COMING UP | Quién Mató a Sara?
Terminou e não deixa saudades. A temporada final de Quién Mató a Sara? chegou à Netflix entregue ao completo estereotipo de novela mexicana com atuações exageradas e reviravoltas que desafiam a lógica, além de conveniências narrativas que parecem ter sido colocadas a martelo apenas para dar algum sentido ao arrastar de episódios que tornou uma série que na sua origem nos cativava mas que duas temporadas depois está completamente desvirtuada.
Sem saudades e sem coerência, Quién Mató a Sara? é um devaneio novelado à deriva e se converte nesta terceira season num autêntico naufrágio penoso. Explicamos-te porquê nesta edição do Coming Up. Fica connosco.
No início desta narrativa, Quién Mató a Sara? era aquilo a que podemos apelidar do bom clichê, as tramas que têm pouca inovação e que mesmo no seu estilo meio brega continuam a dar-nos prazer. Mas essa sensação de guilty pleasure corrói-se a cada nova leva de capítulos.
Se na segunda já tínhamos a sensação de que estávamos a ver uma espécie de Dynasty versão mexicana, nesta última fase entramos mesmo no exagero mexicano, onde nem o background bem trabalhado dos personagens se salvou.
Com a introdução a mais uma mão cheia de temas, a despedida da série cujo objetivo era saber qual o mistério por detrás da morte de Sara tornou-se numa salada russa e chega a ser difícil conseguirmos situar-nos e acompanhar as reviravoltas com o pouco fundamento que têm.
Quién Mató a Sara? é o exemplo perfeito quando os criadores dizem que toda a história tem um princípio, meio e fim. O fim adiado desta produção tornou-se o seu maior carrasco, despindo toda a lógica bem intrincada da primeira temporada para entrar por um caminho onde temas são largados avulso sem suporte da trama.
Na segunda temporada já sentíamos que ao sairmos da estrutura de vingança inspirada pelo clássico Conde Montecristo a trama se tinha perdido um pouco, mas agora não falamos apenas de uma perda, falamos da total ausência de coerência.
Comecemos pela rapidez com que todos os problemas se desenrolam. César está foragido. Alex rouba o dinheiro de César. O vilão regressa depois de uma morte falsa, e todos agem com uma normalidade atroz. Todos, Alex, Rodolfo, e os restantes personagens, queriam que ele voltasse, mas sejamos francos: Queriam exatamente o quê? É que o seu regresso serviu apenas para que a equipa de “bonzinhos” da série fosse fortificada com mais um elemento, dando ao milionário um arco de redenção extremamente desnecessário e deixando nas suas mãos uma confiança dos seus até agora inimigos completamente sem sentido tendo em conta o historial anterior.
Parece que a equipa de autores queria à força trazer o personagem para o centro da história, mas sem que isso significasse que a narrativa se tinha de bifurcar entre uma luta entre Alex e César e outra entre Alex e Medusa. Muita parra e pouca uva no final das contas, gerando uma jornada de redenção para um vilão que nunca se demonstrou até então como digno dessa desculpabilização.
Avançando para Cherma e todo o arco de conversão gay que surgiu neste final de série apenas para complicar ainda mais a trama e deixar nas mãos dos argumentistas mais um dilema numa série que já trazia a exigência de dar uma longa lista de respostas.
A homossexualidade de Cherma foi tema vezes e vezes sem conta ao longo da série e daí até se consegue encontrar uma justificação válida para a tomada de decisão do personagem, sobretudo quando a esse contexto anterior ainda se junta os maus-tratos que teve na prisão. Do ponto de vista da evolução do personagem a escolha desta abordagem apesar de ousada até fazia algum sentido e era interessante, porém a série não tem, simplesmente, tempo para tratar e discutir a terapia de Cherma de forma segura e trabalhada.
Parece que todo esse processo de conversão acontece num estalar de dedos, quase como se estivéssemos a ver a vida do personagem em velocidade duplicada. E porquê? Porque não faz sentido numa temporada de encerramento dar mais esta reviravolta na vida deste personagem.
Era tempo de encerramento e não de colocarem mais um arco nas suas costas. Se ainda existisse uma temporada seguinte, aí sim, podia fazer sentido porque ele ficaria naquele lugar por muito mais tempo e iríamos ter consequências importantes depois, mas não, todo o arco de Cherma serviu para preencher um pouco mais a série e estender o número de episódios.
Mostrou-nos um pouco mais do que é o projeto Medusa? Sim. Mas era necessário? Quando ainda por cima já tinham dado o exemplo de Daniela? Mais valia terem apresentado o mesmo sofrimento que vimos com Cherma a ser aplicado em Daniela, o impacto seria exatamente o mesmo e poupávamos a mais uma reviravolta desnecessária num personagem que já tinha dramas de sobra para desenvolver.
Do ponto de vista criativo até teria sido mais interessante ver um pouco mais da vida dele na prisão, sempre era algo diferente e uma perspetiva nova que levaria a personagem a algum novo lugar.
Mas ao passo que Cherma, mesmo que mal, ainda teve algum desenvolvimento, o mesmo não podemos dizer de Elisa e Rodolfo, que foram verdadeiros figurantes de luxo. Sem qualquer tipo de desenvolvimento pessoal, os dois irmãos Lazcano tiveram uma jornada totalmente oca nesta temporada reduzidos a meia dúzia de diálogos iguais que fazem deles os guarda-costas de Alex, e os tornam em verdadeiros discos riscados.
