Fantastic Entrevista | Especial "4Play"
4Play é a mais recente aposta da RTP2 na ficção nacional. A série portuguesa promete ser um formato que vai mostrar um Porto underground, sem pudor e com uma boa dose de sexo, drogas e rock’n roll.
Nesta edição do Fantastic Entrevista, estamos à conversa com Jaime Monsanto, Luís Porto, Pedro Manana e Tiago Paiva, os criadores de 4Play. A série vai para o ar às quintas-feiras, na RTP2, depois da meia-noite e pode ser revista na RTP Play.
4Play é caracterizada como uma série de comédia "repleta de sexo, droga e rock’n’roll". Porquê a aposta numa série deste género em português?
Luís Porto – A série mostra a vida de um grupo de jovens que tudo o que quer é divertir-se, festejar despreocupadamente. Esta aposta faria sentido em grande parte dos países europeus. E Portugal é felizmente um país boémio, não é por acaso que a nossa produção de vinho é uma das melhores do mundo! Vejo também, como espectador, que há uma falta de uma série com este registo: despreocupado, despudorado que não quer mais do que entreter os espectadores!
Jaime Monsanto – Essencialmente, porque queríamos tratar a juventude actual sem filtros morais, na medida do possível, e de uma forma divertida. No início não havia um género, uma receita específica que quiséssemos seguir. Apenas queríamos criar uma série, à imagem de outras que seguíamos, com personagens fortes, com potencial de ridículo que apaixonasse o público. Imaginando sempre personagens que nós gostássemos de seguir. Foi o processo que nos fez perceber que uma série cómica, feita por jovens e para jovens parecia estar em falta na oferta de produção audiovisual portuguesa.
Tiago Paiva – A 4 Play é uma série que retrata a nossa geração. Um dos objectivos era divertir as pessoas com um produto genuíno e abordar vários temas que muito dificilmente seriam a abordados na televisão Portuguesa. Outra parte importante é que não moralizamos nada. O politicamente correto não existe no meu campo lexical.
Pedro Manana – Porque não existe e era isso que gostaríamos de ver. A série fala de jovens adultos e das suas vivências, uma faixa etária que é muito pouco representada na ficção nacional e as personagens são só pessoas como nós! Bebem, fodem, fumam, dizem palavrões, são capazes de enormes gestos de amizade e carinho, de perdoar e de guardar rancor. Não há o bom e o mau, as personagens são complexas e têm mais tons que preto ou branco. Num momento estamos comovidos com alguma personagem e no momento seguinte estamos desiludidos com uma atitude sua. Quisemos fazer algo com que as pessoas se pudessem identificar. Mesmo estando sempre em situações loucas (muitas delas inspiradas em histórias verídicas) as personagens mantêm uma forte ligação à realidade e a forma como respondem é orgânica e credível ainda que imprevisível.
A série é feita por jovens e o objetivo é chegar também a um público mais novo. Fazia falta uma aposta irreverente na televisão portuguesa?
Luís Porto - Não é um objetivo para nós chegar só a um público mais novo. Queremos chegar aos jovens adultos, mas também a muitos adultos que ainda são jovens. Esse é o público do 4play.
Jaime Monsanto - Uma aposta irreverente faz sempre falta, e sim, a irreverência é, frequentemente, associada à juventude. E a irreverência que procuramos foi sempre essa, um retrato da juventude. Expor os seus comportamentos, as suas atitudes, hábitos e, por meio de um ligeiro exagero e contraste, descobrir o ridículo e a comédia. Desta forma, esperamos que o público mais jovem se identifique com as personagens e queira saber mais sobre elas, mas não deixamos de parte um público de mais idade porque as personagens podem muito bem ser alguém que até lhes é próximo; um amigo, um filho de um amigo, a própria filha... Quem sabe?
Pedro Manana – Claro que o público mais novo vai sentir-se atraído por estas personagens e por estas histórias, mas a série foi feita a pensar nos jovens adultos que vivem na modernidade perfeitamente integrados, mas que ainda têm as referências dos anos 90 e do início do século XXI.
Como surgiu a ideia para este projeto? Porque decidiram propo-lo à RTP e como é que a ideia foi recebida?
Luís Porto - A ideia surge a partir do Tiago Paiva, coautor e um dos argumentistas da “4Play”. O universo destas personagens é muito baseado num universo semelhante ao que o Tiago viveu nos anos em que tocava pelas discotecas espalhadas em Portugal! Quando me conta a ideia do “jogo”, apaixonei-me pelas possibilidades que estas personagens nos poderiam trazer. Portanto, juntamo-nos ao Jaime e escrevemos dois episódios.
