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Fantastic Entrevista - Marcos Ghazalla

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O bailarino e professor Marcos Ghazalla é um nome incontornável na Dança Oriental nacional. Nesta entrevista, uma parceria com o instagram Dança Oriental Portugal, o bailarino falou-nos sobre a descoberta da Dança na sua vida, a forma como o público percepciona um homem a dançar e a sua experiência no ensino de Dança Oriental para a Terceira Idade.

1. Como é que surgiu a tua paixão pela Dança e, em particular, pela Dança Oriental?
A dança sempre esteve presente na minha vida desde criança. Lembro-me claramente de quando minha mãe recebia visitas, a mesma acabava por me pedir para dançar samba para suas amigas, devido à desenvoltura com a qual dançava. Durante toda a minha infância a dança em casa era um impulso natural sem grandes pretensões ou sonhos. Somente já na fase adulta, após ter decidido deixar de fazer teatro, e ainda trabalhando na área administrativa, foi aí que recebi um convite de um amigo bailarino para fazer aulas de dança contemporânea. O que na altura achei muito cómico, pois jamais pensava que pudesse vir a ter desenvoltura nesta área mas ao mesmo tempo havia um certo desejo de experimentar e conferir. Logo a partir das aulas descobri que havia algo muito forte que me motivava, e uma ligação muito intensa com a sala de aula. E foi a partir deste momento que descobri que havia uma paixão pela dança. Posteriormente quando estava a me organizar para participar em um Festival de Dança na cidade do Recife, em Pernambuco, mais uma vez, um outro amigo bailarino convidou para irmos fazer um workshop de Dança Oriental. Recordo-me de não ter achado a ideia nada interessante. Para além do que, também tinha a vaga ideia pré concebida, pela falta total de conhecimento, que tratava-se de uma dança exclusiva para mulheres. Mas o mesmo insistiu, e lá fomos. Ainda hoje após 20 anos, recordo-me claramente do primeiro contacto com a Dança Oriental, e de ter sido tomado por uma sensação de reconexão com algo que já me pertencia.

2. Há alguns anos saiste do Brasil para vir viver para Portugal. Quais foram as razões que te levaram a vir viver para Portugal?
Na realidade nunca havia feito planos de viver em Portugal. Foi algo que aconteceu e fluiu ao chegar cá. Tinha como objetivo apenas a ideia de conhecer melhor o país com toda a sua riqueza histórica uma vez que nossas histórias entre Brasil e Portugal estão entrelaçadas e com raízes muito fortes. Para além de que também, poderia estar mais próximo de Festivais Internacionais relacionados a Dança Oriental. Na altura tinha parte da minha família a viver uma temporada por cá, e já com planos de retorno ao Brasil. Porém, ao chegar, fui tomado mais uma vez por paixão e empatia. E de forma muito rápida veio o envolvimento com a sala de aula, com o cotidiano, gerando vínculos que permanecem ainda hoje.


3. Quais foram as maiores dificuldades em continuar a tua carreira na dança em Portugal?
A nível profissional não houve grandes dificuldades, uma vez que já trazia uma bagagem de conhecimentos muito ampla nesta área. Mas a nível pessoal, no início sempre me questionava se estava fazendo a escolha certa em viver cá, devido ao mercado da Dança Oriental ser relativamente pequeno, e ainda estar num processo de amadurecimento. Para além do que cheguei em uma altura em que falava-se muito sobre a crise no país. Não era um quadro muito motivador, mas ao mesmo tempo havia a paixão e empatia por tudo o que me cercava.

4. És dos poucos homens a fazer esta dança no nosso país. Como é que as pessoas reagem ao ver um homem a fazer Dança Oriental?
À primeira vista sempre reagem com muita curiosidade. É aquele olhar de quem não sabe o que vai sair dali, o que penso ser muito natural. Pois afinal não podemos esquecer que no Ocidente as pessoas tem ideias pré-concebidas a cerca da Dança Oriental, sobre mulheres que fazem esta dança para seduzir homens. Infelizmente ainda nos dias de hoje é muito comum conhecer pessoas com esta ideia deturpada desta arte. Mas retornando ao x da pergunta: logo após o primeiro impacto de curiosidade, vem o respeito pelo trabalho e pela postura profissional o que ao meu ver é o fundamental. Afinal, gosto é relativo, é impossível agradar a gregos e troianos. Porém, o respeito é o mínimo que qualquer trabalho feito com seriedade merece receber.