Ambos tiveram muitos momentos altos na segunda temporada, tiveram desenvolvimento, chegaram a algum lugar, para nestes novos capítulos se tornarem complemente submissos aos planos alucinados de Alex enquanto ele vestia a sua capa de super-herói e combatia um grupo de inimigos gangsters.
Tudo isto com uma escrita que torna todas as situações em momentos de exagero de tragédias latinas que pouca naturalidade têm e que desconsideram o drama para apostarem em sucessivos momentos de violência gratuita e diálogos fraquinhos que se limitam a colocar na boca de todos os personagens uma declaração de intenções sobre de que lado estão na disputa entre Alex e o Projeto Medusa.
A grande sensação que fica é que esta terceira parte serviu apenas para mostrar um resumo do que aconteceu depois dos momentos trágicos da segunda temporada, o que poderia ter sido feito em míseros dois episódios, mas é esticado ao tutano para pelo menos seis, e dar finalmente uma resposta à pergunta que dá título à trama. E sobre este último ponto, bem, é melhor nem falarmos sobre o momento vergonha alheia que acontece no final.
Depois de voltas e reviravoltas, Lucía, a filha perdida de Sara e César, aparece. Num casting pouco criativo que colocou a interprete de Sara a fazer este mesmo papel. Já crescida, Lucía aparece para se encaixar no papel de donzela desesperada que precisa de ser salva e para tornar tudo um pouco mais cringe e rocambolesco.
A função desta personagem é, única e exclusivamente, aparecer, porque de resto ela não acrescenta em nada ao drama pré-existente e poderia até ter sido cortada, pois não é a presença dela que serve de real motor para a revolta dos heróis desta história. Mas ignorando (e sim, é preferível ignorar mesmo) a chegada milagrosa de Lucía, que se tornou noutra conveniência do texto, falemos então do destino final de Sara.
Ao fim ao cabo, no meio da sua loucura que podia potencialmente ter tornado Sara numa vilã bem robusta, Sara foi uma vítima da sede de poder de um lunático que quis lucrar em cima da suposta doença alheia. E no final das contas a sua morte foi um suicídio que parece ter despachado rapidamente as perguntas que a série ainda tinha por responder a poucos minutos do final do capítulo final.
A solução foi a mais fácil, a mais rápida, mas nem por isso a mais criativa e muito menos a mais coerente, dado que a série trabalha num contexto em que a maioria dos personagens são milionários com poder quase infinito e por isso voltar a colocar o corpo de Sara no caixão em que a mãe a enterrou era algo relativamente fácil, sobretudo tendo em conta que Alex esteve preso dezoito anos e por isso sem acesso à campa.
Além do mais, com tantos cúmplices que o plano tinha e com a facilidade que existe para se descredibilizar Alex, até poderiam ter colocado o corpo de alguma outra pessoa naquele caixão evitando assim que a polícia colocasse questões.
Convenhamos que apesar de tudo, de toda a inteligência e poder que o argumento concede aos personagens, as falhas dos planos dos “vilões” são demasiado grotescas para conseguirem fazer sentido dentro desta narrativa.
Quien Mató a Sara? chegou com a promessa de ser mais uma herdeira da obra clássica de Alexandre Dumas, mas o saldo final obriga-nos a tratá-la como uma produção que mesmo sendo escrita em cima de uma estrutura pré-estabelecida e com imensos casos de sucesso ao longo de todos estes anos, consegue falhar redondamente e tornar a trama em algo construído com pouca criatividade e pejada de estereótipos.
Isto sem ignorarmos a avalanche de temas importantes que foram acrescentando de temporada em temporada sem se conseguirem debruçar de facto sobre eles. Nesta última temporada quase que nos passou a sensação de que só a meio da escrita do projeto é que os autores foram informados que teriam de dar uma finalização e a partir desse momentos correram contra o tempo para fechar a história a martelo, sem reescreverem tudo o que já tinham definido anteriormente que seria o futuro dos personagens nesta temporada.
Essa pressão para encerrar fica ainda mais clara quando vemos dois supostos protagonistas, Elisa e Rodolfo, relegados a um plano altamente secundário abrindo espaço para um novo supervilão que só roubou ainda mais os holofotes e tornou tudo mais confuso.
Podemos dizer que a série só não conseguiu manter a atmosfera de adaptação livre do Conde de Montecristo porque foi alargada a mais do que uma temporada? Não, de todo, porque temos Revenge, que mesmo nas suas falhas conseguiu ter criatividade suficiente para não perder o seu foco.
Ou seja, pouco ou nada dos desaires desta temporada de Quién Mató a Sara? é desculpável, e também há pouco de surpreendente nisso, dado que já na segunda temporada se sentiu uma clara queda de qualidade no enredo. Enfim, terminou em boa hora porque depois disto não havia mais por onde cair.
Esperemos que Manolo Cardona tenha melhor sorte com a AppleTV+ do que teve com a Netflix e que Now & Then seja um mistério com mais sumo e credibilidade. Estaremos cá para ver.
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