?
A Dança Oriental surgiu na minha vida como uma paixão arrebatadora, amor à primeira vista, com direito a borboletas na barriga e tudo. Dançava desde pequena nomeadamente Modern Jazz e Contemporâneo e fui viver para Londres em 2006 para estudar Arquitectura. Foi aí que senti saudades de dançar e comecei a procurar aulas. Aulas de “dança do ventre” surgiram como opção mas, mesmo assim, estava reticente devido à ignorância de que seria demasiado fácil para mim. Por outro lado sempre tive grande proximidade com a cultura árabe, arte islâmica, antiga civilização egípcia através do estudo da História de Arte.  Inscrevi-me nos famosos Pinneaple Studios e fui experimentar diversas aulas. Enquanto aguardava pela minha aula de Modern Jazz, assisti a uma aula de Dança Clássica Egípcia com uma professora chamada Asmahan de LA, que tinha vivido e trabalhado nos anos 70/80 no Egipto. Ela entrou pela sala com um charme nunca antes visto, sentido e cheirado, pois deixava um rasto de perfume por onde passava… era hipnotizante. E a aula começou com mulheres e homens tão diferentes, de todas as idades, todos libertos e sem preconceitos. A música começou e o que vi, ouvi e senti ficou-me marcado até hoje. Não tinha encontrado apenas uma dança que me servia por dentro e por fora, mas sim entrado num mundo ao qual já pertencia sem saber. Basicamente a minha vida recomeçou ali, naquele momento, desisti do curso e virei tudo do avesso para me dedicar esta expressão artística. 

2. Em árabe, ‘Safiyah’ significa pureza. Porque é que escolheste este nome artístico?
É uma história curiosa porque eu nem procurava ter um nome artístico pois o meu nome já era invulgar em Portugal. Primeiro quis ter um nome artístico para me distinguir antes da Dança Oriental entrar na minha vida, depois pensei em acrescentar um apelido árabe como era comum fazer. No meio disso tudo não decidi nada. Até que uma vez fui dançar num restaurante dum professor egípcio no Ateneu Comercial de Lisboa e ele perguntou-me pelo nome artístico para me apresentar ao público. Eu disse que não tinha. Ele disse que tinha que ter. Então lembrei-me que tinha falado em nomes com a minha irmã mais velha que foi também quem escolheu o meu nome de berço. Ela gostava de Safiyah devido ao seu significado, grafismo e sonoridade. Eu contei-lhe isso e ele disse que eu passaria a ser a Safiyah e assim foi. Hoje em dia não é apenas nome artístico e sim alcunha, pois a maioria das pessoas, mesmo mais próximas, me trata por Safiyah ou Safi. Hoje faz-me todo o sentido, não por me considerar pura mas sim por ser algo que eu procuro em todo o lugar, nomeadamente na dança. 

3. És professora de aulas regulares na Ericeira e em Mafra. Podes falar-nos um pouco sobre o teu método de ensino?
Honestamente, método é algo que tenho no meu ensino apenas nos últimos anos, pois é algo que demora muito tempo a adquirir com a experiência e com as formações que faço continuamente. Actualmente posso afirmar ter um método que visa proporcionar aos alunos um equilibro saudável entre aprendizagem e lazer, adequado aos objectivos de cada um e sem descurar do que considero crucial para a sua prática. Ensino sobre tudo desde o início e depois vou adicionando dificuldade, complexidade, acessórios e estilos de dança mais específicos. Crio camadas de aprendizagem com liberdade suficiente para crescerem e evoluírem na dança ao seu ritmo, crio desafios constantes e abordo diferentes estilos e perspectivas para depois se especializarem no que quiserem… ou não. No fundo tento ser o mais eclética possível e dou as doses necessárias de consciência corporal, técnica, teoria musical, contexto histórico-cultural e expressão artística adequados a cada nível. A dança é um exercício físico, intelectual e artístico. Estes três pontos são desenvolvidos nos alunos desde o dia um. Eu não ensino um único movimento sem esmiuçar ao máximo toda a informação e contextualização que isso comporta. Dou a cana e ensino a pescar, mas depois cada indivíduo é um ser livre para dançar o que quiser e como quiser, desde que tenha profundo conhecimento sobre o que está a fazer, para depois encontrar a sua própria forma de expressão.


