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COMING UP | The Undoing

 

Limpinho! A HBO conseguiu fazer saltar mais uma série diretamente para os tops de favoritos dos fãs, ou pelo menos do género de público que não consegue fugir de um bom mistério. É ficção? Sim. Mas dentro da história, o contexto que nos apresenta faz-nos acreditar que tudo aquilo que vemos é credível. Vamos parar para pensar um segundo e entrar dentro deste universo, ao contrário da maioria das séries que têm estes enredos regados de segredos mórbidos com fins trágicos e mistérios à cabeceira, aqui há um fator diferente: Os meios. Para lá da beleza das casas e do guarda-roupa, o luxo aqui é um detalhe essencial para baralhar ainda mais o puzzle e dá um sentido novo à expressão “o dinheiro compra tudo”. Esta gente, a alta esfera da sociedade, tem parte do mundo junto das suas botas, com quantias que podem tornar possível o que nunca imaginámos e suficientemente influentes para escrever a própria história de acordo com a narrativa que melhor lhes interessa. 

Jonathan é um crápula, mas acima de tudo é o simbolismo do medo em pessoa, porque neste tal segundo em que perdemos tempo a fazer a equação da ficção versus realidade entendemos que as possibilidades de existirem outros Jonathans fora do ecrã são assustadoramente altas. Dinheiro, status, aparências, nome, são estes os ingredientes do novo drama do serviço de streaming, que vem com a mesma construção tradicional, mas com os toques de modernidade suficientes para desviar os Sherlocks da audiência. Desta vez o potencial da capa traduz-se em conteúdo, com um destaque surpreendente no elenco e um twist de interpretação vindo de uma das grandes divas de Hollywood. Vamos dissecar o mistério juntos, porque em The Undoing, nesta bolha da vida de sonho tudo acontece e tudo pode acontecer, sem deixar rasto. Fica para ler em mais uma edição do Coming Up.

Quando uma história nos apresenta peões com backgrounds inesperados e super bem fundamentados é impossível resistir. E é por isso que em The Undoing ficamos presos na primeira vez que vemos Grace entendemos que há profundidade, e sem entendermos entramos numa espiral sobre a complexidade do lado psicologia humana e na forma como alguém, que até é instruído na área, sucumbe ao choque de um crime desamparado pela crueldade. Grace é muito mais que uma vítima, é o motor que muda as regras do jogo e nos faz duvidar das soluções aparentes. Uma psicóloga de renome que não sabe entender quando é que ela própria está a desabar é um truque da trama que resulta de forma perfeita. Juntando isso com o ambiente glamoroso que nos vendem desde o primeiro segundo, torna tudo muito mais complexo e denso. E se desse lado temos tudo isso, do lado de Jonathan ainda se eleva mais. Um mérito excelente dos guionistas que naquele pequeno almoço do primeiro episódio transmitem o retrato instantâneo da perfeição, ainda lhe dão a camada de pai extremoso na conversa com o filho e fecham tudo com a profissão difícil e a sua dedicação e envolvência com os pacientes. “Quando a esmola é grande o pobre desconfia”, mas mesmo assim, tudo o que sai detrás da cortina de esqueletos de Jonathan consegue ser absurdamente surpreendente, estávamos todos preparados para nos venderem a ideia da inocência, mas o tiro dispara no lado oposto e coloca o cluedo ainda mais intenso. No meio caminho entre ser demasiado ficcional e algo digno de capa de um jornal nacional, a verdade é que se nota um esforço gigante para fugir do clichê noveleiro, e consegue, mesmo com as guinadas necessárias para encadear o que é os tópicos típicos de qualquer produção de televisão ou streaming.

