COMING UP | Tribes of Europa
A inesperada aclamação da fórmula repetida. Esta é a frase que pode traduzir muito do que é a experiência trazida pela nova aposta alemã da Netflix. Depois da ousadia de Dark, que veio forçar os traços da qualidade das produções europeias, em Tribes of Europa regressamos à típica matemática de construção que já resultou noutras produções. Porém aquilo que poderia ser um grande entrave resulta numa subversão de tempo que acelera a narrativa, ajudando a nos conectemos emocionalmente com cada núcleo de uma forma muito mais imediata. Estamos perante mais um caso que confirma a teoria de que menos é, de facto, mais, com muitas escolhas acertadas que conseguem chegar a mais públicos do que os habituais fãs da destruição apocalíptica. Esta é uma trama consistente, que tem uma introdução demasiado longa mas que se torna necessária para criar impacto, com o velho jogo de conexão de núcleos de forma inesperada e sem se esquecer de amarrar as várias pontas soltas que as epopeias deste género vão deixando como rasto. Começamos no topo, com potenciais de se tornar em algo épico, mas vamos acalmar expectativas e rezar apenas pra que os argumentistas continuem a saber separar o trigo do joio entre os clichês que servem para a trama e os que são apenas mais do mesmo. Fica connosco, nesta edição do Coming Up vamos contar-te todos os pontos positivos presentes no mais recente sucesso da Netflix!
Numa história em que a trama se multiplica por vários núcleos numa jornada para conseguirem reunir a família, Tribes of Europa vem carregar um legado que é semelhante ao de Game Of Thrones, onde além da semelhança na construção da trama, há personagens cujas personalidades somam semelhanças com alguns dos protagonistas da saga de Westeros, mas já lá vamos. Por enquanto, e centrando-nos apenas na forma como o argumento se vai desenrolando, o esquema de separar os núcleos até pode estar mais que utilizado em séries recentes, mas mesmo neste ponto de reciclagem de uma fórmula já utilizada, a nova aposta alemã ganha pontos por conseguir que todos os arcos se desenvolvam de forma coerente e interessante, muito mais do que em The Witcher, por exemplo, e sem as habituais complexidades provocadas pelas timelines. Com tudo a acontecer em simultâneo e dentro do mesmo território, Tribes of Europa consegue superar aquele que é um dos maiores problemas em tramas que têm por base jornadas de heróis. Mas claro que para que tudo isto funcione há ainda um outro fator digno de elogio, a boa gestão de personagens. Não sentimos em momento algum que existam figuras desnecessárias nos enredos, quem toma parte ativa, mantém essa parte ativa até encerrar a sua participação. A redução significativa do número de figuras na história é um dos principais louvores que têm de ser dados à história, por nos ter impedido de cair em reviravoltas sem sentido que retiram espaço de antena aos principais agentes da ação.
Os três arcos dos irmãos saem sem mácula em Tribes of Europa. O mais interessante talvez seja o de Kiano, que segue a clássica trajetória de herói que bebe das influências da Odisseia de Homero em tempos modernos e que tem como vilã Varvara, um espécie de paralelo futurista da personalidade de Cersei de Game of Thrones mas ainda mais sádica, se é que é possível. Este é o arco mais rico em termos de mitologia e aquele que tem, consequentemente mais destaque. As linhas narrativas construíram-no dentro dos limites da nossa expectativa até à reviravolta final, que apesar de algo previsível consegue atingir-nos como um flecha, fruto da tal introdução prolongada que falámos anteriormente. O único detalhe a apontar neste arco, seria a rapidez com que tudo flui, é tudo um pouco abrupto, num universo que tem tanta margem de manobra por onde explorar. Esperemos que o futuro de Kiano se cruze mais vezes com as influencias de Spartacus, porque essa visão grega que pauta a sua história tem tudo para trazer bons resultados. Por outro lado, o núcleo que envolve Liv arranca muito bem e termina, também, com um excelente plot twist, mas pelo meio a sua cruzada é a que menos força tem para nos prender ao ecrã. A personagem apresenta-se com uma sede de justiça que é, em grande parte, paralela à de Arya Stark, e passa grande parte do tempo em idas e vindas que só vão ganhar um sentido na trama da próxima temporada. Valeu-lhe o fator surpresa de, ao contrário do que seria de esperar, não caber a ela o papel do casal romântico que a maioria das histórias tem. Há um romance, mas está longe de ser aquele amor exacerbado nascido do nada que arrebata o público.
