COMING UP | Lucifer
O fim da
quarta temporada deixou a promessa de estender a mitologia de Lucifer.
Com uma base tão cheia de opções e que já teve uma exploração tão rica nas
quinze seasons de Supernatural, Lucifer tem a missão de se
superar neste que será o prelúdio para o apoteótico final. Mas consegue? Bom,
nos últimos minutos do primeiro episódio começamos a perceber que sim e que as
manobras são bem diferentes do que estamos habituados. Aliás, a quinta fase vem
trazer isso mesmo: A diferença e o respiro que a série precisava, é a Netflix a
continuar a mexer os cordelinhos e a recuperar o público que se cansou na
penosa terceira temporada. É tempo de explorar melhor as personagens e de
mergulhar na profundidade dos seus conflitos, mesmo que a mecânica do género de
NCIS, com tramas paralelas, continue a acontecer. A questão é que desta vez
não surge como um empecilho, mas como mais uma manobra de encadear todos os
acontecimentos e servir de link entre o humano e sobrenatural. Pelo
caminho, a temporada parece bem imbuída no estilo da CW que a torna mais leve, porém
com mais conteúdo. Não chega a ser a melhor season, mas consegue dar-nos
várias saídas inteligentes e conquistar-nos pelo ritmo. Consegue um andamento
na mesma linha do anterior, contudo ainda mais viciante e sempre com novidades.
É o agrado a quem se quer entreter e para quem se quer realmente relacionar com
os personagens, um equilíbrio perfeito e vários furos acima do que achávamos
que seria possível nos tempos da FOX. Aqui há a filosofia da Banda Desenhada e a
qualidade da Netflix, e tudo isto vai estar no radar do Coming Up desta semana.
Vamos começar
pelo plot twist inicial. Não é preciso ser versado nas narrativas
bíblicas, mas 15 temporadas de Supernatural já nos dão a sabedoria
suficiente para antever que Michael ia aparecer a qualquer momento. Um falso
Lucifer é a porta de entrada, e apesar de não surpreender quem vê e já conhece
a mitologia, consegue trazer uma nova ameaça para a série e desta vez com
proporções bastante maiores. Há momentos que sentimos que podemos estar perante
um ponto de viragem que nos vai entusiasmar tanto como aquele epílogo sobre
demónios revoltados na temporada anterior. Usar Michael como gémeo foi uma
sacada de mestre para nos provar que Decker tem mais para mostrar do que se
apenas uma partner enfadonha e papel de cenário das cenas românticas.
Decker renasceu e em várias cenas provou que foi um potencial desperdiçado em
alguns arcos que enrolaram a protagonista. Além do momento em que finalmente a vemos
tomar uma parte ativa mais séria na sua relação com Lucifer numa discussão
muito mais “realista” do que os habituais diálogos que parecem saídos de
telenovelas, conseguimos vê-la finalmente a ser suficientemente inteligente
para destruir a farsa em apenas um episódio. Num primeiro momento achamos que
este disfarce vai ser o assunto da temporada, mas felizmente, o guião soube
entender que seria chato ver esse jogo do gato e do rato. Ao invés da
repetição, acreditou, pela primeira vez, na sua protagonista feminina e mostrou
que Decker, que é investigadora, é inteligente, está atenta e sobretudo é capaz
de entender os pormenores que estão à sua volta. Porque até então pareceu que
todas as soluções dos seus casos e assuntos lhe caíram no colo sem esforço. Só
por isso já valeu a pena termos Michael. Tudo isto fez qualquer fã mais
reticente acreditar que o romance entre Lucifer e Decker, finalmente se tornou
em algo credível, apesar da fraca química.
O episódio três
é provavelmente um dos pontos altos da quinta parte, e um dos highlights
de Lucifer no seu todo. Todo o episódio veste uma fórmula já testada
pelas produções da Warner, mas esse ar de CW torna-o bem mais cómico. Lucifer
sempre foi uma série com um humor descomprometido e esta lógica de entrar num
“universo” em que eles passam a personagens da própria história, é a cereja no
topo do bolo. Em Supernatural todos os momentos em que optaram por essa
saída deram-nos alguns episódios memoráveis, em Lucifer não há exceções
mas a confirmação da regra, que descontrai o tom sério dos dramas dos
protagonistas, mas sem se esquecer que estão a contar uma história e entre
piadas está lá esse fio condutor. Não é um simples filler, desta vez é
uma forma de introspeção aos conflitos internos sobre todas as vontades divinas
com sacadas divertidas e um bom trabalho de argumento. Não há certezas de que
haja um dedo maior da Warner nesta temporada, mas desde a opção por mudar os
genéricos, cruzar ficção com realidade e a forma como o episódio quatro nos
lança para o passado para nos dar contexto, casa totalmente com as timelines
das séries da CW. Legacies nesta última temporada é um bom exemplo de
como mudar o estilo de episódio pode trazer uma abordagem diferente à história.
Este é um estilo que se pode amar ou odiar, mas a verdade é que funciona junto
do público e tem fôlego para aguentar a injeção de narrativa que nos querem
dar. Enquanto na quarta season nos apresentaram apenas Eve, na quinta
temporada e ainda na primeira metade, já nos introduziram Michael e Lilith. Quem
conhece os traços gerais destas figuras, seja por Supernatural, True
Blood, The Chilling Adventures of Sabrina ou outras séries do
género, sabe que o subtexto que as suas vidas têm é gigante. Encaixar os dois
na mesma leva de episódios é um risco enorme, mas não há confusão, precisamente
pela leveza que este género de episódios com marca de água da CW nos vêm
entregar. É tudo tão balanceado que entendemos a importância sem se tornar
confuso ou cansativo, pelo contrário conseguimos rir-nos. Mérito do argumento?
