COMING UP | WHITE LINES
Numa história
sobre excessos, White Lines consegue condensar no seu argumento
basicamente tudo o que já ouvimos das loucuras vibrantes de Ibiza. O mistério é
o cerne da questão, mas há muito mais a acontecer nesta primeira season que não
nos deixa esmorecer nas nossas maratonas. É um salto em várias frentes,
completo e coeso, com uma linha orientadora que nos deixa um leque gigante de
opções para a resolução do crime que serve de base à trama de White Lines.
Podemos esperar quase tudo neste espetáculo de excentricidades que está longe
de ser algo básico, mas que se torna altamente consumível pela velocidade com
que os arcos se desenrolam, cheios de pormenores e que se tornam num verdadeiro
quebra-cabeças para quem tenta antever quem é o grande vilão. É, em grande
parte, uma trama visual, com cheiro a verão e que transpira luxo nos cenários,
nas roupas, nas festas, mas sobretudo num enredo que se sustenta, mesmo quando
estamos a falar de um suspense, um género que já parece estar mais que debatido
no cinema, na TV ou no streaming. É um investimento de alto risco, mas no
qual vale apostar o nosso tempo. Porquê? Nós explicamos-te!
De La Casa de
Papel e Vis a Vis, Álex Pina traz apenas um estilo de guião escrito
ao género de telenovela. Mas neste plot, o autor consegue a proeza de
criar algo que é realmente diferente do que nos mostrou até agora. Uma nova
identidade que foge dos estereótipos associados aos gigantes do mundo das
séries como Ryan Murphy, Greg Berlanti ou Shonda Rhimes que parecem ter pulso
firme na hora de criar uma nova história aproveitando, na maioria das vezes,
uma revisão de fórmulas já testadas, do que já funcionou em
trabalhos anteriores e com muito poucos pontos de reinvenção. Aqui, Álex Pina volta
a provar que uma série não se pode julgar com um par de episódios, e que é
preciso dar um contexto maior para que a trama tenha o devido impacto. White
Lines é um estilo diferente, em que se dá prioridade ao conceito das
personagens em detrimento de acelerar uma história apenas para garantir mais ação,
mas que no resultado final se traduz em algo oco. Contudo, há um detalhe
negativo para o público que acompanhou outros trabalhos do criador: A ausência
de ganchos. Se há algo que, sobretudo no streaming, nos faz amar ou
odiar uma série são os minutos finais de cada capítulo e em White Lines talvez
falte fulgor nos encerramentos de cada episódio. Não é, de todo, algo que
prejudique o desenvolvimento da trama ou que se torne chato, é apenas um
detalhe que foge, mais uma vez, daquilo a que estamos habituados nos dramas de Pina.
Em matéria de
elenco, Pedro Casablanc volta a cruzar caminho com a Netflix, mas desta vez sem
a casca de agente da polícia que vestiu em Toy Boy e que ainda o
acompanha na Trilogía del Baztán, agora do outro lado volta a provar-se
como um dos melhores atores do mercado espanhol, sem as pressões de ter de
carregar um argumento nas suas costas, como aconteceu em Toy Boy, e
entregando contracenas perfeitas com aos protagonistas deste enredo. Todo o núcleo
Calafat é, de resto, uma aposta ganha. Não são os Corleone mas a noção de máfia
paira o tempo todo no seio da família que é uma jogada de mestre do argumento,
mas também um dos grandes riscos de White Lines. Belén López e a sua Conchita,
seguem a regra de Álex Pina de deixar o poder nas mãos das mulheres, mas desta
vez além de poder, entrega-lhe sensualidade. Aos 50 anos, a atriz espanhola
esbanja uma forma física invejável e volta a provar que adjetivos como sexy
não têm um prazo de validade definido. Mas o guião vai ainda mais longe ao
mergulhar num tema tão polémico quanto os Complexos de Édipo e Electra que acompanham
toda a família, com zero pudores, e sem os catalogar como uma perversão.
Todos nós já tínhamos
visto Nuno Lopes como traficante em Sangue do Meu Sangue, contudo, e sem
grandes surpresas, o ator volta a provar-se completamente versátil, excluindo
logo nas primeiras cenas possíveis comparações entre os dois papéis. Aqui não é
simplesmente um bad boy, é alguém que seguiu o trajeto que a vida lhe
desenhou sem que isso o tornasse necessariamente em alguém com mau caráter.
Entrega-nos uma visão bem delineada de um personagem que poderia facilmente
cair em estereótipos e que se torna facilmente num dos favoritos dos fãs da
série. Há emoção em todo o lado, independentemente das ações que praticam, um
bom apontamento do argumento para provar que toda a gente é mais do que um
simples arquétipo de bondade ou vilania. Aqui, vende-nos sim, a química e
afeição num romance aparentemente impossível, mas que nos volta a fazer torcer
pelos anti-heróis, como sabemos que Álex Pina gosta de fazer. Há tanto de “mágico”
como de imperdoável naquela relação, algo bem doseado num amor completamente desequilibrado
e cuja definição está mais próxima de uma montanha-russa que de um Romeo&Juliet
dos novos tempos. No entanto, Zoe e Boxer conseguem sobressair como algo
verdadeiro numa pilha de tramas que vivem do clima de prazeres que se pode
encontrar em Ibiza.
Marcus é a personagem
mais relacionável da trama, apesar de aparentemente nos dar o arco mais
simples. Oferece-nos o balanceamento que torna White Lines num show
realmente diferente, com um alívio cómico bem colocado sem cair em exageros, mas
que acrescenta realidade à narrativa. Tem um background dramático por detrás de uma suposta visão de espectador. Está constantemente na
berlinda, com problemas tão reais quanto os de cada um de nós, apenas com o
detalhe de ter a droga colada à espinha dorsal da sua história. Se o
despojarmos das suas adições, Marcus poderia ser um de nós envolvido nos imbróglios
que assolam a ilha. A relação com Anna, ganhou um peso gigante na trama a
partir do episódio seis, e esse efeito sente-se no tom dos episódios que se
tornam tão viciantes quanto aquilo a que estamos habituados pelas mais recentes
séries espanholas da Netflix. Um trabalho notável do departamento de casting na
escolha de Daniel Mays, que além de talento empresta características físicas
que nos fazem adorar o personagem logo à primeira vista.
Não há nada de soft
em White Lines. Sexo, drogas, festas, tudo está como deve estar: O mais
explícito possível, porque é nestes detalhes que a série conquista o seu lugar
nos nossos tops. É tudo envolvido numa credibilidade inegável, mesmo que
estejamos a falar de algo completamente ficcional. Não é feita para qualquer
um, mas consegue abranger a maioria do público com uma trama ambivalente que
vai do romance à excentricidade num estalar de dedos, e com um bom mistério a
rodar no fundo. Vale, ainda, a pena destacar a ousadia da trama em nos oferecer
um final que realmente nos entrega uma conclusão, uma defesa acertada para o
caso de não ser renovada para uma nova season e que demonstra um respeito pelos
fãs que assegurou nesta primeira leva. Apesar disto, é praticamente certo que a
história vá continuar. Há uma margem de manobra enorme por explorar no ambiente
que foi criado, que vai muito além da pergunta: “Quem matou Axel Collins?” Será
que tudo é tão definitivo como nos pareceu nas últimas cenas? La Casa de Papel
já nos mostrou que com Álex Pina nada do que parece é.
Comente esta notícia