Fantastic Entrevista - Ana Bustorff: "É nos palcos que nos preparamos para representar em qualquer registo"
Foto: Elite Lisbon |
Ana Bustorff é uma das mais consagradas atrizes da nossa praça, contando com uma longa e sólida carreia no cinema, no teatro e na televisão, tendo integrado o elenco de inúmeras produções que marcaram o público e que, ainda hoje, são recordadas. Premiada com um Prémio Sophia e dois Globos de Ouro, a atriz considera os palcos do teatro a verdadeira escola para se conseguir chegar a qualquer outro registo na área da representação. Numa altura em que regressa à televisão em Para Sempre e em que a podemos ver no grande ecrã em Sombra, o Fantastic esteve à conversa com Ana Bustorff sobre o seu percurso.
Conhecemos a Ana enquanto profissional mas, para começar esta entrevista, gostaríamos de saber como se define enquanto pessoa. Quem é a Ana, que sonhos tem e o que gosta de fazer?
Eu sou a Ana que já cá anda há muito tempo nestas andanças. Os meus sonhos passam por continuar a conseguir trabalhar nos projetos de que gosto, com as pessoas de que também, gosto. Para além disso, tenho outros sonhos, mais simples, como conseguir ter uma casinha no campo com uma "hortazinha".
Foto: Direitos Reservados |
Estamos habituados a vê-la no pequeno ecrã, como por exemplo em A Minha Família é Uma Animação, que estreou há precisamente 20 anos em Portugal. Tendo tido um enorme sucesso junto do público jovem, como recorda este projeto tão diferente daquilo que se costumava fazer em Portugal?
Realmente A Minha Família é Uma Animação foi uma série que teve um impacto enorme em Portugal. Tratou-se de um projeto fantástico para nós, como atores, mas é caso para dizer que estávamos mesmo a representar "para o boneco". Foi uma série bem moderna, sobretudo na altura! Teve imenso sucesso e a equipa do projeto foi incrível.
A Minha Sogra é Uma Bruxa ou Um Lugar Para Viver são outras duas séries marcantes na sua carreira, neste caso num registo de comédia - a primeira, uma sitcom repleta de situações non sense
e a segunda uma comédia familiar com muito humor negro à mistura. A
comédia é um registo que lhe agrada em particular? Acha que fazem falta
mais formatos do género na televisão portuguesa atualmente?
São
duas séries marcantes num registo de comédia, que eu adorei fazer.
Agora, quando me perguntam se devia haver mais formatos do género… Bem,
eu acho que sim, mas apesar de tudo, vão-se tentando fazer séries de
comédia muito interessantes na televisão portuguesa. Devagarinho vamos
lá!
O ano passado integrou o elenco de Golpe de Sorte,
na SIC. Deu vida à Madre Rosário. Como foi encarar este desafio, numa
série diária que marcou, também, a diferença a nível técnico e
narrativo?
Foi uma madre absolutamente fora dos cânones
religiosos e que me marcou imenso, mais que não seja pelo facto de ter
sido um desafio diferente. Foi uma série diária que também teve imenso
êxito e compreende-se o motivo desse mesmo sucesso. Em primeiro lugar,
porque tinha atores absolutamente incríveis e depois porque a história
era realmente muito forte. Portanto, foi um prazer e uma honra.
Foto: Direitos Reservados |
O seu último projeto em televisão foi a novela Quer O Destino, na TVI, onde deu vida à governanta dos Santa Cruz. Como foi o processo de construção da "Elvira de Jesus"?
O processo de construção da minha Elvira de Jesus foi muito prazeroso, porque tivemos vários ensaios, todos em conjunto, nos quais estava o elenco todo reunido com os diretores de atores e o realizador. Por isso mesmo, ficou tudo muito bem estruturado logo à partida. Foi possível definir muito bem o que se pretendia e o objetivo de cada personagem na novela. A minha Elvira foi um presente, foi especialmente interessante por permitir jogar com os dois registos (tinha várias facetas). Quanto à preparação, faz-se trabalhando e falando sobre as coisas. No fundo, descobrindo novas características no dia a dia. Tive ainda a oportunidade de contracenar com pessoas que não conhecia e com outras com quem já me haveria cruzado. Foi ótimo.
Para além de ter tido um percurso ascendente nas audiências, a novela foi muito acarinhada pelo público e foi também um projeto especial para o elenco, percebendo-se o bom ambiente que viveram nas gravações. O que é que retira de melhor, a nível pessoal, de Quer o Destino?
Em termos das audiências sei que a novela Quer o Destino foi realmente muito especial. Em termos pessoais também, porque eu acredito que o entendimento, a diversão, a boa companhia e o acreditar num projeto é meio caminho andado para que as coisas corram muito bem.
Um dos grandes desafios deste projeto foi o facto de interromperem as gravações e retomarem com todas as medidas de segurança devido à COVID-19. Como foi trabalhar desta forma inédita?
