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Caçar com Gato • Crónica 2 - "O fantástico precedente do restaurante Boa Sorte"

O fantástico precedente do restaurante Boa Sorte
de Luís G. Rodrigues

Dar um nome a algo nunca é fácil. Pelo menos se a tarefa for levada a sério e não culminar, por exemplo, na preguiçosa atribuição do nome “Pantufa” a um cão.

Parecendo que não, atribuir um nome é uma decisão perigosamente permanente, quase como uma tatuagem. Ainda que, em ambos os casos, seja possível reverter a decisão tomada: de um lado existe um laser milagroso para apagar arrependimentos vincados na pele. Do outro, existe a pura e simples vontade de mudar o nome. 

No entanto, há casos felizes. Casos em que um nome assenta que nem uma luva. Hoje, trago um desses casos que, para além de ser um bom exemplo, abre um precedente fantástico. Falo, com regozijo, do restaurante “Boa Sorte”.

Sim, o restaurante “Boa Sorte” existe. Devido à possibilidade legal de ser contactado pelos donos deste restaurante por uso indevido do seu estabelecimento para fins que não os do lucro do seu estabelecimento, evitarei qualquer tipo de especificações acerca da localização do mesmo. 

Posso apenas dizer que está localizado numa bonita cidade conhecida pelas suas praias magníficas, pela sua proximidade com Lisboa e pelo clube de futebol “recentemente” despromovido para divisões tão baixas que pouparei o sofrimento destes adeptos ao não designar o número que precede o nome da sua Liga. Ah, e pelo choco frito. Talvez, até principalmente pelo choco frito. Talvez não, é mesmo.

(Agora que todos sabemos qual é a cidade, passo a explicar o fenómeno do nome “Boa Sorte”)

Este restaurante que, provavelmente reconhecendo as suas limitações no que diz respeito às habilidades culinárias dos seus cozinheiros, decidiu, de forma corajosa, ser honesto. 

Um restaurante que deseja boa sorte aos clientes antes destes entrarem só pode ser gerido por boa gente. Ou pelo menos por gente que não está a enganar ninguém. Podiam muito bem ter colocado o nome “É tudo ótimo, entre”, mas não. 

Imagine-se o comportamento dos empregados que lá trabalham – de uma honestidade brutal. 

“Como está o cozido à portuguesa, diga-me lá”, questiona um indeciso cliente.

“É assim, eu provei ontem e não estava mau. Pode ser que goste.”

“Desculpe, disse “ontem”? Provou o cozido “ontem”? Não é de hoje?”

“Está a ser servido hoje.”

“Mas é de ontem?”

“Correto. Quer tentar a sua sorte?”

Um empregado de um outro qualquer restaurante desonesto diria que o cozido era de hoje e que estava fenomenal, o melhor cozido que já comeu. Nem o de sua mãe era tão bom. Porém, mentiria. E o restaurante “Boa Sorte” não mente. Apenas desafia.

O ideal seria aplicar esta filosofia terminológica a tudo.

Começando pelos bancos, o melhor era adotar nomenclaturas do género “O seu dinheiro está mais ou menos seguro aqui. Depende.” Dizem – ouvi dizer, claro, não sou má-língua – que, no momento de rebranding do BES, pensou-se neste nome. Infelizmente, não foi para a frente, preferiram a abordagem menos honesta, uma prática comum ao que parece.

No mesmo sentido, outra indústria que podia beneficiar de mais honestidade é a das funerárias. Adotar apelidos para designar este tipo de negócio não está com nada. Não sei quem é que começou esta tendência mas ter o nome de família associado a algo que as pessoas querem ver pelas costas não me parece ser a melhor das ideias. 

 Que tal mudar para “Só daqui a muitos anos” ou “Esperemos que não nos volte a visitar tão cedo!”? Não se pede muito, apenas alguma distância.

 

Texto: Luís G. Rodrigues

Imagem: Till Rabus, "Surrealist camping lunch 4", 2011