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"O Atentado" é a série que coloca "o dedo na ferida" e que conta a história pouco conhecida do atentado contra Salazar


Fotos: Direitos Reservados / RTP (Divulgação)

O atentado contra Salazar, em 1937, dá o mote à história da série de ficção histórica com autoria de Francisco Moita Flores e realização de Jorge Paixão da Costa. Composta por dez episódios, O Atentado foi exibido em 2020 pela RTP1 e chegou ao catálogo da HBO Max esta segunda-feira, dia 25 de abril de 2022. O Fantastic esteve à conversa com Tomás Alves, Luís Filipe Eusébio, Anabela Moreira, Dinarte Freitas, Adriano Carvalho e João Craveiro, seis dos intérpretes que compõem o vasto elenco da série que conta com mais de 60 atores.

A ação de O Atentado situa-se no verão de 1937, altura em que o Estado Novo atingiu o apogeu, Salazar governa e dá-se um atentado à bomba contra o responsável político, uma história pouco conhecida dos portugueses, marcada pelo ódio. “A série conta a história de um caso real, que foi bastante abafado na altura. Depois de quase cinco anos de pesquisa que o Moita Flores fez sobre o tema, passa a ser um episódio da nossa história que ganha agora luz e se dá a conhecer ao público”, explica Tomás Alves ao Fantastic.
 
Na série, o ator interpreta Arengas, um inspector da PIC (Polícia de Investigação Criminal) "descontraído, bon vivant e castiço", embora não deixe de ser "profissional e empenhado" nas suas funções. "O Arengas questiona alguns métodos da profissão e do sistema e deixa-se levar, sendo consumido por alguns assuntos alheios ao seu trabalho na polícia. Considera-se um espírito livre, mas vai ser surpreendido pelo amor", contou o ator ao nosso site. "É uma personagem ficcional que o Francisco Moita Flores criou para construir ligações entre as personagens históricas reais desta série e toda a narrativa", adianta Tomás Alves. Neste caso, para preparar este trabalho, não houve uma pesquisa história específica acerca de uma figura, mas sim "sobre o contexto histórico desta altura, deste caso em particular e em ter o máximo de informação que nos ajude a construir esta história", esclareceu.

Para Filipe Eusébio, que recentemente fez parte do elenco de uma outra série de época, A Espia, a preparação para este projeto concentrou-se mais no contexto histórico. O ator refere que estas são duas produções "com tons diferentes", uma vez que "A Espia é assumidamente uma história de ficção que mistura factos e personagens reais para lhe dar base", enquanto O Atentado "é uma historia real, onde existem personagens históricas, e as não reais que existem estão lá somente para sustentar a trama”. "Em O Atentado existe menos liberdade na criação pois estamos a tentar, de alguma forma com mais ou com menos bases e registos, interpretar pessoas que existiram. Aqui, o realizador Jorge Paixão da Costa foi crucial, ao conduzir-nos", concluiu Luís Filipe Eusébio.

 Na história, interpreta o papel de Samuel “Maneta”, uma personagem real e que foi “um PIDE bastante conhecido, provavelmente o piorzinho que por ali andava juntamente com o seu colega Antero da Luz (Isac Graça)", adianta o ator ao Fantastic. "Ambos fizeram parte da brigada de Maia Mendes (Sisley Dias), a qual se juntou Rosa Casaco (João Arrais), na época ainda um agente estagiário mas que se veio a tornar um dos mais conhecidos e importantes agentes da PIDE", conta-nos Luís Filipe Eusébio. O ator salienta o trabalho de “construção conjunta” que fez com o seu colega Isac Graça, que contou ainda com a estrita colaboração da avó deste último. “Já tinha praticamente desistido de encontrar referências concretas e partido para uma construção totalmente imaginaria quando já muito próximo de iniciar as filmagens o Isac Graça mencionou o nome do Samuel à sua avó e ela contou que se lembrava bem dele”, explicou-nos Luís Filipe Eusébio. “Acabei mais tarde por encontrar, num documentário, uma vítima que refere o seu nome e um exemplo da sua crueldade. Estes pequenos pontos concretos deitaram abaixo o que tinha inicialmente desenhado mas permitiram-me escolher um caminho diferente que creio ser mais próximo do fidedigno”, conclui.

otos: Direitos Reservados / RTP (Divulgação)
Presença habituais em séries da RTP nos últimos anos, Anabela Moreira recebe agora em O Atentado o desafio de interpretar Albertina, "uma mulher bem casada mas infeliz", uma vez que está "casada com um homem obcecado pelo seu papel dentro do regime de Salazar", sendo, ainda assim, "uma mulher livre com pensamento crítico sobre o que se passava politicamente em Portugal”. Para preparar esta personagem, Anabela recorreu sobretudo a documentos históricos sobre o início do século até meados de 1940. "Existem nos arquivos da RTP registos fascinantes sobre o atentado e sobre o papel da mulher. Mas acima de tudo, independentemente do papel que a sociedade atribui ou molda, o ser humano é sempre um indivíduo específico e por isso único. Tenho a sorte de ter ouvido histórias maravilhosas sobre a minha bisavó materna e a sua personalidade independente e forte", contou-nos a atriz.

