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Fantastic Entrevista | Teresa Tavares: "A cultura é fundamental e indispensável, não é privilégio"

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Foto: Direitos Reservados
 
Teresa Tavares começou o seu percurso na ficção em 2000 na telenovela Jardins Proibidos, da TVI, uma das produções mais conhecidas do público e a primeira novela em Portugal a dar origem a uma sequela. Conta já com dezenas de projetos no seu currículo, não só em televisão, mas também em cinema e em teatro. É fundadora da Associação Cultural Teatro do Vão, procurando promover a cultura e a criatividade. O Fantastic esteve à conversa com a atriz para falarmos sobre o seu percurso, conhecendo ainda alguns dos novos projetos que brevemente se juntam ao seu já vasto currículo. 

Começaste cedo o teu trabalho em televisão, com uma telenovela que marcou a história da ficção, “Jardins Proibidos”. Como encaraste este desafio? Tinhas noção da repercussão que o projeto iria ter?

Não tinha qualquer noção. Foi o primeiro casting que fiz na vida. Quando soube que tinha sido escolhida, fiquei não sei quantas horas sem falar! Não estava mesmo à espera.

Na altura era um casting aberto, ali no Vasco Santana. Foram milhares de raparigas. Eu não tinha experiência nenhuma, nem sequer morava em Lisboa, não conhecia ninguém. Foi incrível. Mas claro que não imaginava a repercussão que viria a ter.

Tenho memória que antes dos Jardins Proibidos as pessoas nem viam muito novelas portuguesas, viam mais era as brasileiras. E foi o sucesso dos Jardins que começou a mudar isso.

Quando comecei a gravar, lembro-me de sentir que era uma enorme oportunidade, de estar muito atenta a tudo, daquelas borboletas no estômago quando ouvia o “ação” e de ser tudo uma enorme descoberta. Na altura estávamos todas a começar (eu, a Daniela Ruah, a Maya Booth e a Vera Kolodzig) e toda a gente era muito generosa connosco. Aprendi imenso nesses tempos.

Como foi continuar a história dos “Jardins Proibidos”, na primeira sequela da televisão portuguesa, 15 anos depois da sua exibição?

No momento do meu percurso em que isso aconteceu, soube-me mesmo a regresso a casa. Humanamente foi um reencontro muito bonito. Na altura já não fazia novelas há algum tempo e os Jardins II marcaram, de certa forma, o meu regresso.

Fora do ecrã, a tua estreia no teatro dá-se com “O Cão Alucinado”, encenado por Alexandre Lyra Leite, em 2001. Seguiram-se mais de duas dezenas de espetáculos ao longo dos últimos 20 anos. O palco é o local onde te sentes melhor a representar? Porquê?

Estão sempre a fazer essa pergunta. Mas a verdade é que me sinto tão bem em palco, como num set cheio de câmaras (como os de televisão) ou só com uma câmara como no cinema. É um prazer - e um enorme privilégio - fazer teatro, televisão e cinema. Se tivesse de escolher, não conseguiria.

É sempre importante voltar ao teatro por uma questão de enraizamento e de aprofundamento enquanto atriz. Por outro lado, há uma simplicidade que foi o cinema que me ensinou e a televisão deu-me calo para conseguir fazer isto tudo, além de que me fez apurar a escuta, a resposta no momento e a capacidade de me reinventar. É impossível escolher.

Foto: Direitos Reservados

Fundaste, juntamente com o Daniel Gorjão e a Sara Garrinhas, a Associação Cultural Teatro do Vão, que surge “da vontade, comum a criadores de diferentes disciplinas artísticas, de potenciar um espaço, humano e físico, de pesquisa, experimentação e liberdade”. Como surgiu a ideia de criar este projeto?

O Teatro do Vão nasceu da necessidade de continuar a levantar questões, a experimentar, a abrir caminhos. E a fazer. É preciso por as mãos na massa e fazer as coisas! É isso que faz diferença no mundo. Tínhamos ganho pouco tempo antes os Emergentes do Teatro Nacional (em que o Daniel se estreou como encenador, na altura comigo e com a Katrin Kaasa) e era preciso continuar a fazer coisas. Como ainda hoje é. Eu, o Daniel e a Sara já tínhamos saído do conservatório, tínhamos muitas afinidades artísticas e vários projetos na cabeça e numa manhã juntamo-nos para fundar o Vão.

