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Contos Bastardos #6 • Fernando Pessoa e Barack Obama comem uma nata na Brasileira


Contos Bastardos #6
FERNANDO PESSOA E BARACK OBAMA 
COMEM UMA NATA NA BRASILEIRA

— Quer dizer que não concordas com a tua inclusão no sistema de ensino americano?
— Nunca. Se os miúdos aqui já me amaldiçoam há gerações, obrigados a interpretar merdas que escrevi quando estava todo lixado, vou permitir-te expandir as fronteiras do ódio? Deixa-os ler banda desenhada.
— Fernando, as tuas obras fazem parte da cultura nacional…
— Claro está. Também a gastronomia e não vês ninguém a estudar a metafísica do cozido e a nostalgia do pastel de Belém.
— Portugal é um país com tanta história...
— Uma ova. Do que me vale? Não dá para ir beber a bica à Brasileira sem ser atropelado por um rebanho de trotinetes. Estacionar em Sintra é mentira. A minha antiga barbearia virou um McDonalds.
— Eu vou a uma no Martim Moniz, posso recomendar-te. E não me faças lembrar-te de quando disseste “A minha pátria é a língua portuguesa”...
— E repito. Ou nunca ouviste Amália?
— Faz-me lá esse favor. Quantos dólares preciso de te pagar?
— Não se trata de dinheiro. Lisboa está prostituída, eu não. Não queiras deprimir os garotos. Mete-os a fazer mindfullness ou a ler textos de auto-ajuda. Nós, os escritores portugueses, temos todos um parafuso a menos.
— Todos os génios têm o seu quê de loucura.
— Isso mesmo. Mas nós mergulhamos nela. O Ricardo diria que somos maníacos, o Alberto prefere chamar chalupas, chonés. Eu digo só que não jogamos com o baralho todo.
— Ah…
— Ah, mas são verdes. O Nobel era comuna e ateu. E aquele que romantizou o incesto? Um perdeu o olho - e com ele o juízo. O Dantas? Um ciganão. Não queiras transtornar as crianças, Barack.
— E se chamarmos o Álvaro e eu lhe fizer a mesma proposta?
— Escolhe um bar gay friendly no Bairro e eu convido-o para um copo. Acredito que isso já seja pano para outras mangas.  


Texto: Sónia Costa
Ilustração: Filipa Contente