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COMING UP | WandaVision

 

Já arrancou, WandaVision é uma das propostas mais aguardadas do Disney+ para o arranque do ano para, com poupa circunstância, abrir as portas à Phase 4 do Universo Cinematográfico Marvel. Num tom de comédia brilhante com o orgulho do elogio a várias produções emblemáticas do século passado, WandaVision abre caminho para uma nova forma de contar histórias de super-heróis, saindo da caixa da ação para enfrentar de caras a comédia e as tradicionais sitcoms, sempre com os arcos que os personagens apresentaram nos vários filmes dos Avengers a servirem de embrulho aos tempos brilhantes dos diálogos que constroem os dois primeiros capítulos da nova série do serviço de streaming. WandaVision é diferente em tudo mas mantém a lógica de nos apresentar a essência dos protagonistas com alguma profundidade. Mesmo com eventos que podem ser vistos de forma isolada, o background conquista e deixa-nos curiosos, com Kevin Feige a mostrar que continua a saber cozinhar easter eggs de forma única. O que se passa ali, como tudo aconteceu, porque é que a memória de Wanda e Vision está, constantemente a traí-los? Quem está para lá das câmaras no último minuto do primeiro capítulo? Há muitas perguntas para responder numa trama que mesmo tendo a comédia como principal ingrediente parece saber ornamentar bem o drama nas entrelinhas. O ditado que mais facilmente podemos associar a WandaVision será: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Numa nova Phase em que as histórias do Universo Cinematográfico Marvel aparentam ser muito mais nucleares do que o que foi feito até então, a série que abre as portas ao primeiro conteúdo da Marvel Studios depois de mais de um ano de ausência conquista pela diferença e irreverência de trazer o clássico para o moderno e cozer tudo numa narrativa única e surpreendente. Está ganho e só nos resta esperar ansiosamente para saber quais são as cartas que WandaVision ainda tem na manga, vem saber tudo o que há de bom aqui em mais uma edição do Coming Up. Fica connosco

Com apenas trinta minutos, o primeiro episódio de WandaVision não perde tempo com introduções extensas e concentra-se em explicar-nos o essencial para entendermos a proposta, afinal de contas o que nos está prestes a ser contado passa bem longe da timeline dos filmes da Marvel Studios e vai contra tudo o que vimos na última cena dos dois protagonistas em Avengers: Infinity War e Avengers: Endgame. Vision está vivo, casado e num matrimónio aparentemente feliz com Wanda, que agora domina os seus poderes com alguma maestria e que recorre a eles para fazer um pouco de tudo. O estilo de texto que podemos esperar é revelado ao fim de poucos minutos e tenta desconstruir a improvável relação entre um robot e uma feiticeira, estabelecendo um paralelo imediato com os sketchs típicos das comédias que exploram a vida familiar e as especificidades de cada casamento. As piadas que até podiam ser rotuladas como mais do mesmo, e até ganharem o título de engraçadinhas, fazem-nos, de facto, rir, por fugirem do contexto óbvio e saberem trabalhar bem as origens dos dois personagens. A harmonia entre Elizabeth Olsen e Paul Bettany continua no mesmo crescendo que estava no momento em que Vision sucumbe às mãos de Thanos em Avengers: Infinity War. Por mais improvável que pareça, a parelha entre os dois atores acaba por encaixar que nem uma luva neste romance peculiar, com os dois atores a revelarem um tempo de comédia acima da média, como se esse fosse o registo habitual das suas carreiras. Mesmo que tanto a Wanda quanto o Vision da série sejam versões bastante diferentes dos personagens nos filmes, onde o drama está bem mais presente, há uma linha condutora a orientá-los que torna tudo coeso e os faz passar incólumes à caricatura aparente que poderia tornar o argumento de WandaVision em algo completamente ridículo. Por mais disruptivo que seja, WandaVision consegue, ainda, manter a mesma proximidade com a Banda Desenhada e a mesma paixão de fã em cada minuto de episódio.