4. Como analisas o desenvolvimento da Dança Oriental no teu concelho, em Mafra desde que iniciaste a tua formação artística?
Esta é uma zona difícil para falar em desenvolvimento artístico, como em Portugal em geral. Talvez porque fui quase sempre a única professora desta modalidade na zona desde que me mudei para cá em 2008, tendo tido apenas conhecimento de haver algumas aulas com a bailarina Tânia Luiz e agora a Vera Mahsati, com quem colaborei, e que também desenvolve aqui o seu trabalho. Então tem sido solitário e com grande esforço, quase sem grande apoio. Eu produzo espectáculos, colaboro com diversos artistas locais (teatro, poesia, circo, música, outros estilos de dança), comecei por alugar espaços para dar as minhas aulas e entretanto fui convidada para dar aulas em escolas de dança que surgiram, faço a divulgação e tenho feito quase tudo o que existe sobre Dança Oriental no meu Concelho. Nos últimos anos tem aumentado a procura de alunos, já tenho um público fiel nos espectáculos e participei nalguns eventos locais importantes, como por exemplo, na celebração quando a Ericeira conquistou o título de Segunda Reserva Mundial de Surf. Desde aí que a Ericeira cresceu imenso e é uma vila quase cosmopolita de tão turística e internacional que é, por isso acabo por ter também bastante procura para eventos turísticos. Por ser um meio pequeno, também já sou mais ou menos “reconhecida” como “aquela bailarina” de Dança Oriental. É giro e gratificante esse carinho, que foi todo conquistado às custas do meu esforço por divulgar a DO localmente e da preciosa ajuda dos meus alunos, família e do público que me acompanha ano após ano.

5. Já viajaste por vários países árabes, como Marrocos, Jordânia, Palestina, Omã, Egipto, Emirados Árabes Unidos. O que mudou na tua abordagem à dança com estas visitas?
Tudo. Mudou tudo. Não seria possível saber, compreender e sentir a Dança Oriental como a sinto hoje sem ter viajado e aprendido lá. Esta dança não tem apenas raízes passadas nesses países, é uma herança cultural presente em termos geográficos e demográficos nomeadamente do Egipto, Turquia e Líbano se estivermos a falar de Raqs Sharqi. Danças tradicionais beduínas ou folclore já são outro assunto que também se cruzam com esta dança. Não dá para colocar em palavras como é estar nas margens do Nilo, mergulhar no Mar Vermelho ou atravessar um Wadi, sentir aquela temperatura, vaguear entre os bazares frenéticos, ouvir e tentar falar aquela língua tão rica, cruzar entre as pessoas nas ruelas estreitas ao compasso delas e não do meu. Tudo isso nos dá clarividência sobre a arte que desenvolveu ali. É preciso lá estar e largar qualquer preconceito e ideia de que é tudo exótico para nós, diferente ou até grotesco. Temos que estar presentes e ser humildes,  ouvintes, aceitar, ter sede de aprender, ser uma tela em branco e andar ao ritmo do povo que visitamos. Só assim percebemos a dança, a música e tudo o que isso envolve.


6. Há quase 10 anos que vives apenas do teu trabalho na Dança Oriental. Quais são as maiores vantagens e também os maiores desafios que tens de enfrentar no teu dia-a-dia por viveres da Dança Oriental?
A maior vantagem é poder focar a 100% no meu trabalho. Eu respiro Dança Oriental e toda a sua atmosfera 24h por dia. Isso dá-nos uma dimensão absoluta da nossa arte porque qualquer outra actividade que nos crie preocupações, foco, planeamento e compromisso vai roubar tempo à criatividade e objectividade. Obviamente que tenho mais 1001 interesses, até musicalmente tenho gostos distintos, mas a dança é a minha prioridade. Por isso, um artista fica mais completo quando não tem que compartimentar a sua arte com mais nada, a não ser a gestão óbvia de tempo com outras funções e papéis que tenhamos na vida. Desvantagem? Sou artista em Portugal. Nunca sei que trabalho vou ter, quanto vou ganhar ao final do mês e pertenço a uma classe trabalhadora que ainda é bastante desvalorizada e discriminada a nível social e económico. O perigo disso é poder cair na tentação de tomar decisões com base na sustentabilidade do meu trabalho. Contudo, obrigo-me a pôr sempre os meus princípios como bailarina e ser humano acima de qualquer tendência de mercado, custe o que isso custar.

