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Viajar Porque Sim | Roteiro em São Miguel

Não há discussão possível, e não sou a única a partilhar desta opinião: o arquipélago dos Açores é um dos mais bonitos do mundo. São nove ilhas, cada uma com as suas particularidades e a merecer visita demorada – ou seja, nove motivos para viajar.

A minha sugestão deste mês é um pequeno roteiro para conhecerem alguns dos locais mais incríveis da ilha de São Miguel, que é uma das que tem mais ligações aéreas com o continente e portanto das mais fáceis de visitar. Sendo também uma das maiores, é claro que dois dias não são suficientes para ficar a conhecer tudo (nem metade!), mas este roteiro passa por alguns dos locais de que mais gosto nesta ilha e que não podem mesmo deixar de visitar – e é certamente um bom ponto de partida para uma estadia mais demorada.

Venham comigo!

 Dia 1

Miradouro do Pico do Carvão → Aqueduto do Carvão → Lagoa das Empadadas → Lagoa do Canário → Miradouro da Grota do Inferno → Miradouro da Vista do Rei → Sete Cidades → Ponta da Ferraria → Ponta Delgada → Água de Pau →Monte Santo → Caloura

 Apesar de ser uma ilha, a maioria das belezas de São Miguel está longe da costa. E o lugar onde começamos este roteiro fica precisamente no interior. No Miradouro do Pico do Carvão temos um primeiro vislumbre do que nos espera durante estes dois dias: uma paisagem verde, muito verde, que parece um manto ondulante ao sabor das colinas, e ao longe o azul do mar. Uma maravilha!

Um pouco mais acima, do lado direito da estrada, encontramos o Aqueduto do Carvão, mais propriamente o troço que tem o nome de Muro das Nove Janelas. Este aqueduto foi construído entre os séculos XVII e XVIII para transportar água da Lagoa do Canário para Ponta Delgada, onde na época ela era escassa, e dele apenas subsistem algumas dezenas de metros. As pedras de que é feito estão cobertas de musgos, fetos e outras plantas, e por isso, apesar da sua envergadura, parece quase dissolvido na paisagem.


É outra a primeira lagoa de São Miguel que vamos conhecer: a Lagoa das Empadadas, que tem como vizinha próxima a Lagoa das Éguas, um lugar silencioso a que a bruma quase constante confere um dos ambientes mais esotéricos da ilha.

E agora sim, vamos até à célebre Lagoa do Canário, rodeada de uma floresta cerrada onde quase não entra um raio de sol. O acesso faz-se primeiro por degraus escavados no solo e seguros por troncos de madeira, e depois por um trilho curto e agradável. É também da estrada de acesso a esta lagoa que chegamos ao Miradouro da Grota do Inferno, de onde é possível avistar quatro lagoas da ilha, mais especificamente a Lagoa das Sete Cidades, a Lagoa Rasa, a Lagoa de Santiago e a Lagoa do Canário.


Uns escassos quatro quilómetros mais acima espera-nos outro miradouro famoso: a Vista do Rei. É daqui que podemos ver toda a Lagoa das Sete Cidades, a lagoa das duas cores que é sem sombra de dúvida o postal ilustrado mais conhecido da ilha de São Miguel.


LENDA DA LAGOA DAS SETE CIDADES

Havia no reino encantado das Sete Cidades uma bela princesa que passava muito do seu tempo a passear pelo campo. Gostava do verde dos montes e vales, das flores e dos pássaros, e de andar pelas aldeias. Durante um destes seus passeios conheceu um jovem pastor que guardava o seu rebanho. Passaram horas a conversar, e apaixonaram-se um pelo outro. A partir de então, encontravam-se todos os dias, trocavam juras de amor e faziam planos para o futuro.

Princesa que era, o seu destino já tinha sido traçado pelos progenitores: o casamento com o príncipe de um reino vizinho. Quando chegaram aos ouvidos do rei seu pai os rumores dos encontros amorosos com o pastor, a princesa foi proibida de o ver. Tiveram ainda assim os dois apaixonados oportunidade de se encontrarem uma última vez. A despedida foi regada com lágrimas, tantas que no local se formaram duas lagoas, cada uma com a cor dos seus olhos: azul a das lágrimas choradas pela princesa, verde a das que foram derramadas pelo pastor.

O casal enamorado não voltou a encontrar-se, mas as duas lagoas nunca se apartaram, e ali permanecem até hoje.