Hoje em dia já conseguimos coproduzir e apoiar outros jovens artistas e pensamos o Vão sempre como um espaço de liberdade, de pesquisa e de exploração. Quando temos ideias, pomo-las em cima da mesa, ouvimo-nos uns aos outros, e arranjamos maneira de as concretizar. Nem sequer temos um espaço físico, mas é claro - e imprescindível - para mim este espaço de criatividade que construímos juntos no Teatro do Vão.

A última peça na qual participaste foi “Quarteto”, com direção de Daniel Gorjão. Como foi desenvolver este projeto, ao lado de atores como Ana Jezabel, João Villas-Boas e José Pimentão, em plena pandemia?

Foi incrível. Eu adoro o “Quarteto”, fui eu que sugeri fazer este texto. E o Daniel alinhou logo. Já ando a pensar nele há anos. Só não imaginávamos que fosse estrear nestas circunstâncias. Mas a verdade é que ter sido feito nesta altura acabou por dar outra dimensão à proposta do Daniel, na minha opinião.

É um espetáculo sobre a intimidade transgressora a estrear numa altura em que não nos podemos tocar e a distância de segurança é uma norma. Foi um processo muito intenso e é um espetáculo arriscado que me dá muito prazer fazer. Foi muito bom sentir a empatia do público também. Estivemos sempre cheios, mesmo estreando num espaço não convencional e com todas as condicionantes da pandemia.

Fazer teatro é sempre um ato de resistência, nestas condições é levar isso ao limite. Foi incrível (e tínhamos uma reposição agendada para janeiro de 2021 no Lux que teve de ser cancelada por causa deste novo confinamento mas aguardamos por novidades para agendar nova data).

Numa altura em que a Cultura voltou a parar, devido a um segundo confinamento, como olhas para a situação da mesma em Portugal? Achas que há muito a mudar nesta área?

Absolutamente. Antes de mais tem de se reconhecer que a cultura é fundamental e indispensável, que é educação, não é privilégio. Tem de se organizar o sector e proteger os seus profissionais. Tem de se perceber que investir na cultura é investir na educação do país - e que só com educação é que vamos levar o país mais longe. Os problemas do sector vêm de trás e é urgente repensar toda a estrutura e acabar com a fragilidade em que vivem os trabalhadores da cultura. E isso só vai acontecer quando se reconhecer à cultura o papel indiscutível que ela tem. A cultura é a identidade de um povo, é a nossa voz.

Foto: Direitos Reservados
Voltando ao pequeno ecrã, tens sido uma presença assídua em televisão, não só em novelas, mas também em séries. Integraste o projeto “O Mundo Não Acaba Assim”, uma proposta inovadora, que passou do digital para a televisão. Como foi fazer parte deste produto gravado inteiramente à distância, durante a quarentena?

Foi muito importante na altura. Tínhamos entrado em confinamento no início de março, ainda não se sabia quase nada sobre o vírus, estávamos todos fechados em casa, o setor da cultura completamente parado e sem ter qualquer ideia de quando ia voltar a funcionar. Foram tempos de enorme incerteza e muito assustadores.

Os argumentistas e realizadores (o Artur Ribeiro, o Filipe Homem Fonseca, o Tiago R. santos, o Nuno Duarte e o Luís Filipe Borges) juntaram-se com a ideia de fazer curtas-metragens a partir de casa a explorar o momento que estávamos a viver e foram contactando os atores. Gravávamos por Skype, de nossas casas. Foi uma lufada de ar fresco naqueles meses. Lembro-me de terminar uma curta com a Manuela Couto a rebentar de alegria e ao mesmo tempo comovidas por estarmos a trabalhar juntas no meio daquele caos de dúvidas, sem saber quando nos voltaríamos a ver. Na altura não imaginávamos que a RTP compraria a ideia e a transformaria em série. Fizemo-lo para manter a sanidade e o músculo criativo ativo. Quando passou a série, refizemos os filmes já feitos por questões técnicas, mas o mecanismo era o mesmo.

Tenho profundo carinho por essa série. As histórias são muito diversas, mas todas cheias de humanidade e muito bem escritas. Sinto que retratam de uma forma tocante e despretensiosa estes tempos tão estranhos e, tendo em conta o feedback todo que recebi (que foi mesmo muito), acredito que o público também terá sentido isso.

Agora que falas no assunto, e estamos no segundo confinamento, estava em boa altura de fazermos uma segunda série!