Também, mas sobretudo por termos o privilégio de ter Tom Ellis no Leading Role.
Um passo acima
de si mesmo, Tom Ellis ainda consegue conquistar-nos sem o mínimo sintoma de
desgaste. Pelo contrário, se Lucifer já entrou para os topos de personagens que
dificilmente vamos esquecer, a sua interpretação de Michael vai comprovar o
talento a quem ainda não viu outros trabalhos do protagonista. Do tom de voz
aos trejeitos, há uma linha distinta nas duas personagens. Apesar de ser a
figura central da história desde o primeiro capítulo, nesta nova season
com os cortes de tempo nos núcleos que orbitam à volta, Tom Ellis levou com
muito do peso do show, mas este facto apenas ajudou a que o trabalho de
execução do ator fosse ainda mais visível, e garantiu um bom avanço no
storyline de Lucifer. Há mais ligação com Decker, há mais conteúdo
clérigo, há mais sobrenatural e há um maior entendimento do personagem que só
torna ainda mais complicado encararmos a despedida como algo tão próximo. A
quinta parte vem provar que Lucifer consegue sobreviver por si só, e tal
como Constantine não surpreenderia ninguém que ele ganhasse um lugar cativo
dentro de Legends of Tomorrow, todo desenvolvimento e construção são
demasiado perfeitos para serem ficarem apenas por aqui é aquele pequeno crossover
com o Arrowverse e esta temporada com os holofotes tão colocados
sobre si não parecem ter sido obra do acaso. Os showrunners parecem ter
planos maiores para Lucifer e apenas nos estão a habituar já a vê-lo
como figura e não como protagonista no universo da série. Se o caminho for
realmente esse, então está somado mais um acerto nesta nova leva de episódios.
Mas o que falha?
Linda e Maze. Ter um filho era a plataforma perfeita para Linda assumir uma
trama só dela com o destaque ela merece, até porque estamos a falar de uma das
melhores personagens de Lucifer. Contudo, o nascimento de Charlie
pareceu tornar-se numa prisão do potencial de crescimento em que a psicóloga
estava na temporada passada. Por mais que as cenas em que entra sejam de morrer
a rir falta mais desenvolvimento e mais cenas. O único momento em que
finalmente o arco dela avança nunca mais é lembrado e fica como uma das pontas
soltas deixadas para a próxima season. Adriana, no pouco tempo de tela pareceu
ter muitas formas de ser explorada, espera-se mais justiça do que a que tiveram
com Azrael. Já Maze é outra história e outra lógica. Por mais que ela esteja
perdida e que faça sentido a opção de aprofundar essa indefinição na
personalidade de Maze, faltou aquele lado que nos fez apaixonar pela
personagem. Ela foi engolida pelo próprio conflito e isso levou a que ficasse demasiado
em segundo plano para alguém que é fundamental à dinâmica da história. No
momento em que os autores lhe decidem dar mais conteúdo para explorar acabam
por reduzir o seu tempo de ação e isso é um contrassenso que faz desta a pior
season para Maze. Dan também começou da mesma forma e aos poucos foi tendo
os seus momentos de destaque, aquela cena no cemitério já valeu o tempo em que
o personagem esteve desaparecido ou relegado a coadjuvante, mas aí a desculpa
do guião foi plausível, porque de facto o pai de Trixie tinha um caminho de
descoberta para fazer depois da morte de Charlotte. Agora Maze? Maze sempre foi
uma força da natureza e por mais que sinta que todos lhe viraram as costas é
estranho é um pouco incoerente tirar-lhe todo o girl power que a tornou
numa figura de culto. Há episódios em que Maze é só mais um adereço, e isso
mais do que incomodar chega a poder ser considerado uma falha, porque defrauda
as expectativas dos fãs e o trabalho de construção feito até então.
No final das
contas, a temporada conseguiu destacar-se pela forma como realmente explorou o
lado sobrenatural, e não ficou em nada atrás das cenas épicas de Supernatural,
o estilo CW ajudou a manter a coerência e tornou tudo muito mais maratonável do
que as anteriores. Pareceu tudo muito mais amarrado e a redução a oito
episódios evitou os fillers que tornavam Lucifer numa daquelas
séries que podemos ver enquanto fazemos outras tarefas. A segunda metade é um
crescimento constante e termina na melhor das fases, depois disto vai ser difícil
surpreenderem mais, mas tivemos um recente exemplo em The Umbrella Academy
sobre como na Netflix as montanhas russas são sinónimo de boas continuações. Há
personagens que se perdem? Sim, mas vamos acreditar que esta é a típica midseason
e que tudo é feito para levar a um determinado lugar. Maze teve o seu melhor
momento nos últimos quinze minutos do último episódio e espera-se que agora
vejamos a Maze de antes com toques de revolta, mas com mais certezas e
garantias. Amenadiel explodiu na última cena é afirmou-se finalmente como uma
personagem que é necessária e não apenas um alívio cómico, é muito provável que
ainda seja ele a chave de muitos dos mistérios. Não vamos gabar mais ainda o
talento de Tom Ellis e vamos ficar com os últimos frames para teorizar
sobre como vão conseguir encaixar Deus em Lucifer, até porque este não
parece ser o Deus engraçadinho e desleixado de Supernatural, mas também
não parece um Super Deus de Morgan Freeman. Neste limbo, só nos resta esperar e
teorizar naquele que é o melhor fecho de temporada de todas as seasons
de Lucifer! Há apenas uma última adenda que me inquieta sempre em Lucifer.
É exigida demasiada licença poética para acreditar que a LUX ainda é um
sucesso, mas alguém ainda vai a uma discoteca que serve crimes com a mesma
velocidade que serve copos?
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