Depois dos episódios escritos, era importante mostrar que esta produção era possível ser feita por estas pessoas, então gravamos dois episódios piloto e aí chegou a altura da nossa produtora, Laura Milheiro, ir bater a diversas portas. A RTP2 ouviu-nos e viu o potencial que sabíamos que o argumento tinha. Para êxtase de toda a equipa, decidiu avançar com a temporada. Estamos realmente gratos ao voto de confiança que nos foi dado!
Jaime Monsanto - A ideia surgiu inicialmente por parte do Tiago Paiva, que vive muito de perto a noite do Porto, trabalha na noite como animador e como RP, e gostaria de ver esse universo tratado em televisão. Como consumidor compulsivo de séries, e sendo suficientemente louco para acreditar que era possível, começou por anotar algumas ideias que mais tarde propôs ao Luís Porto, que é também realizador da “4Play”.
Os dois já tinham colaborado num outro piloto produzido pela FRAME - "Heresia" - totalmente filmado em Viana do Castelo. Entretanto, falaram comigo, que entrei na Heresia como ator e escrevi o argumento da curta-metragem "Deus Providenciará", que a FRAME estava a produzir, com a realização do Luís Porto. Fomos os três que escrevemos o piloto de dois episódios e que mais tarde foi vendido à RTP. Foi bem recebido na RTP, apesar de ter sido um processo moroso até à finalização da compra. Mas valeu a pena quando, finalmente, ouvimos a Teresa Paixão dizer - "Queremos esses vilões na RTP2."
Tiago Paiva – A ideia surgiu quando estava a viver em Lisboa a estudar representação e música. Via muitas séries americanas e senti que fazia falta algo diferente em Portugal. Foi aí que depois de escrever um esboço, o apresentei ao Luís Porto. Ele gostou da ideia e começou a escrever comigo. Depois de os dois nos "juntarmos" o resto foi acontecendo naturalmente.
A série fala de quatro amigos que se propuseram a escrever uma série de televisão e que criam um jogo com o objetivo de encontrar o protagonista. De que forma a vossa experiência real se reflete na história?
Luís Porto - Toda a ficção parte de fatores reais. Nestes casos eles são evidentes. Não queria fazer uma série sobre o meio da televisão em Portugal. Primeiro por não conhecer esse meio e porque acho que já existem demasiadas séries que falam sobre esse tema. Ainda agora na grelha da RTP temos uma nova aposta da grande série luso-brasileira “País Irmão” que fala sobre os profissionais da televisão e não é novo este tema ser tão utilizado por argumentistas (não só em Portugal mas também a nível internacional). É fácil perceber porquê, para escrever bem sobre um tema temos que conhecer o muito bem. O que é melhor para um profissional do meio do que escrever sobre o meio que está inserido? Acontece que a “4Play” fala bastante sobre a exposição pública, as personagens desejam alcançar a fama. Querem ser conhecidos pelas pessoas, o que é muito comum para esta geração ambicionar. Fazia todo o sentido o objectivo do “jogo” ser esse. Isto tudo para dizer que o “jogo” serve apenas para catapultar a história. Depois vem o que realmente nos importa: a relação destas personagens e isso já não tem nada a ver com o objetivo de encontrar o protagonista. Isso é o bom da “4Play”. Esse deixa de ser o objetivo para eles, porque o que vão viver durante a temporada vai ditar novos objetivos e razões mais importantes.
Agora é verdade que, muitas das histórias que eles passam, são muito semelhantes (ou tal e qual) a histórias por nós vividas ou por amigos próximos, só que claro, romantizadas e dando o tempero necessário para ser mais cómico ou mais trágico. Na escrita da “4Play”, mesmo por causa da sexualidade, foi também uma grande questão para nós saber até onde podíamos ir, quais os limites que a ficção aguenta.
Jaime Monsanto - De uma forma bastante acentuada. O Tiago Paiva, quando tem a ideia de pensar e produzir uma série, só o faz porque quer tentar a sua sorte na ficção como actor. Na altura tinha frequentado um curso de representação, tentado alguns castings, e como não davam em nada, começou a criar a sua própria oportunidade. O Luís interrompeu o seu curso, já na altura da Heresia (primeiro piloto da FRAME), juntam-se a ele a Laura (produtora) e o Beto (editor). O mais engraçado é que são todos amigos desde o liceu.
