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COMING UP | The Mandalorian

 

A LucasFilm já nos ensinou a adorar personagens de todo o género e feitio, desde droídes tolos até robots que nos dão vontade de ter por perto e que durante todas longas-metragens não disseram uma única palavra que nos fizesse entendê-los. Star Wars fez história no cinema e há claramente um antes e um depois no género de sagas. Um projeto que só tem vindo a somar e que mesmo nascido em 1977 de ano para ano só junta ainda mais fãs. Agora no streaming a façanha promete cumprir-se e além do carisma dos personagens ainda se junta uma cinematografia que não deixa até o espectador mais leigo na matéria indiferente. O mundo do entretenimento e a sétima arte estão a mudar e mais uma vez é a mão do universo de Star Wars que ilumina o caminho. Da fotografia à linguagem cinematográfica que bebe cada pormenor épico do original, The Mandalorian coloca a fasquia das produções feitas em exclusivo para o streaming num outro patamar em que até a própria Disney terá de penar para fazer justiça à nova fórmula. Em semana de estreia da segunda season apertamos os cintos para uma viagem intergaláctica pela principal aposta do Disney+. Continua bom? Se continua! O arranque traz o mesmo tom, a mesma beleza da técnica e o mesmo foco de Pedro Pascal. Da escrita ao design, é cinema em estado puro dividido em capítulos, mas sobretudo uma das melhores formas de provar que a história de Star Wars se consegue expandir sem recorrer às âncoras do trio protagonista do principal plot. Só há ganhos neste The Mandalorian e vamos passar por todos eles em mais uma edição do Coming Up. “May the force be with you!”

No meio caminho entre a renovação e a nostalgia está The Mandalorian, que em pleno século XXI ainda tem na génese alguns pilares da primeira fita, mas à parte disso ainda lhe entrega a renovação necessária que vai desde a tecnologia para os efeitos até ao tratamento de imagem que suga qualquer um para dentro dos espaços, é uma verdadeira experiência imersiva. Há um cuidado extraordinário em que cada detalhe seja visível ao olho clínico da High Definition, já existia na primeira temporada em que quase sentíamos os grãos de areia e nesta nova leva de episódios a densidade dos ambientes noturnos traz a mesma sensação. A paleta dos laranjas abre espaço aos azuis e verdes, mas nem o frio desmonta a sensação de conforto que a imagem passa. O cuidado extremado é melhor do que muitas produções gigantes e torna-se no maior fator para nos prender ao argumento. Há técnica, mas uma técnica em pinças em que cada coisa é milimetricamente planeada para trazer o maravilhoso mundo do cinema para a série sem que quem assiste se aperceba dos toques e retoques. Durante a primeira temporada a experiência é muito próxima da  que tivemos com Mad Max: Fury Road e tanto numa franquia como na outra o visual sobressai para lá de tudo o resto, sem que exista um fosso entre a cinematografia, interpretação e argumento, mas que ao mesmo tempo consigamos que os momentos com menos diálogos nos consigam prender de igual maneira. É calmo, ritmado, mas paciente, numa fusão entre o já citado Mad Max e Blade Runner 2049, uma mistura que inesperadamente se prova perfeita!

Mas mesmo com aquilo que pode ser considerado a nata da nata do mundo da sétima arte, The Mandalorian mantém a coerência com as raízes com Jon Favreau a encaixar pormenores cénicos icónicos da franquia de Star Wars quando menos esperamos. As naves que se tornaram em imagens de marca das longas-metragens estão lá para servirem de separador, porém representam mais que isso. São o emblema do mesmo espaço, o link que une toda a narrativa que ajuda os fãs a sentirem-se em casa e entenderem que este The Mandalorian é um regresso às origens. É notório que poderiam ter utilizado milhares de efeitos visuais para melhorar ou tornar mais realista aquela imagem das galáxias mas está lá tal qual como na primeira viagem de Luke Skywalker porque é este o espaço em Star Wars, é esta a ideia que foi criada nos filmes e é tão bom ver como a identidade se mantém sem malabarismos desnecessários. Até nos diálogos há esse cuidado. Por mais que a timeline de Star Wars não seja tão confusa como a dos X-Men da FOX, há muita tinta percorrida nas várias médias e é bom ver o esforço do argumento em colocar dicas sobre o lugar exato em que esta side story se encontra. Desde as referências à queda do Império até à Nova República tudo vai ao mínimo detalhe para unir tudo numa narrativa singular, é um acrescento que se quer integrar e não uma ideia pioneira que vem reformular o que já está escrito. Num mundo onde os revivals são moda entender que há alicerces que precisam de ser respeitados já diz muito sobre a qualidade do plot de The Mandalorian.

