Fantastic Entrevista | Teresa Tavares: "A cultura é fundamental e indispensável, não é privilégio"
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Não tinha qualquer noção. Foi o
primeiro casting que fiz na vida. Quando soube que tinha sido escolhida, fiquei
não sei quantas horas sem falar! Não estava mesmo à espera.
Na altura era um casting aberto,
ali no Vasco Santana. Foram milhares de raparigas. Eu não tinha experiência
nenhuma, nem sequer morava em Lisboa, não conhecia ninguém. Foi incrível. Mas
claro que não imaginava a repercussão que viria a ter.
Tenho memória que antes dos
Jardins Proibidos as pessoas nem viam muito novelas portuguesas, viam mais era
as brasileiras. E foi o sucesso dos Jardins que começou a mudar isso.
Quando comecei a gravar,
lembro-me de sentir que era uma enorme oportunidade, de estar muito atenta a
tudo, daquelas borboletas no estômago quando ouvia o “ação” e de ser tudo uma
enorme descoberta. Na altura estávamos todas a começar (eu, a Daniela Ruah, a
Maya Booth e a Vera Kolodzig) e toda a gente era muito generosa connosco.
Aprendi imenso nesses tempos.
Como foi continuar a história dos “Jardins Proibidos”, na primeira
sequela da televisão portuguesa, 15 anos depois da sua exibição?
No momento do meu percurso em que
isso aconteceu, soube-me mesmo a regresso a casa. Humanamente foi um reencontro
muito bonito. Na altura já não fazia novelas há algum tempo e os Jardins II
marcaram, de certa forma, o meu regresso.
Fora do ecrã, a tua estreia no teatro dá-se com “O Cão Alucinado”,
encenado por Alexandre Lyra Leite, em 2001. Seguiram-se mais de duas dezenas de
espetáculos ao longo dos últimos 20 anos. O palco é o local onde te sentes
melhor a representar? Porquê?
Estão sempre a fazer essa
pergunta. Mas a verdade é que me sinto tão bem em palco, como num set cheio de
câmaras (como os de televisão) ou só com uma câmara como no cinema. É um prazer
- e um enorme privilégio - fazer teatro, televisão e cinema. Se tivesse de
escolher, não conseguiria.
É sempre importante voltar ao
teatro por uma questão de enraizamento e de aprofundamento enquanto atriz. Por
outro lado, há uma simplicidade que foi o cinema que me ensinou e a televisão
deu-me calo para conseguir fazer isto tudo, além de que me fez apurar a escuta,
a resposta no momento e a capacidade de me reinventar. É impossível escolher.
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Fundaste, juntamente com o Daniel Gorjão e a Sara Garrinhas, a Associação Cultural Teatro do Vão, que surge “da vontade, comum a criadores de diferentes disciplinas artísticas, de potenciar um espaço, humano e físico, de pesquisa, experimentação e liberdade”. Como surgiu a ideia de criar este projeto?
O Teatro do Vão nasceu da necessidade de continuar a levantar questões, a experimentar, a abrir caminhos. E a fazer. É preciso por as mãos na massa e fazer as coisas! É isso que faz diferença no mundo. Tínhamos ganho pouco tempo antes os Emergentes do Teatro Nacional (em que o Daniel se estreou como encenador, na altura comigo e com a Katrin Kaasa) e era preciso continuar a fazer coisas. Como ainda hoje é. Eu, o Daniel e a Sara já tínhamos saído do conservatório, tínhamos muitas afinidades artísticas e vários projetos na cabeça e numa manhã juntamo-nos para fundar o Vão.
Hoje em dia já conseguimos coproduzir
e apoiar outros jovens artistas e pensamos o Vão sempre como um espaço de
liberdade, de pesquisa e de exploração. Quando temos ideias, pomo-las em cima
da mesa, ouvimo-nos uns aos outros, e arranjamos maneira de as concretizar. Nem
sequer temos um espaço físico, mas é claro - e imprescindível - para mim este
espaço de criatividade que construímos juntos no Teatro do Vão.