Feitas as apresentações, depois do crime ainda saímos mais do lugar comum. O julgamento é rápido, mas acelera o ritmo, porque se há uma coisa que não falha em The Undoing são os timings, aliás nesse ponto até consegue surpreender-nos noutra perspetiva, a de quem é utilizador da HBO. A HBO ganhou fama por saborear os argumentos, as histórias são contadas com o cronometro colocado em tempo lento, mas aqui mastigam-se os detalhes desnecessários para aproveitar cada segundo para nos dar as explosões que atraem. Isso é mau? Neste caso específico a realização consegue criar uma conexão entre os vários pontos que fazem com que essa “pressa” seja algo benéfico, todos os personagens estão no limites das suas forças debaixo de um julgamento que está exposto ao mundo, e por isso torna-se completamente natural e, sobretudo, credível que essas explosões, esses ganchos, aconteçam a todo o momento. É um extremo, mas um extremo que vem puxar a primeira intenção de mergulhar da densidade da psicologia. É o turbilhão necessário que provavelmente não será assim tão distante daquilo que as famílias que passam por situações similares sentem ou passam. Neste sentido, torna-se imperativo que a partitura de The Undoing seja escrita num estilo tão rápido quanto um estalar de dedos, para sentirmos a destruição daquelas vidas, para sentirmos cada pedaço do castelo de conto de fadas em que a vida de Grace foi mergulhada cair. É a partir daqui que desce a empatia. E empatia é muito importante nesta série. Porquê? A resposta está em Nicole Kidman.

Falar sobre Nicole Kidman neste caso é algo bem complexo. Sim, até a atriz que da vida à protagonista do show é digna deste adjetivo. Nos primeiros dois episódios Grace soa-nos a uma continuidade de Celeste de Big Little Lies, pela sua bolha de perfeição, pelo estilo de vida, enfim, nesse quesito não há muito a fazer. Mas damos por nós a encarar a interpretação da atriz como algo sem sabor, sem fôlego, parece bastante sóbrio e até há partes em que conseguimos debater connosco o porquê de termos Lily Rabe como sidekick ao lado de alguém que claramente está ali sem alma. Até que numa das reviravoltas do plot percebemos que fomos enganados pela experiência de Nicole Kidman e que os “erros” que nos fizeram apontar-lhe o dedo até então são na verdade uma consequência da ambivalência da personagem. Da dita viagem até à densidade da mente que falámos antes. Será que Grace está perdida com tudo isto ou será que Grace é na verdade a culpada? Será que Grace é a mera psicóloga ou será que Grace é a mulher traída que se vingou? É por isto, por isto é que Nicole absorveu toda a expressividade, para deixar a dúvida. É impossível decifrar o que vai na cabeça da personagem, gabamos quem consiga, porque em momento nenhum sai fora do chão ou da sua bolha de contenção. Não há um gesto que nos indique o que ela fez ou sabe, por mais que aparente estar surpreendida, essa surpresa só é revelada quando está na presença de outros e juntando a isso os ditos passeios para se “centrar”, tudo parece suspeito, apesar das provas não indicarem nenhum envolvimento direto. Nem as provas, nem a índole da personagem que se apresenta como amável e sociável dentro do seu jeito tímido de menina rica de boas famílias. É quase um limbo entre seguir a fórmula que resultou com Gone Girl e ao mesmo tempo fugir para algo de uma personagem meio ao padrão regular de How To Get Away With Murder. Entender Grace é a chave do mistério, mas Nicole Kidman blindou-a, à boa moda das grandes divas, um aplauso inesperado para uma Nicole que se tem apagado muito em grandes tramas, e que depois de Bombshell não parecia estar a conseguir assegurar interpretações à altura da sua carreira. Ela é a protagonista do sonho, mas, também, a bolha que se rebenta. Um sonho não tão grande, pequeno como indica a canção de genérico, mas destruído num estalar de dedos que a faz desejar voltar à canção de embalar. É tudo bem catártico quando analisamos pormenorizadamente. Técnica e argumento de mãos dadas é sempre algo digno de nota!

