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COMING UP | The Boys In The Band

 

As mais recentes longas-metragens da Netflix têm comprovado nas últimas semanas que a qualidade do serviço de streaming está para continuar, The Boys In The Band são a nova cartada com um argumento que pode não se encaixar nos parâmetros de todo o tipo de público mas que vem guinar numa direção diferente daquilo que é feito em produções que tenham a comunidade LGBTQ+ como base de fundo. O tema está lá e apesar dos personagens estarem mergulhados em alguns estereótipos, há bastante realismo neste argumento. Além de fugir dos temas habituais e de trazer um lado mais duro e real para um filme queer, The Boys In The Band consegue ser mainstream quanto baste para alcançar todo o tipo de públicos que estejam disponíveis para ouvir a verdade que lhes é contada na película. Mesmo sem Ryan Murphy na escrita, o tom da trama está em linha com a forma como a maioria dos personagens criados pelo autor com orientação sexual gay se comportam. Desde a sexualidade, às emoções e traumas, passando pela castração de liberdade e pela falta de um meio que os encare como alguém absolutamente igual aos demais. É nesta tendência de entregar a realidade contada pelos olhos de quem a vive que The Boys In The Band chega ao público, e consegue surpreender por ir além das doenças, da autodescoberta ou dos amores não correspondidos, aqui há problemas mais maduros com um grupo de luxo para lhes dar vida. Esta semana o Coming Up dá-te mais razões para ocupares o teu serão com a Netflix, e com qualidade!

O género é teatral, do início ao fim. Numa condução excelente, o realizador Joe Mantello consegue transportar a audiência para o ambiente de uma peça de teatro, não só por grande parte da ação se passar no mesmo espaço, mas porque há uma constante sensação de imprevisibilidade nas interpretações. As camadas e as personalidades que o grupo de homens apresenta são tantas e tão profundas que podemos esperar que qualquer coisa saia dali, e é esse um dos fatores que nos conquista logo nas primeiras cenas. Além de ser tudo tão voraz como num típico jantar de amigos às sextas-feiras na casa de qualquer um. Sabemos como será o início, mas estamos longe de entender qual é o percurso. Em The Boys In The Band é isso que acontece, o plano inicial é um e apesar de antevermos que por se tratar de um filme nada pode ser tão normal quanto o que temos nas nossas vidas, não nos deixam margem de manobra para entender o que vai acontecer. Sabemos que à partida vai existir aquela velha e já mais que trabalhada dicotomia homossexuais versus heterossexuais mas para quem conhece o percurso dos atores envolvidos, do realizador e de Ryan Murphy nunca iria comprar a ideia de que todo o filme seria apenas sobre isso, porque são vozes com muito para contar e com experiência suficiente para se envolverem com as linhas gerais da trama ao ponto de a elevarem para outros patamares.

E é isso que acontece. A longa-metragem vai mais uma vez provar a um público generalista que ser gay não significa encaixar-se numa única caixa e que tal como os heterossexuais há uma panóplia de personalidades e que é isso que define cada uma daquelas pessoas. Mas vamos entrar história adentro para referir o quão importante é mostrar que aquele grupo é, tal como já aconteceu em outros projetos, um grupo de amigos que chegou à casa dos trinta ou quarenta e que ainda não tem uma vida amorosa resolvida. Na verdade, é um assunto bastante relevante nos dias que correm sobretudo quando falamos numa geração a baixo que pela falta de possibilidades ou simplesmente por não existirem oportunidades não conseguem ainda responder às constantes perguntas dos avós e tios no Natal: “Quando é que te casas?”, “Quando é que trazes a tua namorada?” e outras que tais. O paradigma atual é outro, e por mais que ainda exista a pressão da sociedade, o tempo agora corre de outra forma e este é mais um dos fatores que consegue garantir a identificação do espectador com esta película. Não os podemos catalogar como estando numa fase decadente mas existe claramente esse subtexto de que está na hora de arrancarem com a vida é de dizerem sem medo o que pensam, por mais oprimidos que estejam ou por mais que na época em que a ação decorre a própria lei não seja benevolente para com aqueles homens. Apesar de toda a mensagem, esta é uma clara narrativa sobre o amor. Sobre o amor no seu todo independente de orientações, e sobre o quão difícil é aceitar as ditas “chapadas” da vida. Entendemos que estamos perante um bom drama quando quem está de fora sente esta envolvência com cada um dos personagens do filme. Mas para que isso aconteça ainda é necessário recorrermos à velha fórmula em que o personagem x nos conta como é que descobriu que é homossexual. É um lugar comum? É. Contudo a opção de esse clichê nos ser entregue por Hank despe logo grande para dessa repetição, é mostrar ao mundo como muitos homens vivem reprimidos para se encaixarem nos padrões da sociedade e como isso pode levar a que muita gente sofra à sua volta.