As histórias têm, muitas delas origem em situações reais. Mas a transposição para a ficção, adultera ligeiramente os factos, torna-os mais intensos, mas a sua essência está lá e aproxima as personagens do seu público, do real. Ou pelo menos é nisso que apostamos. Foi sempre muito importante para nós que a comédia não surgisse de uma qualquer palhaçada, mas antes, duma verdade que nos fosse próxima e nos questionasse o suficiente para nos fazer rir a todos. Personagens fortes perante situações desafiantes que encontram formas criativas e divertidas de se safarem. Apostamos em ser suficientemente criativos a transpor essa receita para o papel e mais tarde para a tela. O facto de sermos todos muito diferentes uns dos outros ajudou a que à diversidade de soluções.
Tiago Paiva – Quando vivi em Lisboa tinha alguns amigos com os quais passava muito tempo. Foi inspirado neste grupo. Obviamente que depois há cruzamento de personalidades e inspirações em várias pessoas e situações. Mistura-se realidade com ficção.
A série passa-se no Porto e pretende mostrar o lado "underground" da cidade. O local influenciou o rumo da série?
Luís Porto - Nunca houve realmente uma escolha da cidade, foi muito natural para todos que a história que queríamos contar teria que ter o Porto como pano de fundo. Mas sim, o Porto é muito importante para o rumo da série. Se fosse filmado noutra cidade teria obrigatoriamente um registo diferente. Por exemplo, Lisboa seria uma coisa mais glamorosa, Coimbra mais ligado ao espírito universitário.
O Porto é genuíno, é boémio, é também maravilhoso cinematograficamente e pouco explorado, é a escolha ideal para uma série com o carácter da “4Play”. Quando se fala que a série quer mostrar o lado underground, isto quer dizer que nós fugimos o máximo que conseguimos às imagens turísticas da cidade. Não queríamos fazer postais, queríamos que a cidade entrasse conforme as necessidades das personagens. Ora, estas personagens querem diversão, por isso é que a história passa muito nas caves boémias da cidade, daí o underground.
Jaime Monsanto - Sem dúvida. A noite que retratamos é claramente a do Porto. Ultimamente a cidade teve um boom muito grande turisticamente e isso animou muito a noite. Está uma cidade mais cosmopolita, mais aberta à diversidade. Uma cidade capaz de fixar pessoas interessantes. Uma das surpresas agradáveis da produção da “4Play” foi a descoberta de uma artista plástica (Berri, de nacionalidade polaca) muito talentosa, casada com um irlandês (Wilim) que, depois de vaguearem por Espanha e Portugal, se apaixonaram pelo Porto. E ainda bem, porque a Berri contribuiu com a sua arte para dar um encanto extra à casa dos amigos e um ou outro cenário onde gravamos. Entraram como figurantes, porque são figuras encantadoras, assim como outros figurantes estrangeiros que só foram possíveis encontrar porque o Porto é uma cidade muito procurada e confere encanto e carisma à série.
Tiago Paiva – O Porto é a minha cidade e por acaso é a melhor cidade da Europa (não sou eu que digo, fomos considerados os melhores da Europa) e faltam oportunidades no Porto. Quisemos mostrar o nosso Porto e mostrar que não é preciso ser tudo capitalizado.
Luís Porto é um dos criadores e também realizador de 4Play. Em 2012 realizou o episódio piloto da série "Heresia" e em 2014 iniciou a curta-metragem "Deus Providenciará". Como tem sido este percurso até chegar ao 4Play?
Luís Porto - Eu considero-me realmente sortudo pelo meu trajeto me ter dado a oportunidade de conhecer e trabalhar com as pessoas e os profissionais que fizeram possível esta série. Algumas dessas pessoas são peças fulcrais na minha vida pessoal, tendo os meus melhores amigos a trabalharem comigo. O que é um óptimo impulsionador para se ir trabalhar!
"Anu" é a sua próxima curta-metragem. O que nos pode contar acerca deste novo projeto?
Luís Porto - Vai ser um projecto alucinante. Completamente diferente do registo da “4Play”. Baseados em factos verídicos, vamos contar a história do encontro de Aleister Crowley com o nosso tão querido Fernando Pessoa. A história vai dar a conhecer uma parte de Fernando Pessoa que pouca gente conhece. É um thriller policial muito baseado nos film noir e, sim, vai haver uma femme fatale: Anu!
Pedro Manana é também um dos criadores e, simultaneamente, é ator da série. Com apenas 35 anos, tem já uma vasta experiência na representação, tendo feito teatro, dobragens e televisão. O que lhe falta fazer enquanto ator?
Pedro Manana – Espero vir a ter a oportunidade de fazer uma longa-metragem. É algo que ainda não fiz. Mas também sei que se essa oportunidade não surgir, terei de ser eu a criá-la. Este projeto (4Play) veio renovar a minha convicção que onde há muito trabalho, e alguma arte, há uma oportunidade para ser agarrada.