“Onde Está Elisa?” trouxe à TVI uma linguagem diferente à sua ficção, fazendo a ponte entre a telenovela e a série. O que guardas desta produção? Achas que os telespectadores procuram, cada vez mais, formatos com uma duração mais curta?

Tenho as melhores recordações de “Onde está Elisa?”. Desde o primeiro momento: a adaptação do Artur Ribeiro, a minha personagem - a Raquel - e o facto de fazer dupla com o Marco d’Almeida, ligaram-me logo ao projeto de uma forma muito especial. Foi um processo muito intenso e tenho todo o orgulho no resultado final. Confesso que nunca percebi a estratégia de transmissão e acho que não contribuiu para a série ter a atenção que merecia. Porque sim, acredito que as séries são o futuro, como já se constata em toda a Europa e nos Estados Unidos. E mesmo cá, fazemos cada vez mais séries e o público cada vez mais quer vê-las.

“Até que a Vida nos Separe" foi um dos teus mais recentes projetos na RTP1. Como foi trabalho nesta produção?

Filmamos a série em setembro/outubro de 2020, já nesta realidade tão condicionada pela pandemia. E aconteceu ali um encontro daqueles raros em que todos nos sentimos em família e as coisas fluem sem esforço, apesar de todas as condicionantes. Acredito que isso se vai ver no ecrã.

O ponto de partida é muito simples: uma família que organiza casamentos (os Paixão) e estão eles próprios a passar por grandes desafios relacionais. A minha personagem é a Natália Paixão, a mais desligada e mais livre da família, não organizo casamentos com eles, apareço para anunciar que me vou casar pela terceira vez e depois acabarei por ficar até ao fim. A série tem muitas personagens e muitas histórias a cruzarem-se, num tom de comédia dramática, uma grande fluidez nos diálogos e está cheia de referências musicais e cinematográficas que acho que vão chamar atenção. Mas o que eu acho que mais diferencia esta história é o facto de falar de pessoas normais a dar o seu melhor todos os dias, como qualquer um de nós. A tentar, tantas vezes a falhar. Foi essa humanidade que me conquistou a mim.

Foto: Direitos Reservados
 
Participaste no projeto “O Homem que Mordeu o Cão” e foste uma das apresentadoras do “Curto Circuito”. De que forma estas duas experiências foram importantes para o teu percurso profissional?

O Curto-Circuito surgiu na minha vida de uma forma completamente inesperada. Nunca tinha visto o programa, fui acompanhar uma amiga ao casting e acabei por ficar eu. Eu sei que é uma história cliché, mas é a verdade!

Não estava nada à espera, foi tudo muito rápido e nada planeado. Acabou por ser uma experiência incrível da qual tenho as melhores recordações. Diverti-me imenso, cresci muito e o que aprendi com aqueles diretos diários de 3 horas ficou-me para a vida. Tive a sorte de trabalhar com gente maravilhosa que generosamente partilhou comigo toda a sua experiência uma vez que eu nunca tinha apresentado nada na vida (e de repente fazia direitos diários de 3 horas de improviso porque nem sequer usávamos teleponto naquele tempo). O Unas, o Alvim, o Pedro Ribeiro, o Diogo Beja, o Bruno Nogueira... guardo-os a todos e aos momentos que ali partilhámos no coração. Divertimo-nos muito!

E foi exatamente no Curto-Circuito que conheci o Nuno Markl de quem sou amiga até hoje. Depois de eu ter saído do Curto-Circuito, o Nuno fez o seu “Homem que mordeu o cão” versão TV e convidou-me para fazer os sketches. Foi uma grande maluquice e divertimo-nos todos muito. Passados estes anos todos, voltei a trabalhar com o Markl recentemente na sua 1986 - a série que me deu tanto gozo fazer. É sempre maravilhoso trabalhar com o Nuno.

Mas em relação ao CC e ao “Homem que mordeu o cão” TV, o que mais me ficou desses tempos, foi a liberdade com que fazíamos televisão. Aquilo era trapézio sem rede mas éramos tão livres!

Ainda na ponte entre a televisão e o digital, integraste a série “Instaverso”, da RTP Play. Achas que o formato de streaming poderá vir, a longo prazo, a dominar a preferência dos telespectadores em Portugal? Porquê?

Acho que está a crescer, mais uma vez como acontece no resto da Europa. E faz todo o sentido. Há uma enorme diversidade na oferta e isso é muito aliciante para quem vê. E também para nós, enquanto atores, porque representa um alargamento do mercado. Sou a favor da diversidade e acredito que, quanto mais se fizer, melhores serão os resultados.