5. Porque é que achas que não há mais homens a fazer Dança Oriental em Portugal?
Acredito que em países em que a valorização cultural diversificada não seja muito forte, sempre haverá ideias pré-concebidas e erróneas, gerando muito preconceito. E por consequência o receio das pessoas em viverem o peso deste preconceito. E este não é um quadro particular somente em Portugal. Trabalhar com Arte, requer estudo, empenho e muita dedicação como diversas outras profissões. Mas ainda há no inconsciente coletivo, que o artista é um vadio, se utilizando da sua expressão natural para entreter pessoas apenas. E por outro lado, porque estamos falando de uma dança que esta vinculada de forma muito forte ao feminino. Logo este é o primeiro desafio a ser ultrapassado por homens que queiram praticá-la. Perceber que a dança é natural a todos os corpos. Independentemente do género. A Dança Oriental não tornará um homem feminino, se ele não for de essência feminina.

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6. Alguma vez sentiste discriminação por seres um homem a fazer Dança Oriental?

Somente no início quando estava a procurar uma turma de aulas regulares para frequentar. Era muito comum fazer uma aula experimental, e logo depois a professora ou a direção do espaço, em privado, mencionar que poderia vir a ser constrangedor para as mulheres terem um homem na sala de aula. Mas sempre agradeci ao Universo estes acontecimentos, pois mais adiante acabei por obter formação com uma professora doutorada em dança, o que fez toda a diferença para o meu aprendizado. O Universo sabia o que estava fazendo.

7. Quais são as maiores diferenças entre o mercado de Dança Oriental brasileiro e o português?
Estamos falando de 2 países com extensão territorial e população completamente diferentes. Interligados, porém de culturas distintas. Para além do que, a Dança Oriental no Brasil já é ensinada desde os anos 70. Havendo muito tempo de lá para cá, para o amadurecimento do mercado e dos profissionais nesta área. Logo ao meu ver, as diferenças resumem-se ao tempo de manifestação da dança em cada país.

8. És professor há vários anos e já formaste muitas bailarinas portuguesas. Quais são as maiores dificuldades em ser professor de Dança em Portugal?
Estamos falando de uma dança que para  profissionalização, requer muito empenho, estudo, disciplina, investimento, e como em outras artes, abdicação de rotinas comuns a quem não vive de Arte. Logo a maior dificuldade a meu ver, é consciencializar as alunas que esta dança requer disciplina e muita, tal e qual como no Ballet Clássico. Não basta abanar as ancas. Trata-se de um processo de aprendizado muito mais complexo e rico, do que aparentemente é.

9. Há algum tempo que começaste a dar aulas a senhoras de terceira idade na Universidade Sénior de Oeiras. Como surgiu esta oportunidade e como está a ser esta experiência?
O meu trabalho com o perfil sénior vem desde o Brasil. Tive o desafio de ser convidado por uma organização para desenvolver este trabalho, ainda numa altura em que mesmo no Brasil não era comum como é hoje, falar-se em Dança Oriental para Sénior. E não faz muito tempo, foi em meados de 2005. Costumo dizer que foi um dos melhores presentes que a dança me ofereceu, fazendo-me buscar outras formações para além da dança, como a Terapia Corporal. Após 2 anos em Portugal, através da Sandra Carvalho, professora e proprietária da International Dance Factory, fui apresentado à diretoria da Universidade Sénior de Oeiras, e a partir daí começamos o trabalho de formiguinha na desconstrução  de conceitos já mencionados anteriormente, enfatizando todo o potencial dos benefícios que a dança traz também para esta faixa etária, mesmo que nunca tenham feito nada de dança na vida.