A última peça na qual participaste foi “Quarteto”, com direção de
Daniel Gorjão. Como foi desenvolver este projeto, ao lado de atores como Ana
Jezabel, João Villas-Boas e José Pimentão, em plena pandemia?
Foi incrível. Eu adoro o “Quarteto”,
fui eu que sugeri fazer este texto. E o Daniel alinhou logo. Já ando a pensar
nele há anos. Só não imaginávamos que fosse estrear nestas circunstâncias. Mas
a verdade é que ter sido feito nesta altura acabou por dar outra dimensão à
proposta do Daniel, na minha opinião.
É um espetáculo sobre a
intimidade transgressora a estrear numa altura em que não nos podemos tocar e a
distância de segurança é uma norma. Foi um processo muito intenso e é um espetáculo
arriscado que me dá muito prazer fazer. Foi muito bom sentir a empatia do
público também. Estivemos sempre cheios, mesmo estreando num espaço não
convencional e com todas as condicionantes da pandemia.
Fazer teatro é sempre um ato de
resistência, nestas condições é levar isso ao limite. Foi incrível (e tínhamos
uma reposição agendada para janeiro de 2021 no Lux que teve de ser cancelada
por causa deste novo confinamento mas aguardamos por novidades para agendar
nova data).
Numa altura em que a Cultura voltou a parar, devido a um segundo
confinamento, como olhas para a situação da mesma em Portugal? Achas que há
muito a mudar nesta área?
Absolutamente. Antes de mais tem de se reconhecer que a cultura é fundamental e indispensável, que é educação, não é privilégio. Tem de se organizar o sector e proteger os seus profissionais. Tem de se perceber que investir na cultura é investir na educação do país - e que só com educação é que vamos levar o país mais longe. Os problemas do sector vêm de trás e é urgente repensar toda a estrutura e acabar com a fragilidade em que vivem os trabalhadores da cultura. E isso só vai acontecer quando se reconhecer à cultura o papel indiscutível que ela tem. A cultura é a identidade de um povo, é a nossa voz.
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Foi muito importante na altura.
Tínhamos entrado em confinamento no início de março, ainda não se sabia quase
nada sobre o vírus, estávamos todos fechados em casa, o setor da cultura
completamente parado e sem ter qualquer ideia de quando ia voltar a funcionar.
Foram tempos de enorme incerteza e muito assustadores.
Os argumentistas e realizadores (o
Artur Ribeiro, o Filipe Homem Fonseca, o Tiago R. santos, o Nuno Duarte e o
Luís Filipe Borges) juntaram-se com a ideia de fazer curtas-metragens a partir
de casa a explorar o momento que estávamos a viver e foram contactando os atores.
Gravávamos por Skype, de nossas casas. Foi uma lufada de ar fresco naqueles
meses. Lembro-me de terminar uma curta com a Manuela Couto a rebentar de
alegria e ao mesmo tempo comovidas por estarmos a trabalhar juntas no meio
daquele caos de dúvidas, sem saber quando nos voltaríamos a ver. Na altura não
imaginávamos que a RTP compraria a ideia e a transformaria em série. Fizemo-lo
para manter a sanidade e o músculo criativo ativo. Quando passou a série,
refizemos os filmes já feitos por questões técnicas, mas o mecanismo era o
mesmo.
Tenho profundo carinho por essa
série. As histórias são muito diversas, mas todas cheias de humanidade e muito
bem escritas. Sinto que retratam de uma forma tocante e despretensiosa estes
tempos tão estranhos e, tendo em conta o feedback todo que recebi (que foi
mesmo muito), acredito que o público também terá sentido isso.
Agora que falas no assunto, e
estamos no segundo confinamento, estava em boa altura de fazermos uma segunda
série!
“Onde Está Elisa?” trouxe à TVI uma linguagem diferente à sua ficção,
fazendo a ponte entre a telenovela e a série. O que guardas desta produção?
Achas que os telespectadores procuram, cada vez mais, formatos com uma duração
mais curta?