Há depois a referência mais óbvia pela qual é impossível não nos apaixonarmos à primeira vista. Sim, o The Child é um fan service descarado, mas é colocado com tão bom gosto que se torna num exemplo de como se pode satisfazer as fantasias do público sem entrar por caminhos regados por falta de nexo. Yoda é de longe uma das figuras mais incontornáveis e reconhecíveis de Star Wars e ter a imagem do mestre nesta série é outra forma de cativar o público. Tudo isto aliado à criação gráfica do personagem que se tornou numa autêntica bandeira de marketing que traz consigo a força de trazer novos públicos para o universo de Star Wars. É familiaridade compactada na força de um único personagem que sozinho consegue mover a audiência e a história. Há momentos de cena em que até podemos criticar os visual effects que criaram The Child e em que os podemos achar demasiado amadores mas se pararmos para pensar, a locomoção da criatura é em tudo semelhante aos trejeitos atabalhoados de qualquer bebé, tão apurado na veracidade que se nós dissessem que é o fruto de captação de movimentos não seria assim tão difícil de comprar a ideia. Há partes em que parece que estamos a ver um peluche mexer-se mas além de termos de justificar a aparente falha com a liberdade artística para nos apresentar a raça, temos ainda de olhar para a forma como o old Yoda se mexe nos velhos tempos. O erro rapidamente se traduz em mais uma homenagem bem feita e carregada de simbolismo! Todos amamos o E.T. de Steven Spielberg mesmo que no nosso imaginário a construção que criamos da imagem e fisionomia de extraterrestre esteja a anos luz daquilo que está no ecrã, é a mesma licença poética que criou uma identidade única para as galáxias de Star Wars aqui adaptada a The Child.

E mais uma vez a empatia é a palavra de ordem. Mesmo com o capacete na cabeça durante 99% do tempo, Pedro Pascal consegue apresentar-nos uma figura consistente e cheia de nuances e emoções sem lhe vermos a cara. É óbvio que força de criação e o mérito estão do lado dos autores, todavia o protagonista enche a tela mesmo nos momentos de silêncio. Ele vence-nos logo no segundo episódio da primeira temporada no momento em que entrega a bola à criança e a partir daí é só somar pedra sobre pedra e entender toda a mentalidade do personagem. Contudo, sobre Mando recai um dos maiores pontos negativos de The Mandalorian. Para um guerrilheiro que busca recompensas e que até é visto e falado no seu meio social, acho que há romantismo demais. A epopeia até pode ter ali algumas influências das estratégias das tramas clássicas que funcionam sempre, é legítimo que o tenha, mas torna toda a estrutura de Mando em algo pouco credível. Parece que em determinado ponto entramos numa corrida para justificar toda e qualquer ação do personagem apenas para que não lhe possamos apontar qualquer tipo de erro de carácter. Sabemos que estamos a falar de algo com a chancela da Disney, mas em alguns pontos aqui o rótulo family&friendly foi um tanto ou quanto exagerado. O arranque a segunda season trá-lo novamente no contexto protótipo de herói capaz de destruir praticamente sozinho uma ameaça que promete devastar centenas de pessoas, veremos agora como avança daqui para a frente.

E já que falamos em nova temporada temos de dizer que depois da guerra épica dos dois últimos episódios, que nos deixaram a roer as unhas, agora já voltamos ao ritmo normal de The Mandalorian com os eventos a acontecerem de forma mais linear e tudo numa onda muito morna para não entregar demais e não confundir os fãs. O primeiro capítulo dá mais uma página à mitologia de Star Wars e ainda reforça a importância do credo defendido por Mando. Aliás, este é um episódio que reforça contexto, é um daqueles que parece ser um filler com um drama mais secundário de fundo, mas que a longo prazo será de consulta obrigatória para entendermos referências. Os autores parecem estar a deixar propositadamente algumas pontas soltas que provavelmente só se vão amarrar na season finale de alguma das temporadas. Esta pode nem ser a prioritária, visto que há um núcleo no espaço que ainda carrega uma vendetta pessoal com o caçador de recompensas. O retorno a Tatooine foi uma sacada ótima para esta segunda season e só serve para comprovar como The Mandalorian é aquela série feita de fã para fã. O percurso parece animador e o elenco secundário parece estar a tornar-se cada vez mais rico. Cara Dune não deve tardar a regressar e ainda bem porque a química dela com Mando foi outras das grandes conquistas do show. Do casting ao guião, mas sobretudo na técnica quase infalível, The Mandalorian é uma excelente aposta e, à sua maneira, única no género. Disney+, “this is the way”.