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10. Quais as principais diferenças entre ensinar Dança Oriental a pessoas de idade?
Antes de mais nada, é preciso ter perfil para trabalhar com esta faixa etária. Buscar informações consistentes e precisas, e acima de tudo ser um profissional paciente. Estamos falando de uma faixa etária que para além de alguns casos de dificuldades físicas, trazem também, uma carga emocional de suas histórias de vida, que implica diretamente no processo de aprendizado. Porém, para quem se identifica, posso dizer que nada paga nesta vida, a satisfação de poder ver uma mulher de 70 anos recuperar a auto-estima, a vaidade feminina, e obviamente mais vigor físico.

11. Qual é o feedback que as alunas te dão relativamente à forma como se sentem desde que praticam as tuas aulas?
Para além da melhoria de questões físicas, que implicam na postura, respiração, coordenação motora, tónus muscular, estimulo cerebral, socialização, posso dizer que o fator que chama muito a atenção é a melhoria da auto-estima. O resgate da vaidade feminina. O direito de se sentir mulher. Não apenas uma companheira, mãe, avó ou tia, mas uma MULHER.

12. Qual a tua visão sobre a Dança Oriental portuguesa actualmente?
Muito tem mudado nos últimos anos. Cada vez mais surgem bailarinas com muito talento. Estamos num processo de amadurecimento. Porém com uma dança ainda muito influenciada por americanas e russas. Acredito que neste processo é preciso também abrir mais os olhos para a dança raíz; se conectar mais com as bailarinas que foram e são referência no Egito.

13. Que dicas dás às bailarinas que estão a surgir e que querem seguir a Dança Oriental de forma profissional?
Estudar sempre! Não apenas a dança, mas também  a cultura.  Dentro do possível também experimentar outras formas de arte, como o teatro e o canto, que somente  desenvolverão ainda mais a capacidade artística. Não confiar apenas no talento. Ele é importante, e faz diferença, mas é algo bruto, e precisa de ser lapidado através do estudo.

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14. O que achas que se pode fazer para a Dança Oriental se desenvolver mais em Portugal?
Pergunta difícil diante do quadro actual. Infelizmente ainda vivemos tempos em que a cultura de forma geral não é prioridade, e não tem o apoio que poderia ter. É um trabalho de formiguinhas, movido pela paixão dos artistas.

15. Se te pedisse para nomeares um livro, um filme e uma música que aches que toda a gente precise de ler, ver e ouvir, quais seriam? E porque é que os escolherias?
Gosto imenso do livro “Segredos da Mente Milionária” de T. Harv Eker. Uma vez que o artista é sempre o empreendedor dos rumos da sua carreira, acredito ser importante ter uma visão pessoal que favoreça a energia e empenho que aplicamos em tudo profissionalmente. Pois afinal, a nossa forma e pensamento pode vir a ser o nosso pior aliado em determinados momentos. E não... Não fiquei milionário após ler o livro (rs)... Mas aprendi a dar valor ao meu trabalho como artista, e a todo o meu empenho, investimento, estudo, e dedicação nesta área. Filme: "A Fonte das Mulheres". Trata-se de um filme de temática árabe, porém com uma mensagem muito significativa, e ao mesmo tempo universal. Quanto a música, gosto de mencionar “Enta Omri” na voz da cantora Oum Kalthoum. Costumo dizer que para os egípcios, a mesma está como Amália Rodrigues para os Portugueses. Ambas serão eternas através de suas canções. Mesmo que não se conheça nada da lingua árabe, esta canção sempre nos toca através do sentimento que a mesma inspira. E esta é uma das funções da arte... Tocar e inspirar pessoas!


16. O que é que ainda gostavas de alcançar na tua carreira?
Sinceramente não penso a cerca do que posso vir a alcançar. Mantenho o meu foco no aqui e agora, e no que estou semeando. No que posso realizar da melhor forma possível em sala de aula. Principalmente junto ao sénior, e no meu contínuo processo de aprendizado. O amanhã e a colheita, logo se vê.

Fantastic Entrevista -  Marcos Ghazalla
Por Rita Pereira
Maio de 2019