Sim, realmente foi um desafio, pois estivemos parados cerca de um mês, o que de qualquer forma nos fez sentir com muitas saudades uns dos outros. Possivelmente deu para nos percebermos melhor, para perceber o que é que se estava a passar à nossa volta. E depois o regresso ao trabalho foi muito prazeroso, com todas as medidas de segurança, claro.
No cinema, conta com uma longa carreira, com quase 40 filmes no currículo. Como vê a evolução do meio cinematográfico no nosso país? Acha que o público tem vindo a valorizar o que se faz em Portugal?
Eu acho que, apesar de tudo, se tem vindo a produzir cada vez mais e melhor cinema português. Acho também que o público começa a valorizar mais os filmes portugueses…. Além de que eu considero que temos cinema de excelente qualidade no nosso país, com atores incríveis e realizadores fantásticos.
Foto: Luís Sustelo |
Depois de Surdina, A Herdade e Ordem Moral, em 2021, regressou em outubro ao grande ecrã, no filme Sombra, de Bruno Gascon. O que é que esta produção tem de especial?
É um filme muito forte, apesar de ser uma história que já faz parte da vida de muitas mães: o desaparecimento e a procura constante desses mesmos filhos. Considero que este filme tem esta ação social também muito importante, para além de ter interpretações absolutamente deslumbrantes, na minha opinião. E não me refiro à minha, como é óbvio.
A Ana conta com vários prémios e nomeações na sua carreira, nomeadamente dois Globos de Ouro como Melhor Atriz em Cinema, uma nomeação para Melhor Atriz de Teatro e o Prémio Sophia de Melhor Atriz Secundária pelo papel no filme Ruth. Para si, em que medida estas distinções são importantes?
Eu sei que é um lugar comum dizer isto, mas considero que os prémios e as nomeações dão-nos um alento realmente muito grande. A mim não me faz sentir que sou especial em relação aos outros mas, apesar de tudo, sinto que o meu trabalho tocou alguém e que fui premiada, por isso é óbvio que isso me ajuda a continuar e a dar força para para que se continue. Apesar de esta profissão ser difícil para todos.
Fotografia: Daniel Pina |
Em 2020 protagonizou Gostava de Estar Viva para Vê-los Sofrer, uma peça de teatro que levou a cena já depois do início da pandemia. Quão desafiante foi preparar e apresentar este espetáculo?
Essa peça de teatro que foi levada a cena depois da pandemia foi um desafio muito grande, até porque é um monólogo. Foi importantíssimo o trabalho do encenador Inácio Garcia e restante equipa para a construção desta minha personagem.
Considera que o palco é o local privilegiado na formação e carreira de um ator?
Para mim é sempre muito importante voltar aos palcos, porque é aí que se
aprende tudo e é aí que nos preparamos para conseguir alcançar e
representar em qualquer outro registo. Eu acho que o palco é muito importante, não só para termos ideia do que é um corpo que se move, mas também para nos mantermos frescos e disponíveis…
Quais é que são as suas maiores influências?
Não sei, eu tenho muitas influências, não gosto de citar ninguém... Mas digamos que as minhas maiores influências foram as pessoas que me trouxeram coisas únicas e com as quais eu aprendi imenso. Consegui isso estando muito atenta para poder crescer nesta minha profissão.
Foto: Direitos Reservados |
Recentemente, foi capa da Revista Cristina, juntamente com a atriz Inês Herédia, onde pousou nua com o objetivo de quebrar preconceitos e de mostrar como a nudez pode significar arte e beleza e não apenas erotismo. Considera que esta foi produção importante para lançar a discussão sobre este tema? Porque é que decidiu aceitar este convite?
Ora bem, para mim fazer a Revista Cristina surgiu como um desafio natural em que o objetivo era mostrar não existir problema em exibir a nudez e em mostrar que eu, enquanto uma atriz que trabalha com o corpo, posso perfeitamente posar nua. Até porque uma atriz deve utilizar o corpo e a nudez sempre que necessário, e sempre que eu achei que fazia sentido ela foi usada. Pareceu-me também importante este convite de uma forma simples, natural e sem preconceitos… Foi possível mostrarmo-nos exatamente como somos, independentemente da idade ou da nossa forma física.
Enquanto atriz, o que é que ainda gostava de fazer?
Enquanto atriz, o que eu gostaria de continuar a fazer era trabalhar cada vez mais com desafios que me tragam imenso alento. Não terá que ser necessariamente uma grande personagem, até porque as grandes personagens se podem fazer em contextos que à partida não parecem ser muito interessantes…. Somos nós - em conjunto com outras pessoas, como um encenador, um realizador ou um diretor de atores - que vamos construindo os personagens em si e, nesse sentido, falta-me fazer muita coisa, querendo eu estar disponível para isso.
Fantastic Entrevista - Ana Bustorff
Por José Miguel Costa
novembro de 2021
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