Tiago Paiva é outro dos atores e criador de 4Play. À série, trouxe "um pouco do seu mundo, para que possamos aliar a sua experiência à história que queremos contar". De que forma a sua experiência enquanto músico influenciou o projeto?
Tiago Paiva – A resposta é simples. Sem as vivências que tive enquanto músico, não havia “4Play”. A nossa vida é feita de vivências e foram essas vivências que me fizeram começar a escrever. A música foi uma parte muito importante da minha vida.
Jaime Monsanto é o quarto criador de 4Play. Com mais de 20 anos de carreira como ator, foi ainda diretor de atores e é argumentista. Quão importante é o 4Play neste já seu longo percurso?
Jaime Monsanto - Muito importante, porque é um avanço forte na consolidação de uma alteração de percurso que fiz há dez anos atrás, quando resolvi tornar àquele que era o meu plano inicial: fazer ficção audiovisual. Quando fiz o casting para o curso de interpretação da Seiva Trupe há mais de vinte anos, estudava audiovisuais num curso profissional, já com a intenção de chegar ao cinema e à televisão. Quando o Tiago Paiva e o Luís Porto me falaram da “4Play”, em parte lembraram-se de mim porque já estávamos a produzir uma curta, Deus Providenciará, e porque já tinha escrito uma comédia para a Web que infelizmente não consegui produzir com a FRAME na altura.
Mais importante, a receptividade que o argumento e a série têm tido por parte dos elementos decisores, da RTP e outros agentes, e do público também, já que o piloto foi passado em sessões de focus group a que foi sujeito e onde recebeu muito boas críticas. Entretanto já tenho vindo a escrever, dirigir e produzir outros espectáculos e filmes mas, em regra, não são comédia, um género que quero continuar a explorar. Para todos nós foi importante, porque a estrutura de série é bastante diferente da estrutura da escrita para teatro, curtas ou longas e este projecto criou uma oportunidade para efectivamente por em prática o estudo e as ideias que temos vindo a desenvolver sobre a escrita. Igualmente importante, porque continuamos a produzir curtas e temos planos para longas. Este feito passa a dizer bastante mais da nossa capacidade de concretizar ideias.
4Play terá 13 episódios de 23 minutos. Gostariam de produzir uma segunda temporada ou tudo o que havia para contar está nesta primeira série?
Luís Porto - Estou tão ligado emocionalmente com estas personagens, que me é muito difícil deixá-las. Vejo um enorme potencial na evolução destas relações! E se tudo correr bem, como eu espero, os espectadores da “4Play” vão sentir o mesmo.
Jaime Monsanto - É claro que queremos uma segunda temporada! Este é o começo.
Tiago Paiva – Ainda há muito para contar. Está tudo em aberto e nós temos as ideias organizadas para continuar a história.
Pedro Manana – Demorámos cinco meses a escrever a série. Isso aconteceu por várias razões, mas principalmente porque só avançávamos quando os quatro estavam satisfeitos com o texto e harmonizar quatro cabeças tão diferentes, nem sempre foi fácil. Durante todo esse tempo surgiram muitas ideias e muitas coisas que não pudemos incluir nesta temporada. Também discutimos as personagens no passado e no futuro para que nunca perdêssemos a noção de onde elas vieram e para onde querem ir, portanto... sim, há muita história por contar e muita loucura, que esperamos ter oportunidade de revelar aos fãs da série e não só.
Porque é que os telespetadores não podem perder a série?
Luís Porto - Por tudo o que foi referido nas respostas acima. Se não acreditarem em mim, então pelo trailer ou pelo primeiro episódio que já saiu e se encontra disponível na RTP Play. Mas acima de tudo, porque esta série foi feita e pensada para os telespectadores. Não existe uma pretensão política, social, educativa... existe apenas uma boa história capaz de entreter, de fazer sorrir ou levar às lágrimas (para os mais sensíveis). Existem personagens capazes de criar ligações com quem os vê e com eles os espectadores serem envolvidos neste grupo de amigos.
Jaime Monsanto - Devem ver a série porque estamos cada vez mais convencidos de que temos uma estória com argumentos fortes, personagens, estrutura e encontramos forma muito nossa de a interpretarmos que cremos trazer frescura e novidade no panorama audiovisual português.
Tiago Paiva – Porque é uma série inovadora, sem tabus e que se vão rever nas personagens ou nas acções das mesmas. Vão querer ver sempre o próximo episódio.