7. És uma bailarina que, enquanto solista, trabalhas apenas com a improvisação. Podes explicar-nos o motivo e falares-nos um pouco de como é o teu processo criativo?
É uma questão interessante pois ainda há pouco tempo expliquei a algumas alunas que improviso não significa não haver trabalho prévio, pelo contrário. Eu pesquiso, ouço, estudo, faço uma leitura musical minuciosa, pratico e ensaio as músicas que danço dezenas a centenas de vezes. Eu ouço as músicas que danço sentada ou deitada de olhos fechados a maioria das vezes para captar todos os pormenores. É como olhar para um tapete persa, há sempre um detalhe novo. E continuo a preferir dançar algumas músicas do meu vasto repertório musical do que músicas novas que ainda não trato por tu. Há musicas que danço há quase uma década e ainda digo: “um dia vou voltar a dançar isto mas muito melhor”. Eu danço quase sempre de improviso porque é como me faz sentido e me permite ser mais versátil, expontânea e verdadeira. Eu já coreografo muito para mim como estudo e para alunas de diferentes níveis, seja a solo ou em grupo. O processo coreográfico é importante para enriquecer o vocabulário, melhorar técnica, desenvolver combinações mais complexas e interpretações mais criativas. Por outro lado, uma dança nunca será totalmente genuína se inteiramente premeditada. Premeditar, projectar e planear são antónimos a êxtase e eu prefiro dançar num registo de total entrega ao momento. Por vezes corre bem, outras vezes não, tal como uma coreografia. Além disso, é por uma questão de convicção e logística. Raqs Sharqi (Dança Oriental) é uma dança maioritariamente improvisada, que é apresentada em ocasiões diversas como restaurantes, hotéis, bares, casamentos, feiras históricas, festivais e auditórios. Estou muito habituada a dançar com músicos ao vivo que já por si é imprevisível, músicas longas, fazer espectáculos conceptuais com algumas trocas rápidas de roupa. A solo não tenho tempo para criar uma coreografia para cada trabalho, por isso prefiro ser capaz de adaptar a dança ao espaço e à ocasião. Essa capacidade que desenvolvi ao longo dos últimos anos permite-me improvisar com confiança mesmo em palcos e espectáculos mais longos. O outro motivo é: as músicas que danço. Na maioria das vezes danço música mais tradicional, clássica ou erudita… cheias de contrastes e improvisos instrumentais. Rotina oriental, clássico egípcio ou turco, taksims, baladi e solo de percussão danço sempre de improviso. Folclore e fusão já costumo coreografar. Acabei por explicar às alunas que um improviso é uma coreografia criada no momento para aquele espaço, pois também é uma criação que obriga a grande capacidade de resposta imediata e sincera à música, ao que sentimos naquela altura e a toda a atmosfera envolvente.
 