Bem, com Hugh Grant, o outro coprotagonista, a história é outra e com muito mais declives. Na verdade, a atuação de Grant é montanhosa e com algumas falhas. Para quem salta de um mistério como Defending Jacob para The Undoing, Grant que é uma superestrela de Hollywood não entrega nem perto nem de longe um suspeito tão dúbio quanto Jaeden Martell no show da AppleTV+. Na vinda dos grandes astros do cinema para as séries do streaming, este é um daqueles casos em que um outro ator neste mesmo papel poderia entregar uma performance de nos fazer cair o queixo, mas que neste caso rende uma atuação mediana que se encosta no bom argumento e nos diálogos para conseguir levar para junto do público aquilo que é a mensagem do personagem. O tom garboso do Grant para Jonathan dá-lhe o charme que encanta as vítimas, mas passa longe de nós deixar no limbo, se tivéssemos de fazer apostas agora, as chances de que ele seja realmente o culpado, apenas tendo em conta os maneirismos que o ator entrega, são de 100%. Pode ter uma reviravolta, como aconteceu com Kidman? Há espaço para isso, e já se nota uma ligeira evolução, talvez pelo maior espaço de ecrã, entre os episódios três e quatro, mas mesmo com aquele gancho perfeito da entrevista na televisão e com o assumir da afeição, o astro veterano não convence. Sabemos que o personagem está claramente a apelar pela sensibilidade da sociedade, isso é um facto e até é coerente, mas enquanto espectador a missão de tornar tudo muito menos expectável não é cumprida nesse ponto. E sim, a culpa é de Grant, num casting em que pesou o nome é não o talento ou o leque de possibilidades da para dar vida à personagem. Pelo jeito preguiçoso, não nos chocaria uma morte precoce, e sinceramente apesar do nome de Jonathan ser um dos grandes motores, The Undoing ganharia mais em colocar um ponto final na narrativa da personagem. Noah Jupe, ao lado dele, dá uma valente chapada ao nome clássico e prova-se como mais uma aposta para o futuro da indústria, dentro de uns cinco anos será um novo Tom Holland, isso é outro facto. Mas atenção que todo o role de críticas se sustenta na interpretação de Grant, pois Jonathan tem nuances delineadas na perfeição, pontos que unem para dar os punchs lines perfeitos, mas que Grant apenas agarrou recentemente. Rezamos para que ele entenda a engrenagem e se deixe ir na mesma maré que o elenco secundário, esse sim está no ponto.

De Noah Jupe e Lily Rabe até Edgar Ramirez, o elenco tem os sidekicks certeiros para superar os momentos menos felizes dos protagonistas, nas horas em que não agarraram o texto brilhante que têm em mãos. Se bem que Kidman conseguiu criar uma timeline orientadora muito própria e tornar-se no ex-libris do lado psicológico do drama. Com bastante abertura para teorizarmos há momentos em que temos medo de dar um passo em frente, porque a partir do episódio três sente-se que estamos em vias de cair num clichê típico, e é assustador. Há uma tensão e uma fixação no ar do inspetor de Ramirez com Grace, mas como fãs podemos rezar para que nada se concretize, seria uma mancha num mistério que até agora está a fazer um percurso disruptivo e a consolidar-se no top das boas produções recentes deste género. Estruturalmente a narrativa está bem conseguida, porque não há espaço para o óbvio, e consegue segurar a expectativa do que está para vir, tirando os medos de que os clichês habituais nos levam a ter. A verdade é que temos muito poucas certezas sobre o que está para vir. Grace pode ser a grande vilã num surto psicótico? Pode. Mas ainda podemos fomentar a desconfiança sobre Sylvia, ou estamos tão habituados a ver Lily Rabe em personagens duvidosas que já acreditamos em tudo ou aquela atitude afável vinda de alguém tão próxima dos dois membros do casal é altamente suspeita, ela poderia muito bem estar a encobrir Jonathan por alguma paixão não correspondida ou até ter alguma espécie de afeto por Grace, de uma forma ou de outra é altamente suspeita. O visual sombrio casa perfeitamente com a série, que tem alguns sets claustrofóbicos que ajuda a adensar a nossa atenção e a realçar o desconforto dos personagens. É viciante no seu estilo noveleiro, que sai fora dos estilos Poirot ou Sherlock mas bem perto do tom de Defending Jacob e I Know This Much Is True, e só nos faz querer ver mais e mais, o que pode vir a ser um problema porque estão a aumentar a fasquia ao ponto de exigirmos um final nada menos que perfeito! Esperamos por isso, HBO!