Pedro Manana – Porque vão ter a oportunidade de ver algo que nunca foi feito em Portugal. Claro que não inventámos nada, mas tentámos criar a nossa própria linguagem e fugir ao que é banal em televisão, pelo menos na portuguesa. Estou a referir-me a argumento, a realização e edição e até a banda sonora. Acreditamos que as pessoas vão ver a diferença e que vão gostar. Esperamos que estimule a vontade de ver mais coisas em formatos mais alternativos ou arrojados.
Luís Porto – A série mostra a vida de um grupo de jovens que tudo o que quer é divertir-se, festejar despreocupadamente. Esta aposta faria sentido em grande parte dos países europeus. E Portugal é felizmente um país boémio, não é por acaso que a nossa produção de vinho é uma das melhores do mundo! Vejo também, como espectador, que há uma falta de uma série com este registo: despreocupado, despudorado que não quer mais do que entreter os espectadores!
Jaime Monsanto – Essencialmente, porque queríamos tratar a juventude actual sem filtros morais, na medida do possível, e de uma forma divertida. No início não havia um género, uma receita específica que quiséssemos seguir. Apenas queríamos criar uma série, à imagem de outras que seguíamos, com personagens fortes, com potencial de ridículo que apaixonasse o público. Imaginando sempre personagens que nós gostássemos de seguir. Foi o processo que nos fez perceber que uma série cómica, feita por jovens e para jovens parecia estar em falta na oferta de produção audiovisual portuguesa.
Tiago Paiva – A 4 Play é uma série que retrata a nossa geração. Um dos objectivos era divertir as pessoas com um produto genuíno e abordar vários temas que muito dificilmente seriam a abordados na televisão Portuguesa. Outra parte importante é que não moralizamos nada. O politicamente correto não existe no meu campo lexical.
Pedro Manana – Porque não existe e era isso que gostaríamos de ver. A série fala de jovens adultos e das suas vivências, uma faixa etária que é muito pouco representada na ficção nacional e as personagens são só pessoas como nós! Bebem, fodem, fumam, dizem palavrões, são capazes de enormes gestos de amizade e carinho, de perdoar e de guardar rancor. Não há o bom e o mau, as personagens são complexas e têm mais tons que preto ou branco. Num momento estamos comovidos com alguma personagem e no momento seguinte estamos desiludidos com uma atitude sua. Quisemos fazer algo com que as pessoas se pudessem identificar. Mesmo estando sempre em situações loucas (muitas delas inspiradas em histórias verídicas) as personagens mantêm uma forte ligação à realidade e a forma como respondem é orgânica e credível ainda que imprevisível.
A série é feita por jovens e o objetivo é chegar também a um público mais novo. Fazia falta uma aposta irreverente na televisão portuguesa?
Luís Porto - Não é um objetivo para nós chegar só a um público mais novo. Queremos chegar aos jovens adultos, mas também a muitos adultos que ainda são jovens. Esse é o público do 4play.
Jaime Monsanto - Uma aposta irreverente faz sempre falta, e sim, a irreverência é, frequentemente, associada à juventude. E a irreverência que procuramos foi sempre essa, um retrato da juventude. Expor os seus comportamentos, as suas atitudes, hábitos e, por meio de um ligeiro exagero e contraste, descobrir o ridículo e a comédia. Desta forma, esperamos que o público mais jovem se identifique com as personagens e queira saber mais sobre elas, mas não deixamos de parte um público de mais idade porque as personagens podem muito bem ser alguém que até lhes é próximo; um amigo, um filho de um amigo, a própria filha... Quem sabe?
Pedro Manana – Claro que o público mais novo vai sentir-se atraído por estas personagens e por estas histórias, mas a série foi feita a pensar nos jovens adultos que vivem na modernidade perfeitamente integrados, mas que ainda têm as referências dos anos 90 e do início do século XXI.
Como surgiu a ideia para este projeto? Porque decidiram propo-lo à RTP e como é que a ideia foi recebida?
Luís Porto - A ideia surge a partir do Tiago Paiva, coautor e um dos argumentistas da “4Play”. O universo destas personagens é muito baseado num universo semelhante ao que o Tiago viveu nos anos em que tocava pelas discotecas espalhadas em Portugal! Quando me conta a ideia do “jogo”, apaixonei-me pelas possibilidades que estas personagens nos poderiam trazer. Portanto, juntamo-nos ao Jaime e escrevemos dois episódios.
Depois dos episódios escritos, era importante mostrar que esta produção era possível ser feita por estas pessoas, então gravamos dois episódios piloto e aí chegou a altura da nossa produtora, Laura Milheiro, ir bater a diversas portas. A RTP2 ouviu-nos e viu o potencial que sabíamos que o argumento tinha. Para êxtase de toda a equipa, decidiu avançar com a temporada. Estamos realmente gratos ao voto de confiança que nos foi dado!