No cinema, contas ainda com uma vasta carreira, repleta de projetos tão diferentes, que vão desde o introspetivo “Fátima”, de João Canijo, ao surpreendente “Star Crossed – Amor em Jogo”, de Mark Heller. Fazer mais cinema é uma ambição? Como descreves o teu processo de criação de uma personagem?

Fazer mais cinema é um objetivo e tenho trabalhado para isso. Não sinto nada que um ator tenha de prender-se a um só género, pelo contrário, e acho que o meu percurso demonstra isso. Vou gerindo as oportunidades que surgem da forma mais instintiva. Em relação a processos, variam de projeto para projeto, de acordo com a linguagem do filme em questão, com o realizador, a personagem que estou a fazer e com o que a minha sensibilidade enquanto atriz me pede no momento.

Na preparação para o "Fátima", por exemplo, fui a pé de Bragança a Fátima e as situações que surgem no filme são inspiradas nas vivências de cada atriz no processo. Filmamos em 2016 e passei 5 meses sem vir a casa durante esse processo entre ensaios, ‘estágio’ em Vinhais (de onde eram as personagens) e filmagens na estrada. Foi muito duro, mas também de uma enorme aprendizagem, os processos do Canijo são assim.

Para o “Star Crossed” fui escolhida por casting e aí, à partida, havia o desafio da língua (o filme é em grande parte falado em inglês e, embora fosse fluente a falar, andei ali com umas borboletas no estômago). Na altura era a minha primeira protagonista no cinema e teve um grande impacto em mim. Foi um processo muito enriquecedor e onde trabalhei com pessoas extraordinárias. Também muito imersivo, embora sejam filmes tão diferentes. No dia a seguir a ser escolhida, mudei-me para o Porto (onde decorreu a rodagem) e fiquei lá a viver até ao final do filme, só voltei a casa passado uns 3 meses. Era uma adaptação livre do “Romeu e Julieta” e os ensaios foram muito para estabelecer a minha relação com o Kyle Redmond- Jones (o ator que fazia o Romeu). Foi realizado pelo Mark Heller e a equipa era, em grande parte, inglesa, tudo gente com quem eu nunca tinha trabalhado, o que também me abriu horizontes. São diferentes formas de trabalhar e isso é sempre muito enriquecedor. E se continuasse aqui a falar dos filmes que fiz, todos os processos seriam diferentes. O desafio é esse.

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Em breve, vamos poder ver-te nos filmes “"Revolta", de Tiago R. Santos e “You Above All” de Lucas Elliot Eberl e Edgar Morais. O que é que podemos esperar destes dois filmes?

Bom, o “You Above All” do Edgar Morais e do Luke Eberl tem a particularidade de ser baseado na improvisação e cruzar tantas histórias que até para mim será uma surpresa vê-lo montado! O Edgar e o Luke são dois realizadores muito talentosos e em quem confio plenamente por isso tenho a certeza que o resultado só pode ser bom.

Em relação ao “Revolta”, do Tiago R. Santos, é um argumento maravilhoso pelo qual me apaixonei na primeira leitura. Jogo de atores puro. Passa-se todo numa noite, em tempo real. A rodagem foi muito intensa, com as emoções todas à flor da pele logo a seguir ao primeiro confinamento. Filmado em sequência num único décor. Deve estrear ainda este ano e acho que o tema vai tocar a todos. Estou muito curiosa para ver o resultado final.

És licenciada em teatro pela Escola Superior Teatro e Cinema de Lisboa e, além disso, somas vários cursos e workshops em vários países. Que importância achas que a formação tem no teu trabalho?

Acho a formação muito importante não tanto no sentido da técnica (que na verdade se aprende para se esquecer!) mas, acima de tudo, do autoconhecimento e do aprofundamento do trabalho. Nós somos o nosso próprio instrumento de trabalho, é importante mantê-lo afinado.

Quais são as tuas maiores inspirações nacionais e internacionais?

Tantas e de tantas áreas. Ficam aqui algumas: Gena Rowlands, Patti Smith, Viola Davis, Isabel Abreu, Paula Rego, Pina Bausch.

Se te voltássemos a entrevistar daqui a 10 anos, o que gostarias de estar a fazer nessa altura?

A filmar sem máscara nos intervalos!

Fantastic Entrevista - Teresa Tavares

Por André Pereira e Joana Sousa

janeiro de 2021