Temos reunida uma equipa de luxo, mas entre os nomes de Jim Parsons, Zachary Quinto, Matt Bomer, e outros, o destaque vai para a dupla Andrew Rannells e Tuc Watkins, por motivos bem distintos. O Larry de Rannells surpreende por dentro de um elenco tão galardoado termos uma interpretação tão convincente e impactante vinda de alguém que para muitos ainda é uma figura fora do radar. A cena em que ele entra no jogo das chamadas telefónicas foi um dos melhores momentos do filme é conquista pelo lado genuíno que o ator entrega as falas, sinceramente a credibilidade que entregou naquele diálogo em específico deixa quem vê a acreditar que tudo se tratou de algo improvisado pelo ator, dito no momento é fruto de uma construção de personagem excelente. Mas caso não tenha sido, é dado que este é um mistério difícil de resolver, só o facto de nos ter deixado com essa sensação já demonstra o abraço gigante que Rannells deu ao seu Larry, além de casar muito bem com a lógica teatral que a realização nos tenta entregar desde o primeiro segundo. Por outro lado, o Hank de Tuc Watkins tem o mérito divido. Por um lado, a pose e a postura, do ator apresentam toda a narrativa do homem que construiu uma família tradicional e que viveu sobre a batuta dos padrões comuns antes de se entregar aos seus reais sentimentos. Mas, por outro lado, os ganhos do personagem estão muito no guião que nos entrega um personagem completamente fora dos típicos estereótipos em constante contraponto com um grupo de amigos que é claramente queer. O Donald de Bomer tem alguns momentos em que também assume esta mesma postura mais contida, mas também tem o oposto e torná-lo num limbo perfeito, além de que provavelmente quando analisado com maior atenção até é o personagem mais próximo da realidade da maioria da comunidade homossexual.

Por mais estranho que pareça Quinto leva para casa o destaque negativo do filme. A personagem que promete chegar para movimentar as águas não é especialmente interessante e ainda perde por chegar apenas no segundo ato, acabando por não sobreviver às expectativas criadas pelo público até então. Acrescenta mais uma faceta ao grupo, porém acaba por se tornar no personagem com uma exploração básica e com poucos acrescentos à trama. Além de que o intérprete não conseguiu fazer valer a sua força nas cenas em que podia dar um poucos mais de tom na sua atuação. Ficou como algo que não encheu as medidas, e ao contrário do melhor momento de Rannells que destacamos em cima, o pequeno monólogo entregue na despedida do personagem em confronto com Michael pareceu algo saído de um guião, apenas. Não existiu o impacto que a cena pedia e acabou por deixar que a contracena de Parsons saísse para o público como algo exagerado. Pedia-se melhor, sobretudo por sabermos do potencial de Quinto que carregou nas costas I Am Michael e que ganhou destaque justamente ao lado de Ryan Murphy em American Horror Story. Falando em Parsons, no início, antes de mergulharmos no principal evento da trama, parecia que o seu Michael estava um tanto ou quanto exagerado, até que tudo se começa a desenrolar e percebemos que há muito mais acontecer, que há ali um conflito, que há camadas profundas e muitos problemas de aceitação para resolver, podemos até falar de uma depressão mas o projeto decidiu, e bem, não se arriscar a dar um nome às emoções que ele estava a viver, porque toda a ação se passa numa única noite e para tocar nesse tema precisamos de ter cautela, atenção e espaço suficiente para não o encararmos como algo banal ou relativizarmos algo que é tão sério.

Habitualmente a orientação sexual de quem interpreta uma determinada personagem não é relevante e aqui, apesar de não ser um critério fundamental, acrescentou o realismo necessário a cada entoação dada. The Boys in The Band é um bom fruto da parceria de Murphy com Ned Martel que já tinham lançado o fantástico The Normal Heart, este pode não ser tão bom quanto o primeiro, todavia não deixa de ser uma obra que vale a pena ser vista, que entretém e ensina. Todo design que falámos sobre parecer que estamos numa peça de teatro parece ganhar ainda mais destaque pelo momento delicado que atravessamos e por conseguir voltar a despertar a magia e imprevisibilidade do teatro para quem está a assistir. O bichinho de voltar a ir ver uma peça fica realmente a matutar na nossa cabeça e isso é mais um dos méritos do filme. Este é, provavelmente um dos melhores caminhos traçados dentro do género de filmes LGBTQ+, seja por fugir dos lugares comuns seja por conseguir apresentar a realidade sem romantismos ou dramas de saúde profundos, que fazem parecer que ainda são coisas que acontecem apenas na comunidade gay. Fora isso vale mencionar o final em aberto que muitos odeiam mas que até neste ponto, The Boys In The Band, consegue convencer, aliás é precisamente essa falta de encerramento que deixa a cereja no topo do bolo e nos entrega ainda mais que tudo aquilo que a narrativa nos apresentou não é mais do que a vida como ela é. Podíamos ter mais episódios desta vidas? Podíamos, mas fica tão mais interessante deixar a nossa criatividade funcionar neste caso específico. The Boys In The Band pode não chegar ao Oscar, mas de pelo menos uma indicação aos próximos Emmys não se deve escapar facilmente. Parabéns Netflix, parabéns Martel, Murphy e Mantello, o caminho é este! E já agora, que bonita homenagem ao criador original, Mart Crowley, no minidocumentário de bastidores. Se não tens nada para ver agora perde trinta minutos a entender mais sobre a vida e obra deste homem, vais ver que vale a pena!