COMING UP | The Irishman [OSCARS]
Este é um
líder da época de premiações, mas é sobretudo uma obra que sai diretamente do
sonho de Martin Scorsese. É a reunião dos velhos costumes, num filme em que
tudo o que é novo é usado para fazer justiça à moda antiga. Mesmo que numa
plataforma pouco habitual para o tipo de filme a que The Irishman se
propõe a ser, a Netflix provou ser o lugar perfeito para dar asas à ideia e
realmente colocar todos os pormenores que o realizador tinha conseguido
imaginar São 3 hores e meia longas e pesadas no estilo caprichado do diretor
que traz consigo alguns dos grandes astros de Hollywood. Mesmo assim, nem tudo
correu bem e a longa-metragem pode ser uma verdadeira luta para os
espectadores. É possível uma equipa de luxo produzir um filme entediante? Vamos
ver.
O argumento é
pensado e detalhado para nos colocar a par de todas as escolhas que levaram o
protagonista Frank a chegar ao fim da vida a questionar-se o que terá valido
realmente a pena. É trabalhado cada ponto para nos enredar numa teia da máfia
quase tão realista como aquelas sobre as quais já lemos antes. Mesmo assim fica
atrás dos grandes clássicos como a trilogia The Godfather. Consigo traz
um número gigantesco de personagens que levam a que nos percamos facilmente na
trama, pois todos eles têm algum ponto importante para o desenrolar do plot
principal. Chega a tornar-se algo confuso entender quem é quem e que lugar
ocupam dentro da hierarquia do crime, mas felizmente temos a narração de Robert
De Niro para nos ir salvando, bem vinculado ao género do argumento de The
Wolf of Wall Street.
A questão é que
da parceria entre Leonardo DiCaprio e Martin Scorcese nasceu uma película cheia
de brilho e cor, que tornava a sua duração muito mais eficaz e apelativa com um
argumento em que cada minuto era totalmente necessário para o encerramento.
Aqui, por outro lado, sente-se o peso do tempo e nem tem a ver com a complexidade da máfia porque The Departed já revelou a maestria do diretor neste ponto. Toda a introdução às várias
fases dos personagens centrais é necessária, porém não sustenta as três horas e
meia, porque apesar de toda a informação que nos oferecem continuam a deixar
muita coisa subentendida à espera que o público interprete que o ponto A levou
ao B. Sim, nem tudo tem de ser explicado, porque pode tornar-se chato se assim
for, mas num argumento que perde tempo a retratar tantos particularidades
sente-se alguma falta de foco em contar-nos pontos que realmente nos interpelem
a ter vontade de saber mais.
Ao contrário do
brilho de outras películas como a já citada em cima, Silence ou até
mesmo Hugo, aqui o caminho pela autodescoberta é feito numa área mais
cinzenta, com uma melancolia própria que revela um lado da máfia muito mais
humano. É a ascensão e decadência de um homem que tomou decisões erradas e que
mesmo com consequências continuou fiel a quem desde o início esteve lá não se
contrariando a si mesmo nem quando a morte já o espera. É uma leitura
profundamente filosófica sobre a caminhada de homem em fim de vida que se
questiona e rebobina a cassete para entender onde e como teria agido em cada
ação. Tudo em The Irishman se baseia nas questões existencialistas de
Frank, mas que servem apenas como capa para aquilo que Scorsese quer realmente
tratar: A finitude. E como a idade nos faz ter maturidade para aceitar certas
decisões boas ou más que fizemos. Mais ou menos na mesma linha de Youth,
de Paolo Sorrentino.
Por mais vincada
que esteja a presença do realizador na construção da narrativa, há pequenos
pontos em que quase se transcende a linha de se tornar em algo mais “Tarantinesco”.
Da violência ao tema do crime e nos pequenos banhos de sangue, há alguns
lugares comuns entre os dois gigantes da indústria de Hollywood, e até a
curiosidade de ter aproveitado dois casos chocantes como pano de fundo das suas
obras deste ano. Em The Irishman, ficção e realidade voltam a fundir-se
e desta vez para oferecer mais uma explicação mirabolante sobre um dos maiores
mistérios da História dos Estados Unidos: O assassinato de Kennedy. Um
apontamento que tornou o guião mais interessante pela sua proximidade com algo
que conhecemos tão bem. Além do toque de tragédia que consegue sempre fazer boa
figura dentre de um drama de máfia.
Ver Robert De
Niro, Joe Pesci e Al Pacino a dividirem o mesmo título é algo que nunca poderia
dar errado, apesar do CGI nos dar alguns momentos de aflição. A verdade é que
neste ponto a Marvel foi até agora um dos únicos estúdios que conseguiu
entregar um rejuvenescimento credível. Neste caso, a primeira parte da fita
depende inteiramente de uma boa execução de efeitos visuais e aí ficou aquém
das espectativas. É provável que The Irishman saia da cerimónia sem
prémios. Apesar das suas dez indicações, a verdade é que todo o filme tem
sempre pelo menos um concorrente com melhores chances. As duas únicas exceções,
apesar de improváveis são a de Best Supporting Actor onde Joe Pesci e o
seu brilhante Russel Bufalino, que é uma das melhores partes do projeto, podem
realmente destronar Brad Pitt, e Best Adapted Screenplay onde a concorrência
mais próxima será de Little Woman e Jojo Rabbit, uma disputa
sobre a qual nenhuma aposta pode ser inteiramente segura. No resumo das contas,
The Irishman sai como uma superprodução, mas longe de ser a maior obra
prima de Martin Scorcese.
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