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"Como Gado" é o filme de Matilde Calado que revela um Hitchcock que poucos conhecem

Foto: Direitos Reservados

O novo filme de Matilde Calado estreou em novembro, no festival YMOTION, e tem feito o seu percurso por vários festivais ao longo dos últimos meses. Como Gado é uma curta-metragem que resulta de "uma reflexão sobre o comportamento de Alfred Hitchcock, com as suas atrizes nos seus sets de filmagens", um tema que a maioria do público desconhece. O Fantastic esteve à conversa com a realizadora Matilde Calado e com a atriz Mia Tomé sobre este  projeto, o segundo que resulta de uma parceria das duas jovens artistas.

A junção de imagens de arquivo com as imagens de uma mulher do século XXI e o recurso à "exploração sensorial sonora" são o ponto de partida para a criação de Como Gado, "um olhar experimental, sobre um período na indústria cinematográfica, onde muitas foram as atrizes vítimas do sistema machista da época". 

Para a realizadora, a forma como o aclamado cineasta tratava as suas atrizes não era um facto totalmente desconhecido. "A faceta do Hitchcock já não me era estranha. Anos antes de conhecer a Mia, ainda estava na faculdade, vi um documentário da BBC sobre esta temática. Na escola ensinam-nos o lado bom da história, a história do grande mestre Hitchcock, sem nunca falar do outro verso da moeda", começa por explicar Matilde Calado.

Mia Tomé confessa que os filmes de Alfred Hitchcock fizeram parte da sua vida desde cedo e admite que, apesar do contexto, é fã do seu trabalho enquanto realizador. "Vi muitos durante a minha adolescência, aliás continuo a vê-los. São filmes fantásticos, com grandes narrativas, mas a um certo momento descobri o lado menos bom dos seus sets de filmagens e aquilo intrigou-me", explica a atriz, que neste projeto assume a voz da personagem feminina e assina o argumento.

Depois de ler mais sobre o tema, "em biografias ou artigos", Mia Tomé tentou "fazer essa ponte através de um ícone do cinema, desmistificar aquela pensamento de submissão entre os atores e o realizador", uma vez que considera que "ninguém tem o direito de fazer sofrer ninguém durante um processo de trabalho" e que "ainda temos um grande caminho a percorrer sobre a questão de igualdade de género, sobre a igualdade de direitos".

"A questão do feminismo e, acima de tudo, o direito de igualdade é um assunto que deve ser para sempre discutido. Por vezes a sociedade acomoda-se, pensa que este é um assunto resolvido, toma-o como um dado adquirido", acrescenta Matilde Calado. "Em comparação aos anos 40/50, obviamente que o mundo evoluiu, mas este filme nasce muito pela nossa vontade de perpetuar esta discussão, nunca chegaremos ao fim de uma meta, nunca será um assunto bem resolvido pois a sociedade está em constante mutação, dai queremos ajudar nesta evolução reflexiva", considera ainda a responsável do projeto.

Foto: Direitos Reservados

A ideia para o filme surge a partir de uma crónica que Mia Tomé escreveu para o "Expresso - Vida Extra", na sua rubrica “Miallennial“. Depois de ser apresentado a Matilde Calado, o tema foi desenvolvido neste filme. "A verdade é que quando a Mia me apresentou o texto fiquei deveras deliciada pela escrita do mesmo e do tom geral que a própria tinha construído. De imediato imaginei um jogo de sobreposições imagéticas e de cor. Como que se desta vez, com este filme, a mulher pudesse dominar/sobrepor-se a esta figura abusiva", continua a realizadora deste ensaio audiovisual.

Como Gado foi pensado, escrito, filmado e montado em plena pandemia. Para Mia Tomé, o resultado final só foi possível graças a um "puro trabalho de equipa", que mesmo com todas as limitações, fez o possível para chegar ao resultado pretendido. "Eu tenho o meu pequeno estúdio de som onde costumo gravar algumas locuções, a Matilde tem o seu pequeno estúdio de montagem e edição, depois do texto fechado eu gravei-o, o Tiago Ribeiro fez a sonoplastia, e a Matilde recortava e conjugava as imagens de arquivo com algumas imagens minhas", conta-nos a intérprete.

"Este filme foi um grande desafio a nível da montagem!", garante Matilde Calado. "É, sem dúvida, uma experiência visual mais complexa, pelas suas sobreposições e camadas. Algo que também se pode verificar no som, pelos inúmeros pormenores que o Tiago Ribeiro inseriu ao longo da banda sonora. Para quem não viu pode esperar um filme intenso, um ensaio audiovisual nada monótono", refere ainda a realizadora.

"Foi um processo à distância, onde comunicávamos todos os dias por chamada, enviávamos material uma à outra e fomos afinando até fechar tudo", continua Mia Tomé, que elogia o trabalho da realizadora, confirmando que "a Matilde é brilhante no seu trabalho de sobreposição de imagens", dando ainda como exemplo o seu anterior filme, Quando for Tarde, o primeiro projeto no qual trabalharam juntas.

Foto: Matilde Calado e Mia Tomé (Direitos Reservados)

Como Gado veio confirmar que esta parceria está para durar. "Tem sido uma bonita viagem esta partilha toda com a Matilde, acho que temos aprendido uma com a outra. Para já queremos que estes dois filmes façam o seu percurso pelos festivais (e não só), quanto a novos projetos temos coisas em cima da mesa, mas cada coisa a seu tempo. Queremos que seja tudo bem estruturado e com os temas que nos movem", revela, ainda, Mia Tomé.

Depois de iniciar o seu percurso nos festivais no YMOTION, em Famalicão, Como Gado foi também selecionado para o Caminhos do Cinema Português, em Coimbra, tendo já passado por outros festivais e existem mais exibições garantidas. "É muito importante ver os meus filmes em circulação, significa que o nosso trabalho é reconhecido e que diversos públicos podem ter acesso a eles. Quanto mais pessoas virem, mais opiniões podem surgir, mais discussões construtivas posso ter e consequentemente evoluir como realizadora.", conclui Matilde Calado.