8. Produzes vários espectáculos com a participação de alunas e de músicos convidados. Tendo em conta a tua experiência, podes partilhar algumas dicas para quem também pretende organizar os seus próprios espectáculos?
Bem, eu também gostava de receber essas dicas porque não é fácil (risos). Para já, acho que o ideal seria termos produtores de espectáculos a produzirem os nossos espectáculos, tal como é preciso técnico de luz, som e mais equipa técnica. Tendo em conta a realidade e falta de orçamento, tenho que fazer quase tudo e isso é muito exaustivo, o que rouba tempo e “sumo” ao resto da criação. Por isso, eu aconselho a simplificarem e apostarem mais na qualidade do que na quantidade. “Menos é mais” é uma máxima sob a qual me rejo desde os tempos das Belas Artes. Também é importante pensar e organizar tudo com bastante antecedência, prever todos os imprevistos e ter plano B e C caso alguma coisa falhe. Primeiro crio o conceito ou tema para o espectáculo, começo a escolher as músicas e, à medida que vou criando as coreografias, vou vendo que camadas de adereços em termos de cenário, entradas e saídas, etc, posso adicionar. Tudo funciona à volta do tema e da importância de criar uma história ou provocar um carrossel de sensações, com princípio, meio e fim. Depois é importante ensaiar e planear tudo ao pormenor. Eu já realizei espectáculos em que entram alunas e/ou profissionais de dança e de outras áreas artísticas, contudo nunca me satisfaz apresentar um mero sarau mas sim criar um espectáculo conceptual para um público mais eclético e familiar e não apenas para a comunidade da Dança Oriental. A minha dica é apostar na qualidade, organização minuciosa, contactar pessoas dentro do meio (eu participo em espectáculos organizados por produtores de profissão) e começar de forma simples para que corra tudo bem. Não pode haver falhas técnicas e logísticas, atrasos, nem silêncios/tempos mortos. Temos que ser extremamente profissionais mesmo que a produção e elenco não o sejam oficialmente.


9. Que características achas indispensáveis num professor de Dança Oriental?
Esta pergunta não me deixa confortável porque considero que nem eu nem ninguém tem autoridade para dizer o que é indispensável num professor de Dança Oriental. Até porque eu sou professora e aluna… infinitamente. Posso apenas dizer o que eu procuro num professor de Dança Oriental e o que eu exijo para mim. Primeiro depende no momento em que o aluno se encontra. Ao longo da minha carreira e aprendizagem sempre procurei características e métodos diferentes nos meus mestres de forma a melhorar algo ou a adquirir algum conhecimento específico. Por isso, para mim o melhor é ter, no início e regularmente, um professor com metodologia de dança e didática, conhecimento sobre o corpo (anatomia e fisionomia) e obviamente bastante entendimento sobre a Dança Oriental. Depois complementar e aprofundar com vários professores especialistas em cada tema/estilo que tenham uma forma de comunicar que nos seja cativante e perceptível, nomeadamente dos e nos países de origem. Ir à fonte ou pelo menos ter aulas com quem vai à fonte, é o ideal.

10. Já participaste no Rakkas Istambul (Turquia), Ahlan Wa Sahlan (Egipto) e Ishtar Congress (Dubai). Podes falar-nos um pouco das semelhanças e diferenças que encontraste em cada um deste evento?
A única semelhança que encontrei nesses festivais foi serem festivais internacionais de Dança Oriental onde dançam bailarinos profissionais e amadores, há espectáculos, workshops e concursos. Em relação às diferenças irei falar de cada um. O Rakkas Istanbul é um festival muito antigo e já mítico, desde o tempo em que só havia uma meia dúzia de festivais no mundo e um deles teria que ser numa das “capitais" desta dança. O seu ambiente é muito familiar, tem uma atmosfera excelente e onde me sinto em casa. Aliás, Istanbul é como a minha segunda casa, a minha preferida e uma das cidades mais bonitas do Mundo. É muito gratificante poder dançar e ensinar lá! O Ahlan Wa Sahlan é o festival mais conhecido do mundo e fica na Meca da Dança Oriental. Eu sonhava lá ir desde que contactei com esta dança mas, devido à situação económica e política do país, já não é o que era. Centenas ou milhares de participantes internacionais fechadas num hotel a fazer inúmeros workshops, concursos e espectáculos intermináveis. Nem a música ao vivo é tão fascinante como era há uma década atrás, onde escassa os instrumentos que caracterizam a música egípcia. No Cairo que amo prefiro fazer aulas particulares com professores locais, sair pelo meio do caos da cidade, andar nos mercados, visitar museus, os ateliers dos designers e assistir a verdadeiros espectáculos de dança. De qualquer forma, é um evento grandioso onde vale a pena ir uma vez na vida mas que exige grande investimento. O Ishtar Congress, no Dubai, é bastante familiar e mais selectivo. É um evento que está a dar os primeiros passos e tem tudo para ser grande, cheio de glamour e muito bem organizado.  Tem um programa excelente de aulas e tour pela cidade que o diferencia dos outros festivais. Não é só um evento, é uma experiência. Sou suspeita porque fui artista convidada para a primeira edição num Emirado Árabe que já conheço bem e que deslumbra sempre. Qualquer um destes festivais são oportunidades únicas para conhecer estas cidades e ter um contacto mais directo e vivo com as tais fontes de que falei anteriormente, no entanto convém sempre sair do hotel e conhecer a dança e cultura localmente.



