COMING UP | Variações
Diretamente
dos EUA, Bohemia Rhapsody e Rocketman afinaram os cinemas um
pouco por todo o mundo, por cá Variações toca os primeiros acordes num biopic
que fala na liberdade de sermos quem realmente somos, enquanto nos apresentam à história de um dos mais irreverentes ícones da música nacional. Da cultura,
ao sexo, e à falta de oportunidades num filme em que o reportório do artista
não serve só de banda sonora, mas é sim o centro da ação. Livre de preconceitos,
mas jogando pelo seguro, esta é a mais recente trama a juntar-se à lista de
grandes produções de 2019.
Claramente
estamos perante o caso em que ator e personagem nasceram um para o outro. Sérgio
Praia é a alma da longa-metragem numa capacidade incrível de recriar toda a extravagância
e sensibilidade de António Variações. Para lá da maneira de ser ou estar, o que
impressiona é a capacidade de se colar à voz única do artista. A interpretação
de Sérgio dá corpo à imagem que temos de Variações com a eficácia suficiente
para que não pareça algo gratuito ou exagerado, tornando-se um “soco no estomago”
para quem olha o cinema nacional com algum soslaio. Uma dosagem que se estende à
grande maioria dos arcos, onde poucas personagens são realmente figurantes dentro
da ação.
Prova disto
mesmo é Vitória Guerra, que mesmo num papel secundário usa as poucas cenas para
dar um show de emoções, na maioria das vezes sem ter de dizer um único diálogo.
A contracena dela com Sérgio Praia e Filipe Duarte é louvável e ainda tem do
seu lado o carinho do público por ser uma mulher à frente do seu tempo, com um
drama fruto da sociedade opressora do século XX. Em paralelo Filipe Duarte
volta a provar-se um “monstro” em cena, oferecendo mais uma atuação quase sem mácula
e com química com o protagonista da película.
O amor dos dois
merecia mais tempo de antena, talvez uns flashbacks do passado acrescentassem o
que faltou, mas não deixa de ser ousado em solo nacional a forma natural e
despreocupada com que se abordou um relacionamento homossexual. A maioria é
passado nas entrelinhas, com uma paixão platónica que se vai consumando à
medida que a narrativa avança. É um contrarrelógio interessante que ainda serve
para nos apresentar a possível verdadeira história por detrás de um dos maiores
hits de Variações, Canção de Engate. O momento da atuação de
António Variações na discoteca Trumps, é um dos muitos exemplos de quão
similar é a voz do ator e do intérprete original.
Para quem não
segue atentamente a carreira do homem do rock, poderá ficar desiludido com
algumas ausências no filme de sons mais conhecidos ou comerciais. Temas como É
P’ra Amanhã ou O Corpo É Que Paga ficaram de fora das escolhas do
argumento que optou por apresentar canções com menos fama a um público que pode
não estar tão familiarizado com o trabalho criativo de António Variações. É uma
seleção que dá um toque cultural ao projeto e nos faz querer ouvir mais. Em
simultâneo somos introduzidos ao olhar crítico das editoras, que castravam a
diferença, catalogando os seus artistas em género e deixando pouco espaço para
ambições pessoais. A luta pela liberdade é foco do início ao fim, mas poucos
eram os que achavam possível que alguém que fugisse da métrica chegasse tão
longe quanto o cantor almejava.
Variações
é um verdadeiro elogio à carreira de um astro que não teve o reconhecimento que
merecia, faltando apenas mostrar o lado menos glamoroso da sua vida. A doença e
as drogas passaram batidas, e talvez até servissem como aviso para o consumo.
Contudo, a realização escolheu o caminho de nos mostrar todo o percurso musical, e
nessa proposta não falhou em nenhum ponto. É um filme coeso e justo para quem é
fã, com um elenco incrível, um guarda-roupa que está no ponto certo e uma banda
sonora sem margem para erro.
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