Header Ads

COMING UP | Love, Victor


O selo Disney traz a carga de ser family&friendly, mas talvez no caso de Love, Victor este fator seja uma virtude e não o habitual defeito que acaba por tornar os storytellings vindos da empresa demasiado politicamente corretos ou tenderem a apresentar cenários edílicos, não que este seja um show que vá mostrar algo duro ou cru, mas tem do seu lado o guião feliz, com a veracidade possível dentro da imagem que associamos ao mundo Disney. Tudo isto sem cair em clichês rídiculos. Mesmo que o argumento não bata no mesmo ritmo que o do filme, a série vem dar resposta a uma necessidade urgente. A sexualidade é mais do que defender uma bandeira e numa altura em que tanto se aborda a diferença, Love, Victor apresenta-se como uma história responsável, livre de preconceitos e que volta ao back to basics na construção de uma mensagem, de uma personalidade. Falamos sobre personalidade, e dentro do seu texto teenager, os autores conseguiram unir os alicerces para falar de todos os temas com liberdade sem caírem no exagero ou se tornarem defensivos. É a maturidade que o público precisa para se conseguir realmente relacionar com os protagonistas. Love, Simon foi uma bonita carta de amor e aceitação, mas agora foi tempo de estender isso a outros contextos e mais do que erguer uma busca pela sexualidade, em Love, Victor encontramos a definição de identidade no seu todo. É uma ótima aposta e extremamente atual e nós explicamos-te porquê nesta edição do Coming Up.

A trama consegue unir na mesma produção vários temas e personagens que sofrem de preconceito, com ousadia, mas sem o medo de lhes dar um peso que vá além dos estereótipos habituais e atribuindo um novo sentido ao velho ditado: “Todos diferentes, mas todos iguais”. Pouco importa de onde vimos, pouco importa se gostamos de meninos ou meninas, na verdade importa a maneira como somos porque, em última instância, o que nos define enquanto pessoas são as nossas atitudes e não a maneira como vivemos a nossa intimidade. Mesmo assim, continua a ser importante que as câmaras transmitam para fora o impacto que as ditas “diferenças” têm na vida de quem as tem na pele. Filosofias à parte, vamos à história. Victor é um rapaz de 16 anos que acaba de ter a vida alterada por uma mudança de cidade. Ele e a sua família de origem colombiana vêm do Texas para Creekwood. Ao contrário da maioria dos adolescentes, Victor está genuinamente interessado em começar de novo. Com uma maturidade acima da média para a sua idade, esta alteração pode ser a resposta a várias questões e dúvidas próprias da adolescência. Aquela que parece mais importante, neste contexto, talvez seja a sua sexualidade. Na verdade, o jovem rapaz sente-se atraído por pessoas do mesmo sexo, ao mesmo tempo que tenta convencer-se que talvez seja algo passageiro. Os seus valores e ensinamentos são agora postos à prova e testados numa escola onde a história de Simon, o protagonista da película dos mesmos autores, teve uma importância gigante ao mudar mentalidades e abrir mentes. Um novo começo que serve de porta de entrada para mostrar ao público que costuma acompanhar as tramas adolescentes que é “ok” ter dúvidas e que não há nada de errado em ser curioso em todos os aspetos da vida. Provavelmente é esta curiosidade que faz de Victor um rapaz de 16 com um pensamento de adulto e este é o grande segredo que torna Love, Victor uma fórmula diferente e cativante.



Já que citamos tantas vezes a longa-metragem que serve de base para esta série, vale a pena ressalvar a maneira brilhante com que as duas premissas se interliguem sem que o novo plot atrapalhe a mensagem de amor que Love, Simon deixou. Todas as pontas estão amarradas com uma leveza interessante, provando que é possível fazer um spin-off de algo bom sem arruinar a imagem que tínhamos da obra. Ter Simon como conselheiro, mesmo que à distância, foi uma jogada de mestre para agarrar os espectadores que vibraram com o filme, enquanto nos oferece uma sensação de continuidade do romance e nos prova que aquelas experiências e os eventos que vimos anteriormente mudaram a maneira como Simon olha o mundo, ao ponto de conseguir ajudar outros a superarem os seus medos. Olhando para a relação de Simon com Bram facilmente conseguimos tomá-lo como um exemplo, e é inspirador ver que o alcance da sua autodescoberta leva a que um jovem perfeitamente normal como Victor se sinta à vontade para expor as suas questões mais íntimas. Simon é um diário vivo, um psicólogo, um amigo que se torna num alicerce importante, e mesmo que não o vejamos ele está lá pronto a dizer ao protagonista tudo aquilo que nos que estamos a assistir à série gostávamos de lhe dizer, desde as palavras de conforto até às sugestões das melhores alternativas para resolver os seus problemas. Assim como Victor representa bem os fãs que se identificaram com Simon em Love, Simon, e que aplicaram o argumento do filme na sua própria vida. E assim nasce um influencer neste microuniverso criado por Isaac Aptaker e Elizabeth Berger.