11. Em 2018, participaste em dois concursos de Dança Oriental nacionais e um internacional e tens também alunas que participam em competições. Qual é a tua opinião sobre os concursos nos festivais de Dança Oriental?
Eu nunca fui muito apologista de concursos, pela convicção de que arte não é competitiva. Ponto. Dança é arte e não desporto, por isso para haver concurso tem que haver pontuação e pontuar significa classificar por número. Arte não pode ser quantificada. De qualquer forma, não sou uma pessoa sempre dogmática e nunca disse que nunca iria a um concurso ou que abomino a ideia, apenas está no final da lista das minhas prioridades e interesses. Em 2018, quando fui ao Ahlan Wa Sahlan percebi que pagava o mesmo para concorrer ou para dançar em open stage e assim é em muitos sítios. Por isso, apostei nisso para hipoteticamente ganhar um prémio. É para isso que servem os concursos, ganhar prémios e todo o dinheiro ou brinde que viesse por acréscimo seria bem vindo. Entretanto, já me tinha inscrito no ODW em Portugal porque também iria participar uma aluna minha pela primeira vez e fomos as duas. Ela ainda conquistou o 1º lugar na categoria infantil e posteriormente o 2º em amador. Também concorri no Dancing World Festival porque tinha aquela data livre, ia fazer workshops naquele dia, queria dançar uma música que me estava no ouvido num bom palco e boas luzes e teria um bom registo. Agora que já concorri, já me sinto confortável em tecer uma opinião sobre os mesmos. Acho que servem apenas para a organização dos festivais ganhar dinheiro para sustentar os mesmos, o que compreendo. Servem essencialmente para quem está a começar, ter uma oportunidade para dançar em palco e desafiar-se. Não acho que seja uma forma de evolução, pelo contrário pois o estilo requisitado para dançar em concursos é diferente do que temos que ter para dançar quando trabalhamos a sério. Pessoalmente, acho que foram os momentos mais vazios que senti a dançar: cronometrada e quantificada. Mesmo que ganhasse algum prémio nada compensaria o que senti a dançar: pura castração. Prefiro juntar-me a músicos, dançar sem julgamentos, ser paga pelo meu trabalho e crescer como bailarina palco a palco.


12. Qual a tua visão sobre o nível da Dança Oriental nacional?
Penso que cresceu muito na última década. Temos cada vez mais e melhores artistas e, graças também a alguns eventos de grande dimensão, fomos colocados no mapa internacional da Dança Oriental. 

13. O que achas que se pode fazer para a Dança Oriental se desenvolver mais em Portugal?
A Dança Oriental em Portugal carece de novos alunos e de chegar a um público mais vasto. É uma dança ainda muito marginalizada, “exótica” e vista como uma arte menor face a outras formas de dança. Em parte devido à ignorância cultural generalizada e também devido à fraca oferta que nós artistas oferecemos. Realizamos e colocamos demasiada energia em festivais que servem apenas para a comunidade fechada da Dança Oriental e realizamos poucos eventos e iniciativas que sejam mais amplas e conceptuais para chegar a toda a família. Precisamos de fazer menos e melhor, ter bailarinos mais profissionais e não mais bailarinos profissionais, trabalhar com produtores, técnicos e juntar-nos a pessoas que percebem e trabalham no mundo do espectáculo e criar oportunidades para mostrar a beleza, excelência e riqueza desta dança.