Tenho as melhores recordações de “Onde
está Elisa?”. Desde o primeiro momento: a adaptação do Artur Ribeiro, a minha
personagem - a Raquel - e o facto de fazer dupla com o Marco d’Almeida,
ligaram-me logo ao projeto de uma forma muito especial. Foi um processo muito
intenso e tenho todo o orgulho no resultado final. Confesso que nunca percebi a
estratégia de transmissão e acho que não contribuiu para a série ter a atenção
que merecia. Porque sim, acredito que as séries são o futuro, como já se
constata em toda a Europa e nos Estados Unidos. E mesmo cá, fazemos cada vez
mais séries e o público cada vez mais quer vê-las.
“Até que a Vida nos Separe" foi um dos teus mais recentes projetos na RTP1. Como foi trabalho nesta produção?
Filmamos a série em setembro/outubro
de 2020, já nesta realidade tão condicionada pela pandemia. E aconteceu ali um
encontro daqueles raros em que todos nos sentimos em família e as coisas fluem
sem esforço, apesar de todas as condicionantes. Acredito que isso se vai ver no
ecrã.
O ponto de partida é muito simples:
uma família que organiza casamentos (os Paixão) e estão eles próprios a passar
por grandes desafios relacionais. A minha personagem é a Natália Paixão, a mais
desligada e mais livre da família, não organizo casamentos com eles, apareço
para anunciar que me vou casar pela terceira vez e depois acabarei por ficar
até ao fim. A série tem muitas personagens e muitas histórias a cruzarem-se,
num tom de comédia dramática, uma grande fluidez nos diálogos e está cheia de
referências musicais e cinematográficas que acho que vão chamar atenção. Mas o
que eu acho que mais diferencia esta história é o facto de falar de pessoas
normais a dar o seu melhor todos os dias, como qualquer um de nós. A tentar,
tantas vezes a falhar. Foi essa humanidade que me conquistou a mim.
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O Curto-Circuito surgiu na minha
vida de uma forma completamente inesperada. Nunca tinha visto o programa, fui
acompanhar uma amiga ao casting e acabei por ficar eu. Eu sei que é uma
história cliché, mas é a verdade!
Não estava nada à espera, foi
tudo muito rápido e nada planeado. Acabou por ser uma experiência incrível da
qual tenho as melhores recordações. Diverti-me imenso, cresci muito e o que
aprendi com aqueles diretos diários de 3 horas ficou-me para a vida. Tive a
sorte de trabalhar com gente maravilhosa que generosamente partilhou comigo
toda a sua experiência uma vez que eu nunca tinha apresentado nada na vida (e
de repente fazia direitos diários de 3 horas de improviso porque nem sequer
usávamos teleponto naquele tempo). O Unas, o Alvim, o Pedro Ribeiro, o Diogo
Beja, o Bruno Nogueira... guardo-os a todos e aos momentos que ali partilhámos
no coração. Divertimo-nos muito!
E foi exatamente no
Curto-Circuito que conheci o Nuno Markl de quem sou amiga até hoje. Depois de
eu ter saído do Curto-Circuito, o Nuno fez o seu “Homem que mordeu o cão”
versão TV e convidou-me para fazer os sketches. Foi uma grande maluquice e divertimo-nos
todos muito. Passados estes anos todos, voltei a trabalhar com o Markl
recentemente na sua 1986 - a série que me deu tanto gozo fazer. É sempre
maravilhoso trabalhar com o Nuno.
Mas em relação ao CC e ao “Homem
que mordeu o cão” TV, o que mais me ficou desses tempos, foi a liberdade com
que fazíamos televisão. Aquilo era trapézio sem rede mas éramos tão livres!
Ainda na ponte entre a televisão e o digital, integraste a série
“Instaverso”, da RTP Play. Achas que o formato de streaming poderá vir, a longo
prazo, a dominar a preferência dos telespectadores em Portugal? Porquê?
Acho que está a crescer, mais uma
vez como acontece no resto da Europa. E faz todo o sentido. Há uma enorme
diversidade na oferta e isso é muito aliciante para quem vê. E também para nós,
enquanto atores, porque representa um alargamento do mercado. Sou a favor da
diversidade e acredito que, quanto mais se fizer, melhores serão os resultados.