Da Vista do Rei descemos até à aldeia das Sete Cidades para um passeio a pé pelo caminho que contorna uma parte da Lagoa Azul e nos leva até ao local a que dão o nome de jardim. Na aldeia, passamos pela Casa Grande, que pertenceu a um aristocrata local, vamos até ao pontão de madeira que construíram junto a uma ampla área arrelvada, e depois visitamos a Igreja de São Nicolau, de inspiração neogótica, construída na segunda metade do século XIX e cujos elementos arquitectónicos fora do comum fazem dela uma das mais originais e bonitas da ilha.


Deixamos o interior e rumamos ao mar, até à Ponta da Ferraria, no extremo sudoeste de São Miguel. É aqui, numa “praia” de rochas quase negras, que é possível tomar os banhos de água salgada mais quentes da ilha. Nesta piscina natural formada numa reentrância que escapa à bravura do oceano, a água chega a ter uma temperatura acima dos 30 graus, pelo que se percebe bem a razão pela qual este é um dos lugares mais frequentados em dias soalheiros. Há ainda a possibilidade de aproveitar as comodidades das termas que existem no local.

Acompanhando a costa, chegamos a Ponta Delgada. Não sendo uma cidade grande, percorre-se bem a pé, mas ainda assim tem muitos pontos de interesse para visitar. Começamos pelo Forte de São Brás, importante exemplar da arquitectura militar seiscentista, construído para defender a cidade dos ataques de piratas e corsários, frequentes naquela época. Do outro lado da estrada, a encantadora praça que dá pelo nome de Campo de São Francisco, onde chamam a atenção dois edifícios religiosos: a Igreja de São José e o famoso Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em cuja honra se realizam todos os anos as festas religiosas mais populares e participadas de São Miguel (e das mais importantes do país), normalmente no mês de Maio. Seguimos pela marginal até às Portas da Cidade, o ex libris de Ponta Delgada, “guardadas” pela estátua de Gonçalo Velho Cabral. Nesta praça, tal como em toda a parte antiga da cidade, o piso é em calçada portuguesa, e é belíssimo o efeito do contraste entre as pedras negras e brancas, dispostas em florões e padrões geométricos pelas mãos habilidosas dos calceteiros.


Continuamos até ao espaço modernista da marina, a que dão o nome de Portas do Mar, depois viramos para o interior, passando em frente à Igreja de São Pedro, e seguimos até à Igreja Matriz de São Sebastião, imponente na sua envergadura e no estilo barroco predominante, mantendo no entanto um maravilhoso portal manuelino.

Numa visita mais demorada à cidade seria também obrigatório passar pelo Jardim António Borges e ir conhecer o Algar do Carvão, mas agora vamos seguir para leste até Água de Pau, uma vila simpática e aparentemente vulgar, mas que tem mais do que aparenta. Estacionamos por trás da igreja e atravessamos a estrada para entrar num bairro de ruas estreitas e íngremes com casinhas minúsculas coladas umas às outras, pintadas com barras coloridas. Na fachada de cada casa, uma imagem religiosa em azulejo. Continuamos a subir até à Ermida de Nossa Senhora do Monte Santo, lugar de peregrinação desde 1918, quando aqui terá ocorrido uma aparição mariana. A ermida existe desde 1931 e é uma pequena jóia, tanto exterior como interiormente. Subindo mais umas poucas centenas de metros chegamos a outro dos melhores miradouros de São Miguel, de onde temos uma visão de 360 graus sobre esta parte da ilha, mar de um lado e terra do outro.


O último destino deste dia fica bem perto e é uma conhecida zona balnear: a Caloura. De um lado e do outro da estrada que serpenteia até ao mar há propriedades extensas e com ar próspero. Mesmo antes de chegar, encontramos a igreja mais original de toda a ilha, que pertence a um dos conventos mais antigos de São Miguel, o Convento da Caloura. A fachada desta igreja está praticamente toda revestida com azulejos azuis e brancos, ao contrário da grande maioria das igrejas micaelenses, em que o branco contrasta com o cinzento muito escuro do basalto.


E para terminar este dia tão preenchido, nada melhor do que um passeio pelo pontão do porto da Caloura, seguido de bem merecido descanso numa esplanada com vista para o mar.

Dia 2

Vila Franca do Campo → Lagoa das Furnas → Mata José do Canto →Parque Grená → Caldeiras das Furnas → Parque Terra Nostra → Fábrica de Chá Gorreana → Lagoa do Congro

 

Começamos este segundo dia muito perto de onde terminámos o primeiro, mais concretamente em Vila Franca do Campo. Primeiro que tudo, vamos satisfazer a gulodice com um doce conventual criado pelas freiras que viveram no Convento de Santo André, situado nesta localidade, e que é um dos mais típicos de São Miguel: as queijadas de Vila Franca do Campo, que se compram na fábrica e loja de Adelino Morgado, muito perto da marina.