Mas lista de acertos aumenta ainda mais à medida em que a realidade vai sendo corrompida pelo exterior, de uma forma que até lembra vagamente Inception. A partir do momento em que Agnes toca à campainha da casa do casal, há uma desconfiança imediata. A simpatia gratuita causa estranheza, sobretudo porque o texto não oferece nenhum contraditório, nenhuma nuance, algo que qualquer fã do universo Marvel sabe que nunca será um bom indício para avaliarmos a personalidade de uma nova figura. Por mais que não nos seja, ainda, dada uma resposta quanto à índole de Agnes, os pormenores encaixam todos. Seja pela aparente omnipresença em todos os momentos em que os poderes de Wanda ou Vision são utilizados, seja pelas referências ao marido que nunca dá as caras, mesmo em eventos que reúnem todo o bairro, ou até mesmo pelo pouco ar de espanto que a personagem faz durante a apresentação de magia dos dois protagonistas no segundo episódio. A desconfiança só cresce, e a aparição de um avião de brincar, a cores, seguida da presença de Agnes no ecrã é a cereja no topo do bolo para nos fazer acertar as nossas bússolas e nos indicar em cima de quem podem cair as nossas incertezas. Tudo isto encaixado num trabalho de construção de Kathryn Hahn, que traz consigo a mítica poker face que esconde muitos segredos, e soube fazer sobressair a sua Agnes dentro deste universo onde as personagens parecem ser todas lineares. É neste último ponto que WandaVision marca mais um passo nisto que é ser diferente, porque aquilo que aparentemente poderia ser um defeito, isto de ter personagens altamente estereotipados, é traduzido numa vantagem e sustenta, ainda mais, as teorias de só estamos a ver aquilo que Wanda quer que nós vejamos. Agnes sobressai porque, na verdade, é a única figura que não está nas mãos de Wanda, apesar de nem a própria feiticeira ter entendido isso.

O que se passa neste mundo de WandaVision? Bem, aqui não parece existir nada de muito complexo na hora de explicarmos e justificarmos a ação. É obvio que estamos perante uma realidade alternativa criada a partir do trauma que Wanda ganhou por não ter conseguido salvar Vision das mãos de Thanos. Isto é simples, mas não é essa a maior curiosidade daqui para a frente. Saber o que é, de facto realidade e ficção é o grande foco. E talvez exista uma mensagem subliminar no episódio dois que já nos deixa com algumas garantias. Quando Wanda pergunta a Vision se a gravidez está realmente a acontecer e ele lhe diz que sim, podemos interpretar que Vision, nesse momento, é o subconsciente de Wanda a estabelecer uma barreira entre a ficção e a realidade e a informá-la do que se passa com o seu corpo no mundo exterior à ficção que ela e os seus poderes criaram. Sempre que se fala em realidade, soam alarmes, sempre que Wanda é questionada com alguma pergunta mais íntima parece que há um pedaço da sua mente que desperta e mais uma “parede” do seu imaginário é deitada abaixo. Wanda acaba por ser protagonista e vilã ao mesmo tempo, com a insegurança de quem ainda não tem autoconfiança e luta contra um trauma, a tomarem conta de tudo, contaminando sonhos e objetivos. Ou seja, no resumo de tudo isto WandaVision parece servir-se da comédia para retratar um problema sério como a saúde mental, trazendo de forma imprevisível, para dentro do género fantástico um alerta sobre a importância e o impacto de acompanharmos quem passou por algum momento de perda, algo que a protagonista já carrega dentro do Universo Cinematográfico da Marvel desde a sua estreia em Avengers: Age of Ultron onde o seu irmão, Pietro, dá a vida em prol da causa. Se toda esta lógica acabar por ser confirmada, Wanda não deu qualquer tipo de sinal de que poderia estar à beira de uma depressão durante o seu diálogo com Hawkeye no funeral de Tony Stark, o que nos faz acreditar que ela poderá estar mesmo a passar por uma fase de depressão que levou os seus poderes a esconderem-na num ambiente saudável. No fundo poderá ser uma chamada de atenção à saúde mental, trazida por um formato de sucesso e que será, certamente, vista por um público que não se informa ou lê tanto quanto o expectável sobre este tema.

