COMING UP | Parasite [OSCARS]
Parasite
é o filme que conquistou Hollywood e colocou o mundo a querer assistir a uma
obra falada em coreano. É o dark hourse desta edição do Oscar que
promete abrir os horizontes da indústria e mostrar que uma boa história
continua a ser o segredo para segurar o público. Esta é a longa-metragem que
redefine o conceito de tragicómico, que nos lidera no caminho do óbvio, para
depois guinar numa surpresa constante. O plot é aparentemente simples,
mas carrega a força de uma crítica à sociedade bem cruel, por detrás dos risos.
Esta é a grande surpresa do argumento que vai dando voltas que enganam, o guião
vai oferecendo pequenos clichês para nos fazer criar expectativas num jogo de
gato e do rato, em que no final saímos a perder, mas a ganhar com uma película
surpreendente que nos leva das gargalhadas ao choro em poucos minutos. É light
na construção e pesado no tom. No fundo, é um conflito constante que nos faz
esquecer que não estamos a assistir a um projeto falado em português ou inglês.
Entre o público parece ser um dos grandes sucessos do ano, mas será que é
realmente isso tudo?
A história é,
aparentemente, bem simples e tem o auxílio de ser algo tão clichê que quando
começamos a ver parece que já conseguimos imaginar o rumo que tudo vai ter. E
este é um fator essencial para nos conseguir realmente fazer pensar no drama. É
a típica comédia em que um grupo de pessoas tenta dar um golpe numa família
abastada, pela qual depois acabam por nutrir algum afeto com o passar dos dias.
Contudo, há um twist bem interessante aqui que nos faz perceber que nada
do que tínhamos pensado é de facto real: O golpe não é para roubar dinheiro,
mas sim para conquistar um trabalho. Para garantir o sustento. É honesto? Não é
no início, mas acaba por ser. Tudo o que fazem decorre de acordo com o pedido,
é o melhor que conseguem para o que se propuseram. O próprio matriarca
deixa-nos o pré-aviso: “Numa vaga para segurança há 500 homens a concorrer,
aqui temos a nossa família inteira a trabalhar”, deixando como ponto assente
que apesar de todo o desenvolvimento até ali ter sido feito entre piadas, o
argumento não está ali para brincar mas para entregar o Punch Line de
que tudo isto é um retrato da falta de oportunidades e de como as aparências
abrem portas.
Na visão que Parasite
apresenta sabemos que conhecer as pessoas certas e ter algum grau académico
superior te torna imediatamente apto para ocupar uma vaga. É um contexto
exagerado sobretudo se nos basearmos na atitude um pouco tosca da família Park,
no entanto é uma mensagem que sabemos que não foge da realidade. Uma bola de
neve que serve de gozo, mostrando que na era em que estamos a sociedade atingiu
um novo cúmulo em que mais vale parecer do que ser. É um drama que aqui se
despe da crueldade para cair quase no ridículo, mostrando que basta uma pessoa
mal-intencionada para contaminar um sistema inteiro. Aqui Kim é o elemento
alfa, o narrador mudo da história que nos acompanha por uma onda de
estereótipos que existem em qualquer parte do globo e que deixa antever a
fragilidade de quem na sua altivez se acha melhor por ser mais influente mas
que ao primeiro esquema cai como um tordo. É fácil entender o percurso dos
primeiros minutos do projeto: Sabemos que todos vão lá parar, resta saber qual será
a opção mais hilariante para o fazer.
O trabalho de
argumento é realmente algo que merece reconhecimento. Toda a estrutura é
elaborada da mesma forma clássica que qualquer novela, recheada de comédia, até
parar para respirar, rebobina a fita e nos oferece um lado B em que o drama é
verdadeiramente uma surpresa. A parte em que a empregada que expulsaram volta e
tem os seus próprios esqueletos até que é previsível, mas ninguém espera que o
golpe os leve a quebrar o seu próprio código de honra. Aliás, os personagens
que nos foram desenhados como alguém honesto que mente para poder comer,
conseguem mostrar-nos que são mais que isso, que são capazes de agir de várias
formas. Mesmo sem perder a coerência, os personagens carregam duplos sentidos
de responsabilidade e conseguem fazer-nos realmente impactar. Quem esperava que
fossem capazes de matar? A forma cómica como lidamos com eles até então
deixa-nos longe de imaginar que a solução passaria por algo tão definitivo ou
tão grave.
O final é algo
verdadeiramente alucinante e vem mostrar que apesar da honra poder ser vendida
ao dinheiro, a dignidade ainda sai por cima desse leilão. Apesar de nos ser
apresentada a alternativa perfeita para que todos os elementos se escapassem
desta embrulhada e conseguissem manter a farsa, o argumento dá-nos uma
reviravolta necessária para fugir ao desfecho que todos os filmes clichês com
esta mesma premissa nos apresentaram: Ninguém termina inteiramente feliz, e nem
rico ou pobre escapam do momento em que o drama substitui totalmente a comédia
ao leme da narrativa. É o peso necessário para nos entregar o último trecho que
o subtexto de Parasite nos tenta oferecer: Que a sociedade é imperfeita
e que no meio de todas as mentiras, corrupções, injustiças e despreocupações,
no final nenhum dos lados sai inteiramente vencedor.
Parasite
é a visão do mundo no seu estado atual, com a leveza que o torna atraente, mas
que vem com o conceito certo para as discussões que nos rodeiam cada vez que
olhamos para um jornal ou ligamos a TV. A despreocupação, ou melhor a vontade
de olhar para o lado ao invés de encarar o estado das coisas, é a carapuça que
nos serve a todos e nesta longa metáfora entendemos que ali todos compreenderam
a mentira como um mal menor para um objetivo justo. Será que enquanto sociedade
não estamos todos a fazer um pouco isso? Quando paramos para pensar, ainda
conseguimos lembrar-nos de mais e mais pormenores com significado dentro de
todo o filme, será que captamos tudo? Talvez não.
O mérito é em
grande parte do roteiro do projeto, cheio de intenções em cada diálogo, usando
a seu favor o exagero para nos fazer querer ver mais. É um projeto que se dá ao
trabalho, que não se deixa envergonhar dentro dos grandes estúdios que
concorrem ao seu lado. Se é um filme capaz de conquistar o prémio principal?
Até pode ficar atrás nessa luta, até porque todo o hype gerado à volta
deixa sempre as nossas expectativas demasiado altas e os votantes não serão
exceção a esta regra, mas é um concorrente forte para o Academy Award
de Best Original Screenplay. Isto além do prémio de Best
Internacional Feature Film que já lhe pertence, sem deixar margem para
dúvidas. É política condensada na filosofia de uma narrativa que rompe as
barreiras com uma voz diferente do que nós estamos habituados a assistir em
produções que tenham o aval da academia. É outra visão, outro estilo, e um
pouco mais de cultura, que levanta a bandeira da Coreia do Sul e deixa a
promessa de novas obras fora da caixa.
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