COMING UP | Big Little Lies
Sensível é provavelmente
o termo mais correto para definir Big Little Lies. No seu estilo novelesco,
a trama fala do quotidiano sem grandes artimanhas ou soluções fora da caixa num
argumento adulto e crítico bem ao estilo HBO. Está cada vez mais próximo do fim
a divisão entre atores de cinema e de televisão, e esta é a aposta que vem
confirmar isso. Mesmo com um elenco de estrelas em que ninguém é figurante. Criativo
e, sobretudo, atual, o enredo passa a “pente fino” questões controversas e
impactantes ao mesmo tempo que nos fala de emoções. Tudo isto envolvendo ainda
um grupo de crianças e questões sobre a educação em pleno século XXI. Será a
receita perfeita?
Com o
empoderamento feminino a fazer eco por todo o mundo apresentar um drama
protagonizado por seis mulheres já é um risco gigante, e quando falamos de Nicole
Kidman, Reese Witherspoon, Zoe Kravitz, Laura Dern, Meryl Streep e Shailene
Woodley, a responsabilidade é ainda maior. Contudo, o argumento consegue
nivelar-se de forma quase perfeita em que o papel principal é espartilhado de
forma bem eclética. Todas têm o seu brilho e com o seu peso dentro da trama. Há
espaço para deixar que cada arco tenha o seu clímax sem apagar os restantes
núcleos. No entanto, Madeline Mackensie é a alma do projeto com a sua
personalidade eletrizante. Ela é a mulher que faz tudo se mover dentro e fora do
pequeno ecrã. Para nós, público, ela balança entre a comédia e a tragédia e
serve como fio condutor para nos integrar dentro da vila de Monterey. O
protagonismo assenta que nem uma luva em Reese Witherspoon que soube dar uma perspetiva
mais madura a uma personagem que poderia cair no exagero. Em toda a sua extravagância
e egocentrismo, Maddie não deixa de ser uma pessoa real com fases boas e más e
atitudes que não fazem dela melhor ou pior que os demais.
É este o
equilibro que torna os episódios tão fluídos. Tudo é feito com senso de justiça
sem nos encaminhar a escolher lados ou defender uma única personagem. É uma
representação fiel da sociedade em que ninguém é inteiramente bom ou mau, mas
sim um misto de emoções. Mas se Madeline nos entrega a história mais ligeira,
por outro lado, Celeste de Nicole Kidman é o contraponto. O plot da
personagem é simples: Apresentar uma vida aparentemente perfeita, ao mesmo
tempo que esconde as marcas de violência doméstica. Falar de agressões entre
casais é importante, urgente, mas esta talvez tenha sido a exposição mais
realista feita dentro do mundo das séries. A construção dos perfis do agressor
e da vítima é feita de forma sustentada, e cuidadosa para que entendamos como é
a rotina de um relacionamento abusivo. Perry Wright é a transposição da figura
que tantas vezes encontramos nas páginas dos jornais: Um homem ciumento,
possessivo e que se sente como dono da esposa, sem remorsos ou culpabilizações
e que encara como algo “normal” a sua conjuntura. É assustador, pensar que na
pele da personagem de Kidman, estão dezenas de homens e mulher que vivem em silencio
por medo ou pelas aparências e muitas delas sem o poder financeiro das pessoas
retratadas.
Monterey é um
local onde convive alta sociedade, bem ao género dos locais de Gossip Girl,
Revenge ou Dynasty. Um microcosmo em que todos sentem que têm
poder e uma palavra a dizer. E é neste contraste que as personagens de Laura
Dern, Renata, e de Shailene Woodley, Jane, entram em ação. Com a nuance de que
aqui o drama é feito a partir de um pequeno problema entre crianças. Mais um
acerto do argumento que além de falar das clivagens sociais ainda fala do
bullying, e das suas consequências. Ser de uma classe mais modesta é meio
caminho para ser visto como alguém menos indicado, culto, ou até um alvo a
abater e num colégio privado, ter alguém do estrato social de Ziggy é algo
quase impensável. Mas tudo piora quando Amabella, a filha da bem-sucedida e
rica Renata, acusa o jovem rapaz de a ter tentado estrangular. A partir daí
começa uma avalanche de acontecimentos que nos mostra até onde podemos ir pelos
nossos filhos, mas, também, a maneira calculista como vivemos, em que não são
necessárias provas de nada, apenas suposições baseadas em preconceitos para se apontar
o dedo a alguém e destruir a vida de qualquer um, até mesmo de uma criança de
sete anos. Uma crítica bem apontada, e que ainda abre espaço para falarmos
sobre a forma como os próprios professores se deixam influenciar pelas pressões
dos progenitores.
Apesar de
abordar vários temas, tudo é feito de forma subtil e justificada, sem parecer
que estamos a ser atropelados por informação ou deixar a história demasiado
confusa. Neste campo, a escolha dos depoimentos dos “vizinhos” servem como um
excelente acelerador, sobretudo por conseguirem mostrar-nos vários ângulos e perspetivas
de cada acontecimento. É um texto que prende na simplicidade aparente expondo assuntos
sérios. A morte de Perry serve de mote à sinopse e é possivelmente o
ponto em que o storytelling se distancia mais da realidade. Porém, ao contrário
da maioria das obras que se desenrolam a partir de um assassinato, aqui o assunto
fica em segundo plano. Um stand by que ajuda a manter a curiosidade, mas
que não retira o foco das principais mensagens que os autores querem
transmitir.
Big Little Lies
tem um jeito muito próprio de se apresentar. É uma mistura de óticas do mundo,
coeso e credível que não deixa nada por dizer e que se torna fácil da maratonar.
Este é um claro exemplo de como a HBO sabe utilizar bem as caras que “trouxe”
do cinema, como já tinha feito anteriormente com True Detective, continuando
a surpreender com uma segunda season onde a fasquia se consegue elevar
ainda mais sem perder a subtileza e sensibilidade de cada uma das
protagonistas. É um produto que merece ser recomendado!
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