Para além de se concentrar numa história muito concreta - a do atentado ocorrido em 1937 contra Oliveira Salazar - Anabela Moreira acredita ainda que existem ainda factores que tornam O Atentado bastante diferente de outras produções passadas em épocas semelhantes. "Esta série retrata os métodos hediondos que as forças da PVDE e da PIC utilizavam. Acredito que possa chocar algumas pessoas mas a verdade é que a propaganda Salazarista foi tão bem feita que ainda hoje uma parte da população ignora o que significou a vários níveis os métodos do regime de Salazar. É importante colocar o dedo na ferida e mostrar parte da verdade do que foi a nossa ditadura", considera Anabela Moreira.

Dinarte Freitas regressa também à ficção do canal público, depois de dar vida a Fernando Pessoa, em 2017, na série Ministério do Tempo, um trabalho que considera ter sido um dos maiores desafios da sua carreira. "Em Portugal é complicado "tocar" em figuras tão icónicas da nossa história. Ao contrário de alguns países, retratar personagens da nossa história ou situações políticas é sempre motivo de conversa acesa. É sempre um desafio e um presente poder fazer parte destes universos recriados", considera. Em O Atentado, Dinarte será Espeto de Pau, uma personagem que terá "um pequeno cameo no primeiro e segundo episódio", uma vez que é "um dos interrogados pela PVDE por suspeita de envolvimento no Atentado".

"Gosto muito de trabalhar em projetos de época. A nossa história é tão rica, e graças à internet hoje em dia a pesquisa torna-se mais fácil", considera Dinarte Freitas". Comecei por ver vários documentários sobre a ascensão de Salazar ao poder e toda a trajetória política, social e económica da época. Gostei de ler em particular o livro Matar o Salazar - O Atentado de Julho de 1937, de António Araújo. O livro explica com impressionante detalhe os acontecimentos, incluindo as cenas em que participo", contou ainda o intérprete de Espeto de Pau ao Fantastic.

Fotos: Direitos Reservados / RTP (Divulgação)

Já Adriano Carvalho será José Catela, secretário geral da PVDE e “terá a cargo a coordenação operacional na gestão da crise que o atentado originou”, sendo “o homem de confiança de Agostinho Lourenço, o sirector geral da polícia política”. O ator adianta ainda que, sendo esta “uma obra de ficção inspirada em factos reais, este é um dos personagens biótipo” e acredita que “a pesquisa histórica é basilar” neste tipo de produções. “A necessidade de consulta de fontes, seja no formato livro, seja em arquivo audiovisual ou radiofónico - por exemplo, no arquivo da RTP disponível e acessível online – é fundamental”, explicou o ator. “Mais do que uma simples recriação histórica, uma vez que não se trata de um documentário, foi necessário perceber claramente o papel dos seus intervenientes e as suas motivações, no meu caso do capitão José Catela”, conclui Adriano Carvalho.

João Craveiro, que conta já com mais de meia centena de trabalhos no pequeno e grande ecrã, relembra que ao longo da sua carreira teve “a sorte de ter desafios muito interessantes” e que “O Atentado foi um desses”, destacando o “incrível prazer de trabalhar pela primeira vez com o Jorge Paixão da Costa”. Na série será Raul Pimenta, um dos cérebros do atentado e o autor material do mesmo”. “É um homem rebelde e não alinhado politicamente, quase um anarquista. Destemido e disposto a tudo. Tem um percurso antes e após o atentado muito interessante. O que mais me fascinou no Raul Pimenta foi a sua tranquilidade nos momentos mais difíceis. Tinha o seu objetivo acima de tudo”, explica-nos o ator.

“Sendo uma série de época a pesquisa é sempre muito importante. Na verdade não existe documentação substancial sobre estes homens. Este atentado não é tão famoso, por assim dizer. O desafio foi enorme”, explica-nos João Craveiro, outro dos atores do elenco da série da RTP. “Tive em conta o momento histórico em Portugal e também em Espanha porque são realidades a ter em conta. O sindicalismo e a influência crescente do partido comunista. Mas a minha personagem não se enquadra em nenhum propriamente, por isso foi um verdadeiro desafio”, conta o intérprete ao Fantastic.
  