Depois, para gastar algumas das calorias ingeridas, vamos até à bela igreja barroca do Senhor Bom Jesus da Pedra. A paragem seguinte é no Miradouro de Nossa Senhora da Paz. A 215 metros de altura, é o lugar ideal para apreciar o famoso ilhéu de Vila Franca do Campo, melhor ainda se subirmos os 100 degraus até à ermida que dá nome ao lugar (aproveitamos para gastar mais umas quantas calorias), pois teremos como prémio vistas fabulosas sobre este lado da ilha.


O próximo destino é a Lagoa das Furnas, onde há muito para ver. Começamos pela Mata-Jardim José do Canto, que merece uma visita demorada, não só para conhecer as suas cameleiras centenárias e o maravilhoso Vale dos Fetos, mas sobretudo para ver de perto a bela ermida de Nossa Senhora das Vitórias, muito diferente de qualquer outro edifício religioso da ilha.


Seguindo pela estrada que rodeia a lagoa, vamos até às célebres furnas onde é preparado o cozido típico desta região. O odor sulfuroso poderá não agradar a todos, mas esta é uma oportunidade para observar de perto as evidências da actividade vulcânica da ilha. Além disso, é aqui que fica o Parque Grená, a jóia natural de São Miguel que mais recentemente abriu ao público, e que não podemos deixar de ir visitar.




A próxima paragem será já na aldeia das Furnas, no local a que chamam Caldeira do Vulcão das Furnas. Além de observar as fumarolas que saem das crateras, quem gostar de sensações diferentes não pode deixar de provar as águas azedas que brotam de várias fontes distribuídas pelo local – e há que experimentá-las todas, pois os sabores variam ligeiramente entre elas.



O Parque Terra Nostra, considerado um dos mais bonitos do mundo, é outro dos lugares que é obrigatório visitar em São Miguel. Com uma área de 12,5 hectares, abriga muitos milhares de espécies vegetais, endémicas dos Açores e de muitos outros pontos do globo, além de ter uma magnífica piscina termal de águas naturais férreas cuja temperatura ronda uns maravilhosos 34-40 graus Celsius. Não se deixem influenciar pela cor ferrugenta e pouco convidativa da água, pois tomar banho nesta piscina é uma experiência única.


           

Depois deste belo banho, nada melhor do que um chá. Vamos então seguir para norte para visitar a célebre Fábrica de Chá Gorreana, que funciona desde 1883 e é a mais antiga plantação de chá da Europa. Esta empresa familiar continua a utilizar o mesmo processo de produção desde que foi fundada. Não são usados químicos nas plantações, e a colheita e posterior transformação são essencialmente manuais. As poucas máquinas utilizadas são centenárias. A fábrica está aberta a todas as visitas, que são gratuitas, tal como o chá que se bebe na cafetaria. Podemos acompanhá-lo com bolos, tartes ou sanduíches vendidas no local e, como é óbvio, comprar os chás que são aqui produzidos.

                                                               

Plantações de Chá Gorreana

https://gorreana.pt/pt/

Gorreana, 9625-304 Maia, São Miguel – Açores (Portugal)

Horário: 2ª a 6ª - 8h-18h / sábados e domingos - 9h-18h

Informações: telefone 296 442 349  e-mail: gorreanazores@gmail.com

 

O último local deste roteiro é para mim o mais surpreendente e encantador de toda a ilha e dá pelo nome de Lagoa do Congro. O deslumbramento começa logo no acesso, primeiro por uma vereda larga entre árvores altas, depois descendo por um caminho sinuoso de terra batida na floresta que rodeia a lagoa. E que floresta! Árvores cuja copa se perde nas alturas, pedras e troncos caídos cobertos de musgo, enormes fetos, trepadeiras, o chão atapetado de folhas e um cheiro penetrante e doce a terra molhada e húmus. O silêncio é quase total, só quebrado por algum pássaro que pia ao longe ou por um ramo que estala. 

Depois, por entre a silhueta sombria das árvores, surge de repente o brilho da água e descemos os últimos degraus até à lagoa, um espelho de água tranquila que reflecte as cores do céu e da vegetação que a rodeia. Se por esta altura ainda não estiverem apaixonados por São Miguel, podem ter a certeza de que é aqui que o vosso coração vai ficar.

 

Ficam por incluir neste roteiro vários outros locais, alguns icónicos, outros meio desconhecidos – mas, tal como ressalvei logo no início, dois dias não chegam para conhecer todas as belezas da ilha. E, vendo bem, uma das melhores sensações que podemos ter em viagem é quando descobrimos, sem aviso prévio, “aquele” lugar especial que nem sabíamos que existia.

Boas viagens!


Ana CB / Janeiro de 2021
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