No cinema, contas ainda com uma vasta carreira, repleta de projetos tão
diferentes, que vão desde o introspetivo “Fátima”, de João Canijo, ao
surpreendente “Star Crossed – Amor em Jogo”, de Mark Heller. Fazer mais cinema
é uma ambição? Como descreves o teu processo de criação de uma personagem?
Fazer mais cinema é um objetivo e
tenho trabalhado para isso. Não sinto nada que um ator tenha de prender-se a um
só género, pelo contrário, e acho que o meu percurso demonstra isso. Vou
gerindo as oportunidades que surgem da forma mais instintiva. Em relação a
processos, variam de projeto para projeto, de acordo com a linguagem do filme
em questão, com o realizador, a personagem que estou a fazer e com o que a
minha sensibilidade enquanto atriz me pede no momento.
Na preparação para o "Fátima",
por exemplo, fui a pé de Bragança a Fátima e as situações que surgem no filme
são inspiradas nas vivências de cada atriz no processo. Filmamos em 2016 e
passei 5 meses sem vir a casa durante esse processo entre ensaios, ‘estágio’ em
Vinhais (de onde eram as personagens) e filmagens na estrada. Foi muito duro,
mas também de uma enorme aprendizagem, os processos do Canijo são assim.
Para o “Star Crossed” fui
escolhida por casting e aí, à partida, havia o desafio da língua (o filme é em
grande parte falado em inglês e, embora fosse fluente a falar, andei ali com
umas borboletas no estômago). Na altura era a minha primeira protagonista no
cinema e teve um grande impacto em mim. Foi um processo muito enriquecedor e
onde trabalhei com pessoas extraordinárias. Também muito imersivo, embora sejam
filmes tão diferentes. No dia a seguir a ser escolhida, mudei-me para o Porto (onde
decorreu a rodagem) e fiquei lá a viver até ao final do filme, só voltei a casa
passado uns 3 meses. Era uma adaptação livre do “Romeu e Julieta” e os ensaios
foram muito para estabelecer a minha relação com o Kyle Redmond- Jones (o ator
que fazia o Romeu). Foi realizado pelo Mark Heller e a equipa era, em grande
parte, inglesa, tudo gente com quem eu nunca tinha trabalhado, o que também me
abriu horizontes. São diferentes formas de trabalhar e isso é sempre muito
enriquecedor. E se continuasse aqui a falar dos filmes que fiz, todos os
processos seriam diferentes. O desafio é esse.
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Bom, o “You Above All” do Edgar
Morais e do Luke Eberl tem a particularidade de ser baseado na improvisação e
cruzar tantas histórias que até para mim será uma surpresa vê-lo montado! O
Edgar e o Luke são dois realizadores muito talentosos e em quem confio
plenamente por isso tenho a certeza que o resultado só pode ser bom.
Em relação ao “Revolta”, do Tiago
R. Santos, é um argumento maravilhoso pelo qual me apaixonei na primeira
leitura. Jogo de atores puro. Passa-se todo numa noite, em tempo real. A
rodagem foi muito intensa, com as emoções todas à flor da pele logo a seguir ao
primeiro confinamento. Filmado em sequência num único décor. Deve estrear ainda
este ano e acho que o tema vai tocar a todos. Estou muito curiosa para ver o
resultado final.
És licenciada em teatro pela Escola Superior Teatro e Cinema de Lisboa
e, além disso, somas vários cursos e workshops em vários países. Que
importância achas que a formação tem no teu trabalho?
Acho a formação muito importante
não tanto no sentido da técnica (que na verdade se aprende para se esquecer!)
mas, acima de tudo, do autoconhecimento e do aprofundamento do trabalho. Nós
somos o nosso próprio instrumento de trabalho, é importante mantê-lo afinado.
Quais são as tuas maiores inspirações nacionais e internacionais?
Tantas e de tantas áreas. Ficam
aqui algumas: Gena Rowlands, Patti Smith, Viola Davis, Isabel Abreu, Paula
Rego, Pina Bausch.
Se te voltássemos a entrevistar daqui a 10
anos, o que gostarias de estar a fazer nessa altura?
A filmar sem máscara nos intervalos!
Fantastic Entrevista - Teresa Tavares
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