14. Podes dar algumas dicas às bailarinas que querem seguir a Dança Oriental de forma profissional?
Aconselho essencialmente a estudarem muito porque hoje em dia têm o privilégio de ter acesso a informação e formações que eu não tinha quando comecei. A ideia é que as gerações futuras aprendam com as passadas e saibam mais ainda e não menos. Sejam exigentes e rigorosos no vosso trabalho e não cedam à tentação de tomar decisões a pensar no mercado. Isto é arte, sejam artistas, sejam vocês mesmos com a humildade de aprender sempre com os outros. Vão beber principalmente da fonte e giram muito bem o vosso tempo e dinheiro. É preferível esperar uns anos a juntar para ir ter formação à origem com professores locais e sentir o ambiente lá, do que participar em inúmeros festivais e workshops várias vezes por ano, todos os anos e nunca chegar a tocar onde realmente importa. Façam formação mais intensiva e especializada com professores qualificados em diferentes áreas. Estudem o corpo, a dança, didática (se quiserem dar aulas) e o contexto histórico cultural da mesma. Respeitem a arte e cultura que estão a representar e não apenas a vendam.

15. Podes nomear uma actuação de Dança Oriental/Fusão que te marcou? Quais as razões que te levaram a sugerir esta performance?
Escolher uma é muito complicado, por isso vou nomear um momento e um vídeo que uso como referência até hoje. O momento foi quando vi a bailarina Dina entrar pela primeira vez em palco, depois de ter feito aulas com ela, no Cairo. Não sei se foi a música ou realmente o magnetismo dela, eu chorei desalmada de tão emocionante que foi. Talvez por ser quem é, que nem se quer é das minhas favoritas, mas a sua natureza em palco era demasiado natural, real, autêntica e única. Agora eu nomeio o vídeo da Mona Said a dançar um Baladi Taksim. É soberbo. Tão simples e tão perfeito. Está tudo lá, o ABC puro e cru do Raqs Sharqi ou Raqs Baladi neste caso. Eu vi este vídeo pela primeira vez e disse-me “é isto”! A alegria e prazer que ela sente a dançar com cada movimento a bater não só na nota mas também na cadencia cardíaca certa, é contagiante. Para mim um dos vídeos/actuações referência da nossa dança. 


16. Quais são os teus próximos projectos e objectivos profissionais?
Bem, na realidade os meus projectos e objectivos profissionais futuros deveriam ser presentes, até acontecer esta pandemia. Um dos projectos é uma novidade que surgiu espontaneamente por estar grávida. Farei algo relacionado com a maternidade e a Dança Oriental onde irei partilhar a minha experiência pessoal e demonstrar os benefícios da dança nesta etapa da vida duma mulher.

Depois quero continuar com o meu projecto que iniciei em 2019 de organizar viagens personalizadas a Istambul, Cairo e Dubai para bailarinos (profissionais e/ou amadores) e entusiastas por esta dança e cultura. Já realizei estas viagens em formato experimental e correu muito bem. Estou ansiosa por repetir! Como tenho bastante proximidade com a cultura e já conheço minimamente bem as cidades e a cena da dança local, criei um programa de forma a proporcionar uma experiência rica e autêntica.

Como professora pretendo ter novo formato de ensino e ter uma alternativa mais especializada e intensiva às aulas regulares semanais. Irei, quando tudo melhorar e poder voltar aos estúdios de dança, lançar cursos intensivos com certificação pelo CID, para alunos que queiram aprender de forma mais profissional. Gostaria igualmente de criar um grupo profissional de dança para actuações. Sou muito solicitada para eventos particulares, empresariais e corporativos que, por vezes, exigem mais bailarinos. Já trabalho regularmente com músicos e agora gostaria de  aumentar a “equipa”.

Por fim, quero continuar a apostar em espectáculos e eventos de maior dimensão e produção para um público mais generalizado. O meu maior sonho e objectivo é levar a Dança Oriental aos maiores palcos do país e quiçá lá fora. Acho que esse é o sonho de qualquer artista. 

Entrevista DOP - Safiyah
Por Rita Pereira
Março de 2021