COMING UP | Gossip Girl
XOXO, Gossip Girl está de regresso aos ecrãs e digam lá que não gostam de uma boa “fofoca”? Nesta nova linha de reboots dos grandes sucessos de outros tempos, a nova versão de Gossip Girl é uma daquelas histórias que se afoga na tentativa de se colar às linhas do passado numa época em que o género já tem pouco mais por onde ser explorado. Falamos-te de tudo isto em mais uma edição do Coming Up, vem connosco e aventura-te em mais uma experiência da HBO em repetir fórmulas sem se saber adaptar aos novos tempos.
À nova Gossip Girl falta chama e o glamour de outros tempos numa narrativa que se estrangula em busca de uma identidade. É como se aquilo que vimos até agora fosse um primeiro rascunho de um guião que tem potencial mas que não tem personalidade e se dobra às tendências atuais sem se preocupar em ter uma definição própria. O resultado é um duo de protagonistas que não cativam e que parecem andar em círculos sem se afirmarem realmente nas suas convicções e a tentativa de criarem uma atmosfera de luxo e poder que parece ser apenas uma imitação em saldo das ideias que construíram o legado de Gossip Girl.
É como se tudo fosse inconstante, como se os autores estivessem a segurar-se para não terem de levar os personagens por um determinado caminho.
No fundo, é tudo efémero e até um pouco oco, sem razão aparente para isso, porque os ingredientes estão lá todos: Tem um nome grande que apela à nossa memória afetiva, tem a discussão da moda, das redes sociais e um relato sobre como a aparência molda as atitudes e vivencias dos mais novos nos dias de hoje. Tem tudo isto, mas quando se trata de avançar para algo com mais substância entramos no drama vazio e repetitivo.
Aliás, repetitivo é a melhor palavra para descrever estes primeiros episódios do reboot. A mecânica dos episódios é a mesma do início ao fim: Os personagens estão bem e a preparar-se para um evento, depois há um conflito que faz com que as duas irmãs se chateiem, o evento acontece e abre espaço para uma guerra de galos, e no final tudo fica bem.
Por mais que exista uma história de fundo a acontecer parece tudo muito episódico, ao ponto de que se um qualquer estranho a este universo agarrar na série a partir do episódio quatro, por exemplo, consegue entender tudo o que aconteceu antes sem precisar de perder um único segundo do seu tempo. Esse loop é o maior carrasco de Gossip Girl.
Para além de não permitir que os seus personagens cresçam e evoluam ainda os leva a retrocessos desnecessários, como acontece com Julien.
Em grande parte dos episódios a personagem tem um monólogo inspirador que toca assuntos importantes e que nos leva a pensar uma e outra vez que aquele será o momento em que a chave gira e ela pode avançar e definir-se. Mas não é o que acontece. Ela vai tendo lampejos de mudança aos poucos mas acaba sempre por voltar ao ponto de partida e cair no mesmo duelo com Zoya.
Ou seja, para além de termos de aprender a ajustar as nossas expectativas em função do esquema narrativo ser o mesmo em todos os episódios, ainda temos de lidar com a falta de construção e coerência dos protagonistas. Tudo bem que falamos de adolescentes, mas temos exemplos excelentes com Never Have I Ever, Sex Education ou Love, Victor sobre como trabalhar a questão da construção de personalidades dos adolescentes sem os tornar em bonecos que mudam conforme o vento.
Gossip Girl é aquilo a que se pode chamar uma série “pastilha elástica”. Nós vemos, gostamos porque há aquela chama de novela que nos faz querer saber o que se passa a seguir, mas não entrega nenhuma mensagem que possa realmente servir para educar quem está do outro lado.
É certo que nem todas as tramas precisam de ter essa carga moral, mas no caso de Gossip Girl acaba por se tornar uma exigência quando o tema central da série é um dos maiores problemas do século XXI: A vida centrada nas aparências e na exteriorização para as redes sociais. Se a proposta é esta, e se o público alvo da série é aquele que mais precisa de aprender algo sobre isso, então o argumento tem de oferecer ferramentas que sirvam como uma lição, mesmo que subtil, sobre o quão tóxico é viver dentro dessa esfera.
Julien tem vários momentos em que chega lá, em que consegue tocar nos pontos certos mas como depois não existe uma continuidade cuidada que leve a personagem a debater esses pontos a mensagem acaba por se perder no meio de palavras bonitas.
A partir do episódio cinco já começamos a ter uma evolução maior nesse sentido de levar um pouco mais a sério os problemas e dilemas, mas como a série acaba logo depois não dá para fazer uma comparação real se vão conseguir sustentar as consequências dos atos dos personagens ou se vamos entrar novamente na onda do mais do mesmo.
