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Contos Bastardos #7 • Film Noir


Contos Bastardos #7
FILM NOIR

Hoje, vou chorar em francês.

Vou pegar na cigarrilha, ligar o gira-discos, deixar que Piaf me acompanhe e ficar na varanda até ao cair da noite. Até que o gelo desça sobre a cidade.

Não mais ponho os pés em Sacré Coeur. Por lá, saltámos entre os sete pecados assim como as crianças entre as pedras de um lago, sem medo de escorregar.

As tardes de gula embriagada em Montparnasse, as noites de luxúria no Boulevard de Clichy, a preguiça das manhãs no hotel em Montmartre, a vaidade com que me seguravas a mão quando desfilávamos pelos Champs Élysées.

Maldito o dia em que parei naquela esquina. Maldita a hora em que não me fiquei pelo local habitual. Que raios partam essa cara pintada por Manet, esses olhos mais cinzentos do que os nossos invernos rigorosos.

Foi nas margens do Sena que te vi com ela, ainda ontem.

Passou tão pouco tempo que aposto que ainda cheiras a mim. Aliás, que o meu sabor ainda brinca nos teus lábios — Deus me perdoe! Espero que essa inglesinha branca com que agora te passeias repare no mesmo e inveje esse misterioso aroma das rosas.
Uma mulher traída pode tudo, até ser sádica. 

Vou voar até Madrid. Ou Lisboa. Não mais quero que me amem com palavras belas e promessas ocas. Se é esta a língua do amor, o certo é que caí à grande e à francesa.

Para amanhã já tenho planos. Logo depois do pequeno-almoço, vou-me apaixonar. Por alguns olhos azuis ou cabelos loiros, por algum sotaque nórdico ou perfume americano.

Esta cidade não me pertence. Fiquem com ela, não a quero mais.

Paris é um bordel, mas eu era a tua favorita.

(Quand il me prend dans ses bras
Il me parle tout bas
Je vois la vie en rose)




Texto: Sónia Costa
Ilustração: Filipa Contente