Jaime Monsanto - A ideia surgiu inicialmente por parte do Tiago Paiva, que vive muito de perto a noite do Porto, trabalha na noite como animador e como RP, e gostaria de ver esse universo tratado em televisão. Como consumidor compulsivo de séries, e sendo suficientemente louco para acreditar que era possível, começou por anotar algumas ideias que mais tarde propôs ao Luís Porto, que é também realizador da “4Play”.
Os dois já tinham colaborado num outro piloto produzido pela FRAME - "Heresia" - totalmente filmado em Viana do Castelo. Entretanto, falaram comigo, que entrei na Heresia como ator e escrevi o argumento da curta-metragem "Deus Providenciará", que a FRAME estava a produzir, com a realização do Luís Porto. Fomos os três que escrevemos o piloto de dois episódios e que mais tarde foi vendido à RTP. Foi bem recebido na RTP, apesar de ter sido um processo moroso até à finalização da compra. Mas valeu a pena quando, finalmente, ouvimos a Teresa Paixão dizer - "Queremos esses vilões na RTP2."
Tiago Paiva – A ideia surgiu quando estava a viver em Lisboa a estudar representação e música. Via muitas séries americanas e senti que fazia falta algo diferente em Portugal. Foi aí que depois de escrever um esboço, o apresentei ao Luís Porto. Ele gostou da ideia e começou a escrever comigo. Depois de os dois nos "juntarmos" o resto foi acontecendo naturalmente.
A série fala de quatro amigos que se propuseram a escrever uma série de televisão e que criam um jogo com o objetivo de encontrar o protagonista. De que forma a vossa experiência real se reflete na história?
Luís Porto - Toda a ficção parte de fatores reais. Nestes casos eles são evidentes. Não queria fazer uma série sobre o meio da televisão em Portugal. Primeiro por não conhecer esse meio e porque acho que já existem demasiadas séries que falam sobre esse tema. Ainda agora na grelha da RTP temos uma nova aposta da grande série luso-brasileira “País Irmão” que fala sobre os profissionais da televisão e não é novo este tema ser tão utilizado por argumentistas (não só em Portugal mas também a nível internacional). É fácil perceber porquê, para escrever bem sobre um tema temos que conhecer o muito bem. O que é melhor para um profissional do meio do que escrever sobre o meio que está inserido? Acontece que a “4Play” fala bastante sobre a exposição pública, as personagens desejam alcançar a fama. Querem ser conhecidos pelas pessoas, o que é muito comum para esta geração ambicionar. Fazia todo o sentido o objectivo do “jogo” ser esse. Isto tudo para dizer que o “jogo” serve apenas para catapultar a história. Depois vem o que realmente nos importa: a relação destas personagens e isso já não tem nada a ver com o objetivo de encontrar o protagonista. Isso é o bom da “4Play”. Esse deixa de ser o objetivo para eles, porque o que vão viver durante a temporada vai ditar novos objetivos e razões mais importantes.
Agora é verdade que, muitas das histórias que eles passam, são muito semelhantes (ou tal e qual) a histórias por nós vividas ou por amigos próximos, só que claro, romantizadas e dando o tempero necessário para ser mais cómico ou mais trágico. Na escrita da “4Play”, mesmo por causa da sexualidade, foi também uma grande questão para nós saber até onde podíamos ir, quais os limites que a ficção aguenta.
Jaime Monsanto - De uma forma bastante acentuada. O Tiago Paiva, quando tem a ideia de pensar e produzir uma série, só o faz porque quer tentar a sua sorte na ficção como actor. Na altura tinha frequentado um curso de representação, tentado alguns castings, e como não davam em nada, começou a criar a sua própria oportunidade. O Luís interrompeu o seu curso, já na altura da Heresia (primeiro piloto da FRAME), juntam-se a ele a Laura (produtora) e o Beto (editor). O mais engraçado é que são todos amigos desde o liceu.
As histórias têm, muitas delas origem em situações reais. Mas a transposição para a ficção, adultera ligeiramente os factos, torna-os mais intensos, mas a sua essência está lá e aproxima as personagens do seu público, do real. Ou pelo menos é nisso que apostamos. Foi sempre muito importante para nós que a comédia não surgisse de uma qualquer palhaçada, mas antes, duma verdade que nos fosse próxima e nos questionasse o suficiente para nos fazer rir a todos. Personagens fortes perante situações desafiantes que encontram formas criativas e divertidas de se safarem. Apostamos em ser suficientemente criativos a transpor essa receita para o papel e mais tarde para a tela. O facto de sermos todos muito diferentes uns dos outros ajudou a que à diversidade de soluções.