Chegamos a Elja, naquele que é o arco mais consistente da série. O personagem é exatamente aquilo a que se propõe na velha lógica do rapaz escolhido para uma tarefa fundamental que vai salvar toda a humanidade, tão antiga quanto as origens de Harry Potter ou Lord Of The Rings. Do seu lado tem uma saída genial da equipa de autores, que coloca como grande epicentro de Tribes of Europa o poder de Atlântica. Se há um fator que realmente distingue as tramas europeias das que vêm da América é o facto de sabermos muito bem cruzar os mitos antigos com a construção de enredos. É o caso aqui. A história bebe de um fonte de poder que já está enraizada na cultura da maioria de nós, mais que não seja pela película da Disney, para não perder tempo a explicar a importância e significado do grande trunfo que todos buscam nesta narrativa. Sabendo desse poder e juntando isso com o facto de nos apresentar um protagonista que se despe da pele de valentão para assumir uma postura mais tímida, Tribes of Europa, entrega uma proposta consistente em todos os arcos. É pelos olhos deles que conhecemos o universo, sem explicações demasiado longas que façam os diálogos cair para algo chato, e conseguimos entender tudo, até mesmo as leves influencias do mundo futurista de The 100 ou da visão de futuro de The Walking Dead. São contextos diferentes mas há traços comuns que foram aproveitados para entregarem ao público uma falsa “credibilidade” daquilo que socialmente já imaginamos como o futuro do nosso planeta.
Nenhum dos três atores principais é especialmente carismático. Mas essa simplicidade atribui-lhes a visão de pessoas reais que serve de forma perfeita os moldes que Tribes of Europa pretende entregar. Emilio Sakraya tem, contudo, uma performance algo surpreendente. Há uma clara divisão entre os três primeiros capítulos e o restantes na interpretação. Quando o drama toma, de uma vez por todas, conta do arco de Kiano, o ator consegue beber essa melancolia para nos apresentar uma depressão profunda no seu personagem. A inexpressividade inicial acaba por jogar a favor do ator e dá nuances interessantes ao personagem, ajudando a fazer sobressair o bom trabalho da equipa de argumentistas. Oliver Masucci parece ter servido de mentor dentro e fora do ecrã para David Ali Rashed. A contracena entre os dois é uma fusão instantânea, por mais repetida que seja a fórmula que junta os dois personagens, a empatia dá-se desde o primeiro minuto. Masucci rouba grande parte das vezes os holofotes, num papel cheio de ângulos. Aliás, podemos arriscar dizer que Moses é o personagem mais rico da história, com direito a vários momentos de comédia, registo no qual o ator se destaca, e ainda com uma ambiguidade de carácter que lembra bastante o médico do filme da Disney sobre a cidade perdida no fundo do oceano. Já David Ali Rashed parece passar uma grande parte da série retraído na timidez do seu Elja, que claramente se tornou num entrave gigante para mostrar a dimensão do seu talento.
Em resumo, todas as fontes de inspiração de Tribes of Europa resultaram num cocktail saudável, fazendo com que cada ingrediente que foi retirado de outras produções de sucesso fosse encaixado perfeitamente num puzzle que tem, certamente, muito mais para apresentar. O primeiro capitulo é, mais uma vez, aquele tem menos força, seguindo uma lógica recente da Netflix que guarda todos os trunfos para o final. Certamente a segunda temporada não deverá demorar a ser confirmada. E neste caso, merece mesmo uma continuação, porque terminamos os seis capítulos que compõem a primeira season com a leve sensação de que ainda estamos no hall de entrada para algo muito maior dimensão. Acho que não erramos se afirmarmos que ainda não vimos nada do potencial de Tribes of Europa. É uma epopeia, no verdadeiro sentido da palavra, mas é uma daquelas que consegue surpreender até mesmo na escolha dos clichês que são usados. Esperemos que a sequência traga, ainda mais, lutas épicas e explore um pouco mais da visão futurista que, de acordo com o que depreendemos até aqui, tem detalhes que podem ter papéis ativos em vários dos arcos que constroem a série. É uma aposta ganha, bastante europeia, e que serve as expectativas dos fãs de sagas como Game of Thrones, His Dark Materials ou The Witcher com maestria.
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