O discurso de Simon no episódio oito consegue levar às lágrimas qualquer um que já tenha lidado com algum tipo de situação de constrangimento consigo próprio ou que tenha ouvido palavras menos bonitas sobre si. É um discurso sobre sexualidade, mas é muito mais que isto. Aliás todo o argumento é mais que isto, é uma história sobre descoberta e família. Em todas as famílias há problemas e mesmo que não sejam os mesmos que são retratados no filme ou que não tenham um final tão feliz como o clã Salazar, conseguimos relacionar-nos e entender que por mais confuso que posso parecer o que acontece na nossa casa, não devemos deixar-nos afetar ou diminuir-nos por isso, na realidade em algum momento já todos passamos por momentos menos felizes. Mesmo assim, os Salazar também passam aquela boa imagem de conto de fadas em que é possível perdoar e fazer remendos quando existe vontade. Se há alguns momentos em que nos parece uma realidade demasiado fantasiosa? Há. Mas todo o show foi desenhado para transmitir uma leitura de esperança, por isso a aposta em manter tudo à tona da água nesta primeira temporada pareceu ser a mais acertada. Vamos deixar que os principais pontos se resolvam para depois sim nos dedicarmos a julgar todos os atos falhados do casamento dos pais de Victor, Pilar e Adrian. Numa segunda temporada? Aí sim, parece que há tempo para nos perdermos por caminhos secundários. Por enquanto estamos numa fase demasiado inicial da série em que ainda é importante que a expectativa dos espectadores seja a de encontrar alguma esperança no mundo dos dramas adolescentes.


Michel Cimino conseguiu fazer um bom trabalho de casa. Não é uma escolha tão acertada quanto a de Nick Robinson para Simon, em termos de talento fica uns furos abaixo, mas tem um conjunto de diálogos que conseguem suportar as arestas que tem a limar para os futuros capítulos. Falta-lhe alguma expressividade em alguns momentos, mas neste ponto fica no ar a dúvida de que isto pode encaixar-se dentro do plano de nos apresentarem Victor como um rapaz maduro e aparentemente consciente e pacato, pelo menos por fora. Porém, conseguiu fazer-nos torcer pelo sucesso do seu romance com Benji, o que nos primeiros segundos de contracena no primeiro episódio parecia algo completamente impossível. A sequência de episódios dá a entender que o elenco está, realmente, a entrosar-se ao mesmo tempo que as gravações decorrem, e isto é muito notório na interação entre Michael Cimino e George Sear na sua viagem. Ali existiu química, existiu algo credível entre os dois. Foi apenas nesse episódio que deixou de parecer que estavam a forçar dois personagens homossexuais a envolverem-se apenas por terem a mesma orientação sexual. Por outro lado, há uma grande critica em relação ao desenvolvimento de uma personagem em específico nesta primeira season. Não há paciência para ouvir nem mais uma vez a Mia, o outro vértice do principal triângulo amoroso, dizer que a mãe a abandonou. A partir do meio da série foram raros os diálogos da personagem em que o tema não viesse à baila. Qualquer fã de séries teenager ou de romances no geral já tinha entendido que a mãe de Mia vai regressar a partir da primeira citação. Foi totalmente desnecessário repetir este facto até à exaustão e tornou Mia numa personagem maçadora e praticamente vazia apesar da atriz Rachel Naomi Hilson não ter apresentado um mau desempenho. Esperava-se mais, sobretudo quando o arranque da relação entre Mia e Victor até foi bastante promissor.

Dentro do que é um filme adolescente, e sobretudo algo com Greg Berlanti aos comandos, Love, Simon tem poucos defeitos que são corrigidos nesta nova série do Hulu. Assente numa linha de texto muito semelhante com The Fosters, que de resto é uma das melhores séries relacionadas com temas LGBTQ+, Love, Victor consegue conquistar pela boa ponte que estabelece entre as duas tramas, pela maneira como passa uma lição muito mais clara do que são as questões da sexualidade sobre o quão importante é assumir para quem sente e não tanto para os outros, e por nos ter trazido uma família que foge dos padrões habituais. Temos um outro contexto, alguns aspetos culturais que no futuro da história vão, certamente, ter mais destaque, e um olhar atento sobre o medo. Sim, porque no meio do turbilhão de emoções e hormonas que é a adolescência, o medo não se torna num inimigo, mas sim num adversário de proporções bíblicas. Love, Victor tem um potencial bastante elevado para uma série que tinha todos os condimentos para se tornar um flop e no fundo só melhora os pontos fortes de Love, Simon. É consulta obrigatória, com a vantagem de ter episódios curtos e um ritmo leve, divertido, e super maratonável. Venha a season dois!