Tiago Paiva – Quando vivi em Lisboa tinha alguns amigos com os quais passava muito tempo. Foi inspirado neste grupo. Obviamente que depois há cruzamento de personalidades e inspirações em várias pessoas e situações. Mistura-se realidade com ficção.
A série passa-se no Porto e pretende mostrar o lado "underground" da cidade. O local influenciou o rumo da série?
Luís Porto - Nunca houve realmente uma escolha da cidade, foi muito natural para todos que a história que queríamos contar teria que ter o Porto como pano de fundo. Mas sim, o Porto é muito importante para o rumo da série. Se fosse filmado noutra cidade teria obrigatoriamente um registo diferente. Por exemplo, Lisboa seria uma coisa mais glamorosa, Coimbra mais ligado ao espírito universitário.
O Porto é genuíno, é boémio, é também maravilhoso cinematograficamente e pouco explorado, é a escolha ideal para uma série com o carácter da “4Play”. Quando se fala que a série quer mostrar o lado underground, isto quer dizer que nós fugimos o máximo que conseguimos às imagens turísticas da cidade. Não queríamos fazer postais, queríamos que a cidade entrasse conforme as necessidades das personagens. Ora, estas personagens querem diversão, por isso é que a história passa muito nas caves boémias da cidade, daí o underground.
Jaime Monsanto - Sem dúvida. A noite que retratamos é claramente a do Porto. Ultimamente a cidade teve um boom muito grande turisticamente e isso animou muito a noite. Está uma cidade mais cosmopolita, mais aberta à diversidade. Uma cidade capaz de fixar pessoas interessantes. Uma das surpresas agradáveis da produção da “4Play” foi a descoberta de uma artista plástica (Berri, de nacionalidade polaca) muito talentosa, casada com um irlandês (Wilim) que, depois de vaguearem por Espanha e Portugal, se apaixonaram pelo Porto. E ainda bem, porque a Berri contribuiu com a sua arte para dar um encanto extra à casa dos amigos e um ou outro cenário onde gravamos. Entraram como figurantes, porque são figuras encantadoras, assim como outros figurantes estrangeiros que só foram possíveis encontrar porque o Porto é uma cidade muito procurada e confere encanto e carisma à série.
Tiago Paiva – O Porto é a minha cidade e por acaso é a melhor cidade da Europa (não sou eu que digo, fomos considerados os melhores da Europa) e faltam oportunidades no Porto. Quisemos mostrar o nosso Porto e mostrar que não é preciso ser tudo capitalizado.
Luís Porto é um dos criadores e também realizador de 4Play. Em 2012 realizou o episódio piloto da série "Heresia" e em 2014 iniciou a curta-metragem "Deus Providenciará". Como tem sido este percurso até chegar ao 4Play?
Luís Porto - Eu considero-me realmente sortudo pelo meu trajeto me ter dado a oportunidade de conhecer e trabalhar com as pessoas e os profissionais que fizeram possível esta série. Algumas dessas pessoas são peças fulcrais na minha vida pessoal, tendo os meus melhores amigos a trabalharem comigo. O que é um óptimo impulsionador para se ir trabalhar!
"Anu" é a sua próxima curta-metragem. O que nos pode contar acerca deste novo projeto?
Luís Porto - Vai ser um projecto alucinante. Completamente diferente do registo da “4Play”. Baseados em factos verídicos, vamos contar a história do encontro de Aleister Crowley com o nosso tão querido Fernando Pessoa. A história vai dar a conhecer uma parte de Fernando Pessoa que pouca gente conhece. É um thriller policial muito baseado nos film noir e, sim, vai haver uma femme fatale: Anu!
Pedro Manana é também um dos criadores e, simultaneamente, é ator da série. Com apenas 35 anos, tem já uma vasta experiência na representação, tendo feito teatro, dobragens e televisão. O que lhe falta fazer enquanto ator?
Pedro Manana – Espero vir a ter a oportunidade de fazer uma longa-metragem. É algo que ainda não fiz. Mas também sei que se essa oportunidade não surgir, terei de ser eu a criá-la. Este projeto (4Play) veio renovar a minha convicção que onde há muito trabalho, e alguma arte, há uma oportunidade para ser agarrada.
Tiago Paiva é outro dos atores e criador de 4Play. À série, trouxe "um pouco do seu mundo, para que possamos aliar a sua experiência à história que queremos contar". De que forma a sua experiência enquanto músico influenciou o projeto?
Tiago Paiva – A resposta é simples. Sem as vivências que tive enquanto músico, não havia “4Play”. A nossa vida é feita de vivências e foram essas vivências que me fizeram começar a escrever. A música foi uma parte muito importante da minha vida.