Além de tudo o que já falamos, os protagonistas são outro dos grandes problemas deste regresso de Gossip Girl. Zoya é uma personagem altamente estereotipada, sem razão para o ser, e pela qual não conseguimos sentir a mínima afeição.
Como se não fosse suficiente ter um arco que é o mais básico possível, a atriz Whitney Peak é possivelmente o membro com pior desempenho neste casting. Falta-lhe verdade no que diz, algo que poderia ajudar a que não se notassem tanto as falhas que o argumento tem, mas no fundo, entrega-nos a menina pobre que entra no mundo dos ricos e que já estamos cansados de ver em filmes e séries. Chega a ser sofrível vê-la em algumas contracenas com Jordan Alexander, porque a discrepância entre elas é gigantesca.
Julien é o verdadeiro motor da série, e a única do núcleo protagonista com capacidade para inverter as opiniões mais criticas numa segunda temporada. Ela tem presença, pujança, e é claramente um vítima dentro de um texto que não sabe qual é o seu objetivo. Ganhou nos diálogos, ganhou na aparência que sai dos padrões habituais e é o elemento que nos faz acreditar que de facto estamos a ver algo que deriva do bom gosto de Gossip Girl.
Para finalizar o trio temos Obie. E a grande questão que se impõem é: O que dizer sobre Obie? É o saco de pancada humano, a batata quente que vai saltando da mão de Zoya para Julien mas sobre o qual há zero conteúdo.
Entregam-lhe ali umas pontas soltas de história que andam a marinar e que parecem não ter qualquer importância, como se ele vivesse para se chatear e juntar com as duas irmãs. Não há paciência para ele, ao ponto de que se ele desaparecesse da história seria até melhor porque iríamos ter a série a ter de lidar com a ausência de um romance estruturado e a ter de se reinventar para provar que é mais do que um drama teenager básico.
Os personagens secundários são o melhor de tudo. E se não fossem eles possivelmente a série já teria perdido um boa parte dos seus seguidores no segundo capitulo. Eles têm questões, conteúdo, e mais atrativos que os próprios protagonistas, mesmo sem que tragam algo de extraordinariamente novo para este género.
Max carrega uma boa parte dos episódios às costas, com o seu personagem que é, talvez, um dos únicos que tem o selo de legado de Gossip Girl cravado nas costas. Mas para além da sua excentricidade ele é interessante, com o ator a entregar a melhor interpretação da série, mesmo sendo um erro de casting dado que a sua aparência denuncia, claramente, que é muito mais velho do que aparenta, até mais velho que Rafa, o seu par romântico (se é que assim se pode chamar).
A história tenta muito beber da fonte da representatividade, e até consegue com Max e com Aki, mas como ambos são personagens secundárias, os seus traumas e problemas são resolvidos com alguma leviandade sem que exista a devida atenção sobre eles.
À parte disso, e já que estamos em pontos positivos, Audrey é a única felizarda desta primeira sequência de seis episódios. É a única personagem que faz o caminho de a conhecermos e nos apaixonarmos por ela. As cenas dela nos últimos dois episódios salvam grande parte da honra de Gossip Girl, e dá-nos vontade de ver mais, de entender como é que a personagem nos pode surpreender.
Ela era uma digna protagonista da história, porque com um único arco de maior dramatismo já nos faz esquecer Obie e Zoya.
Em suma, o grande problema que muitos apontaram no início de nesta versão serem os professores a assumir o controlo da Gossip Girl, é o menor dos problemas deste reboot que ainda tem um longo caminho pela frente se quer entrar para a história e tornar-se tão memorável como o original.
Ter os professores como elemento que gera as cusquices e os dramas dentro da escola até que foi ousado, e, surpreendentemente, bem justificado porque coloca a grande fonte de informação fora do circuito em que os protagonistas estão, ou seja, sem deixar que as emoções lhe toldem o julgamento na hora de publicar o que quer que seja. Nesse aspeto até que foi inovador, porque deu um papel de maior importância aos professores que são, por norma, figuras de background em histórias adolescentes.
O problema não está em serem eles, está em que exista a necessidade da série tem uma Gossip Girl, porque no fundo parece que existia um piloto já escrito que levou uma reformulação às três pancadas para ser mergulhado no universo da série clássica, mas com o qual não ouve cuidado suficiente para manter a coerência.
Nem tudo é terrível, obviamente, mas o caminho para se tornar em algo bom promete ser um percurso de sacrifício. Vamos dar a chance para que aprendam com os erros na nova temporada, na esperança de que finalmente os personagens tenham algo para nos dizer e deixem de ser bonecos insufláveis pintados à luz dos clichês mais básicos. É esperar para ver, no próximo ano na HBO Max.
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