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Duplo Clique | "Cinema fora de rota"




O avião aterrou no Aeroporto Internacional Amílcar Cabral. Em Cabo Verde, na Ilha do Sal. Sal é o que João Manzarra, César Mourão, Rui Unas e Salvador Martinha carregam na pele e na bagagem, além de algumas roupas e uma inusitada pistola de clisteres, tudo menos aquilo que precisam para rodar um filme de ficção-científica: as câmaras de filmar. A SIC estreou no sábado, às 22h45, a série portuguesa de verão mais insolente e ensolarada de todos os tempos, um argumento escrito por João Quadros e Frederico Pombares, produzido pela U-First e co-Produzido pela LobbyProductions e que foge da rota dos generalistas. De Cabo Verde para Portugal, a comédia está garantida.

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A produção televisiva de uns fugazes oito episódios parece saber a pouco aos espectadores, mas contribui na perfeição para o ambiente de descontração e alguma tolice próprias da silly-season. No fim do primeiro episódio deu para perceber que ao sal vai juntar-se a pimenta, com a entrada da eternamente sensual Diana Chaves e com a afinação dos cómicos de situação e das piadas atrevidas, roçando o racismo. E não há censura. Ou não fosse este um guião servido de loucura, irreverência e infantilidade, pensado por quatro cabeças e escrito por Salvador Martinha – em “ambiente FamaShow”, tentam narrar-nos uma história profunda sobre um alien reformado dos caminhos-de-ferro, cuja nave espacial chega da área de serviço de Paderne. Por outras palavras, querem rodar um filme de ficção-científica que já o é antes de chegar ao terreno, tão inverosímil quanto inexequível e delicioso quanto hilariante. E bem protagonizado.

Os atores não interpretam personagens ficcionadas, mas sim eles mesmos, pelo menos, com os nomes dos passaportes. Atores e humoristas de excelência admirados por multidões, suscitaram nas redes sociais elogios e críticas às suas prestações, as quais se devem em parte à qualidade do texto – acessível, calão e mordaz – porque o talento do elenco é inquestionável. As interpretações podem não satisfazer as legítimas expetativas do público, mas pautam-se pela competência e adequabilidade aos papéis. 

A máquina de produzir sonhos transporta a audiência de “Sal” para a ilha do barlavento cabo-verdiano, povoada por 17 mil habitantes e destino de férias low-cost para milhares de europeus. É à luz da Realização de Telmo Martins e da Direção de Fotografia de Pedro Azevedo (estes cargos costumam ficar na sombra dos elogios e merecem referência) que podemos vislumbrar as paisagens áridas, azul-turquesa e perfumadas da ilha do Sal, conhecer as ruas de um povo humilde que sabe receber amavelmente os estrangeiros e ouvir o contagiante e tradicional funaná.

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O “Sal” da SIC tempera a diferença na oferta em sinal aberto. Conquistando um público jovem, de férias e cansado dos dramas das donas-de-casa, convenceu 739 mil e 100 pessoas. É uma série de chinelo no pé mas nem por isso de menos valor; reproduz de forma irónica certos comportamentos sociais (a cena das selfies ignoradas de Salvador Martinha, perante o desprezo de um bando de fãs histéricas no aeroporto, é disso exemplo); e é esteticamente bem conseguida. As semelhanças com os filmes “Ressaca” não foram esquecidas, mas desde cedo refutadas por César Mourão – “O mais próximo do universo de ‘Sal’ por ser ‘A Ressaca’, embora não tenha nada sequer a ver” –, o que só justifica o valor a dar ao produto da SIC.

A história do “filme que correu mal” é leve e mentalmente desequilibrada, mas divertida e impossibilitada de agradar a todos. O bilhete é só de ida. Os passageiros deste voo ficam à espera do sinal de embarque dos próximos capítulos.

“Sal”, para ver aos sábados, às 22h45, na SIC.

DUPLO CLIQUE [16ª EDIÇÃO]
Uma Crónica de André Rosa