Fotos: Direitos Reservados / RTP (Divulgação)

O Atentado reforça a aposta da estação pública na ficção nacional

O Atentado é um dos novos produtos de ficção que a RTP se prepara para estrear entre 2020 e 2021, uma aposta que se crê forte em séries, minisséries e telefilmes, com a estreia de mais de 20 produtos do género. Numa altura em que os canais privados começam também a produzir formatos de curta duração – a TVI terá no ar Pecado, enquanto a SIC já prepara A Generala e Viúva Negra -, a presença mais recorrente destes produtos televisivos nos ecrãs nacionais é vista, pelo elenco de O Atentado, como um facto de grande importância. Livre da pressão das audiências televisivas, “a RTP assume a sua posição e responsabilidade em elevar a aposta e a qualidade nos conteúdos nacionais a disponibilizar ao país”, acredita Luís Filipe Eusébio. “Ao fazer isso, abriu o mercado, elevou a exigência, e os canais privados que faziam essa aposta mas de forma diferente e esporádica, vendo resultados, procuraram fazer o mesmo”, explica-nos o ator.

Para Anabela Moreira, a RTP “tem tido um papel importantíssimo e pioneiro na criação de conteúdos sejam eles de ficção ou documentais”, acreditando que “o serviço público que tem prestado tem possibilitado o crescimento de uma indústria televisiva relevante”. A atriz salienta ainda “o facto de não terem a pressão da ditadura das audiências” que permite ao canal “arriscar e apostar de uma forma mais significativa em produtos de qualidade”. Adriano Carvalho refere ainda as dificuldades que a produção de uma série como esta poderão ter, uma vez que é um processo “complexo e os recursos são escassos”. “É um formato que os canais privados não têm tanta possibilidade de produzir de forma consistente e assídua. Aqui, o papel da RTP é crucial, assegurando a diversidade e multiplicidade de oferta. Neste momento faz todo sentido pensar em conteúdos de produção nacional com vista ao mercado internacional. Creio que será esse o futuro”, afirma o intérprete de José Catela ao Fantastic.

"Neste momento, parece-me que o formato de série ganhou o estatuto de preferência geral dos espectadores”, acredita Tomás Alves. Para o ator, “plataformas como a Netflix ou a HBO vieram demonstrar isto mesmo” e acredita que em Portugal “estamos a conseguir um nível de qualidade tão bom, ou melhor, que muitos produtos que encontramos nestas plataformas digitais”, começando pela aposta da RTP e alargando-a a outros canais nacionais. "O formato de novela tem a sua importância na nossa televisão, mas ao fazer uma série, o facto de trabalharmos com um guião fechado, dá-nos condições de aprimorar certas coisas e aprofundar as histórias. Em 8 ou 10 episódios conseguimos contar histórias de maneira mais fluída, mais livre e dinâmica, do que em 320 episódios de novela. Acho que a RTP tem tido um papel muito importante de serviço público também na educação, visto que as séries de época têm sido uma grande aposta”, esclarece o intérprete de Arengas.

Fotos: Direitos Reservados / RTP (Divulgação)
Dinarte Freitas destaca também a importância desta aposta da RTP que, na sua opinião “enriquece a diversidade da programação, com histórias que de certa forma educam, ensinam ou relembram os portugueses de tempos idos e outras que mostram e revelam um Portugal tão rico em cultura, história, tradições e paisagens deslumbrantes”, dando os exemplos de O Atentado, Conta-me Como Foi, Terra Nova ou 1986. Da mesma opinião é João Craveiro, que acredita que estas séries “no futuro vão ter grande importância”, não só “pela qualidade crescente mas também pela diferença em relação á equação da novela”.

“Trata se de um argumento de Moita Flores, extremamente conhecedor da época e de todo o processo, assim como das implicações jurídicas e políticas. Talvez resida aí a diferença entre esta série e outras sobre a mesma época, uma vez que O Atentado procura radiografar esse momento preciso do atentado e das suas repercussões no regime do Estado Novo na sociedade portuguesa”, acredita ainda Adriano Carvalho. 
 
"A série é assinada pela realização do Jorge Paixão da Costa, com fotografia de José António Loureiro, produzida pela Coral Europa e interpretada por um grande elenco de mais de 60 atores”, destaca Tomás Alves. Para Luís Filipe Eusébio, esta é “uma série com um elenco forte e é importante na preservação da nossa memória coletiva, fundamental para a sociedade, nomeadamente para não cairmos em erros do passado – hoje mais do que nunca”. 

O Atentado conta ainda com nomes como Laura Dutra, Joaquim Nicolau, Gonçalo Botelho, Diogo Martins, João Paulo Sousa, António Pedro Cerdeira, Miguel Damião, Tiago Aldeia, Filipa Cardoso, Pedro Lacerda, José Pedro Vasconcelos e Filomena Gonçalves, entre muitos outros atores.