Já dissemos que a Wanda e o Vision que encontramos aqui são diferentes, mas o que muda na atuação? Muito mais fluída, Elizabeth Olsen mostra muito mais as suas capacidades como atriz em dois capítulos de WandaVision do que apresentou aos fãs, até agora, nas várias películas do Universo Cinematográfico Marvel que integrou até então. Mas a critica não vai para a atriz, mas sim para o argumento que no meio de tantos personagens não tinha, até agora, entendido a urgência de Wanda se insurgir e passar para o principal destaque. Vemos uma Wanda mais confiante das suas ações e poderes, mesmo que assombrada por dúvidas que não são habituais nela. A paródia feita com elementos do mais óbvio que há no humor fizeram-na reluzir de forma única e tornaram-se num prato cheio com destaque nos dois episódios, tanto com o momento do jantar em que verdadeiramente nos arrancou gargalhadas tanto com as suas soluções saídas da cartola para esconder a exibição dos poderes de Vision no segundo capítulo. Elizabeth entregou-se e soube roubar holofotes para si, sem se esquecer de entregar boas contracenas. Os trejeitos que marcam cada época que é homenageada estão lá, mas está lá a expressividade do humor clássico, tipicamente britânico, a fazê-la surpreender a audiência, tocando mesmo até aqueles que já tinham sido conquistados pela sua interpretação de Wanda Maximoff. Paul Bettany é outra história, aí serve-se da mitologia do personagem para ter uma base condutora, mas há poucos detalhes na sua atuação que nos façam colá-lo à imagem de Vision nos filmes. Mais uma vez a culpa não é do ator, que até entrega contracenas excelentes sobretudo no segundo episódio, mas sim dos enredos que envolvem o personagem nas superproduções da Marvel que, outra vez pelo problema de falta de espaço de antena para todos, o apresentou como uma figura unidimensional. A questão que se impõe quando falamos de Vision é: Qual das duas versões está mais próxima da verdadeira personalidade do herói? A imagem pérfida e séria dos filmes ou a descontração criada pela mente de Wanda? Vision é diferente aqui, mas aos olhos da audiência, facilmente estaremos próximos de um caso de mundanal afeição romantizada pelo amor de Wanda.

O somatório final só nos faz ter certezas de que o caminho das adaptações da Marvel para o streaming ou para o cinema está entregue em excelentes mãos e este arranque da Phase 4 só nos faz aumentar as expectativas para todas as próximas produções e promessas de Kevin Feige. O cozinhado de WandaVision consegue em dois episódios reunir comédia, drama e suspense como ingredientes numa receita que vem romper com o carimbo estereotipado entregue aos títulos da Marvel Studios. A homenagem que poderia ser aparentemente ridícula ou um chamariz sem sentido para conquistar novos públicos acaba por casar na perfeição com a lógica de realidades alternativas que a narrativa apresenta e ainda mais se pensarmos que aquelas tramas que inspiraram os episódios preencheram o imaginário da maioria dos adultos com idades próximas à de Wanda. Faz todo o sentido e ainda serve de lembrete e sugestão para nos aventurarmos em maratonas do melhor que já se fez no passado dentro do género do fantástico. As referências do segundo capítulo a Bewitched foram ao detalhe é acertaram num ponto sensível da nossa memória coletiva. Só o toque de dedo de Wanda já nos deixou embevecidos, juntando isso ao genérico que readapta a animação da série é empatia em estado puro que quase nos prende ao episodio de imediato, mais que não seja em busca de referências nas entrelinhas que nos façam regressar ao passado. Um toque de magia que nos abraça e que eleva WandaVision a outro patamar. Da magia à nostalgia, só podemos ficar sentados e aguardar pelo momento em que Wanda assuma o título de Scarlet Witch, porque aí sim, tudo vai ser possível. O caminho será esse é a manter este rumo as expectativas podem estar lá em cima porque decerto não serão traídas. É Marvel com o pé direito em 2021 é bem que precisávamos dela!