Jaime Monsanto é o quarto criador de 4Play. Com mais de 20 anos de carreira como ator, foi ainda diretor de atores e é argumentista. Quão importante é o 4Play neste já seu longo percurso?
Jaime Monsanto - Muito importante, porque é um avanço forte na consolidação de uma alteração de percurso que fiz há dez anos atrás, quando resolvi tornar àquele que era o meu plano inicial: fazer ficção audiovisual. Quando fiz o casting para o curso de interpretação da Seiva Trupe há mais de vinte anos, estudava audiovisuais num curso profissional, já com a intenção de chegar ao cinema e à televisão. Quando o Tiago Paiva e o Luís Porto me falaram da “4Play”, em parte lembraram-se de mim porque já estávamos a produzir uma curta, Deus Providenciará, e porque já tinha escrito uma comédia para a Web que infelizmente não consegui produzir com a FRAME na altura.
Mais importante, a receptividade que o argumento e a série têm tido por parte dos elementos decisores, da RTP e outros agentes, e do público também, já que o piloto foi passado em sessões de focus group a que foi sujeito e onde recebeu muito boas críticas. Entretanto já tenho vindo a escrever, dirigir e produzir outros espectáculos e filmes mas, em regra, não são comédia, um género que quero continuar a explorar. Para todos nós foi importante, porque a estrutura de série é bastante diferente da estrutura da escrita para teatro, curtas ou longas e este projecto criou uma oportunidade para efectivamente por em prática o estudo e as ideias que temos vindo a desenvolver sobre a escrita. Igualmente importante, porque continuamos a produzir curtas e temos planos para longas. Este feito passa a dizer bastante mais da nossa capacidade de concretizar ideias.
4Play terá 13 episódios de 23 minutos. Gostariam de produzir uma segunda temporada ou tudo o que havia para contar está nesta primeira série?
Luís Porto - Estou tão ligado emocionalmente com estas personagens, que me é muito difícil deixá-las. Vejo um enorme potencial na evolução destas relações! E se tudo correr bem, como eu espero, os espectadores da “4Play” vão sentir o mesmo.
Jaime Monsanto - É claro que queremos uma segunda temporada! Este é o começo.
Tiago Paiva – Ainda há muito para contar. Está tudo em aberto e nós temos as ideias organizadas para continuar a história.
Pedro Manana – Demorámos cinco meses a escrever a série. Isso aconteceu por várias razões, mas principalmente porque só avançávamos quando os quatro estavam satisfeitos com o texto e harmonizar quatro cabeças tão diferentes, nem sempre foi fácil. Durante todo esse tempo surgiram muitas ideias e muitas coisas que não pudemos incluir nesta temporada. Também discutimos as personagens no passado e no futuro para que nunca perdêssemos a noção de onde elas vieram e para onde querem ir, portanto... sim, há muita história por contar e muita loucura, que esperamos ter oportunidade de revelar aos fãs da série e não só.
Porque é que os telespetadores não podem perder a série?
Luís Porto - Por tudo o que foi referido nas respostas acima. Se não acreditarem em mim, então pelo trailer ou pelo primeiro episódio que já saiu e se encontra disponível na RTP Play. Mas acima de tudo, porque esta série foi feita e pensada para os telespectadores. Não existe uma pretensão política, social, educativa... existe apenas uma boa história capaz de entreter, de fazer sorrir ou levar às lágrimas (para os mais sensíveis). Existem personagens capazes de criar ligações com quem os vê e com eles os espectadores serem envolvidos neste grupo de amigos.
Jaime Monsanto - Devem ver a série porque estamos cada vez mais convencidos de que temos uma estória com argumentos fortes, personagens, estrutura e encontramos forma muito nossa de a interpretarmos que cremos trazer frescura e novidade no panorama audiovisual português.
Tiago Paiva – Porque é uma série inovadora, sem tabus e que se vão rever nas personagens ou nas acções das mesmas. Vão querer ver sempre o próximo episódio.
Pedro Manana – Porque vão ter a oportunidade de ver algo que nunca foi feito em Portugal. Claro que não inventámos nada, mas tentámos criar a nossa própria linguagem e fugir ao que é banal em televisão, pelo menos na portuguesa. Estou a referir-me a argumento, a realização e edição e até a banda sonora. Acreditamos que as pessoas vão ver a diferença e que vão gostar. Esperamos que estimule a vontade de ver mais coisas em formatos mais alternativos ou arrojados.
Entrevista: André Pereira
Convidados: Jaime Monsanto, Luís Porto, Pedro Manana e Tiago Paiva
Agradecimentos: RTP / Ana Gaivotas
Outubro de 2017
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